ALCIDES CARNEIRO: O GÊNIO DA PALAVRA
Ignácio Tavares |
Ignácio Tavares*
O povo ficava ouriçado quando ouvia falar que
haveria um comício em Pombal e Alcides Carneiro estaria presente no palanque.
Até mesmo os mais abusados adversários políticos, filiados a UDN compareciam em
massa aos comícios do PSD a fim de escutar e aplaudir o tribuno das multidões.
Era uma festa e tanto. A cidade se engalanava para receber o mais notável
fenômeno da oratória brasileira nascido no território paraibano.
Depois do comício, no outro dia as frases mais
empolgantes, eram repetidas nas esquinas pelos admiradores de Alcides. Não há
precedente na história política da Paraíba. Dizem que Raimundo Asfora foi um
grande tribuno, mas, quando comparado a Alcides, deixa-se muito a desejar.
O saudoso tribuno fez
escola, mas, não deixou substitutos à sua altura. Vários seguidores tentaram
emita-lo, no entanto, poucos chegaram ao nível da sua genialidade. Sempre
tomado pela humildade, fazia questão de dizer que devia tudo a sua cidade natal
Princesa Isabel. No seu autorretrato, foi bem claro ao declarar-se filho de
Princesa. Disse: ¨Nasci em Princesa, na Paraíba, em 11 de junho de 1906. O
advento custou 5 mil reis, pagos a parteira Bonifácia. Este foi o preço da
minha entrada neste mundo, ao qual nos trazem sem consulta e do qual nos levam
sem aviso Assim se vivo estivesse o saudoso tribuno completaria 107 anos no
próximo mês de junho.
Continua: ¨Meu padrinho de
batismo foi José Pereira Lima – caudilho altaneiro e valente ---- chefe da
sedição que desencadeou a Revolução de 30. Prevaleceu na minha índole, o sangue
paterno, inclusive sobre as proteínas do leite e os eflúvios da benção¨.
¨Cursei a Escola Primária do bom Professor Adriano Feitosa, onde tomei contato
com a temida palmatória. Mais tarde, quando soube das formas parcialmente
exuberantes da Vênus Calipigia, lembrei-me dela. Aos 11 anos, viajei ao Ceará,
terra onde vi o mar e conheci o automóvel e água encanada. Consignados dois
tios que ali residiam, matriculei-me no Instituto São Luiz, do professor
Menezes Pimentel, depois no Liceu Cearense, onde concluir o curso secundário.
Cursei dois anos a Faculdade de Direito do Ceará e transferi-me para o Recife,
onde me formei em 1926, com 20 anos de idade. Gosto muito do Ceará e do seu
povo. Viajando pelo mundo, encontrei, nas pirâmides, um cearense alugando
camelos. ¨
Foi assim que Alcides despontou para as lides
da vida. Formou-se em Direito muito jovem. Talvez, incentivado pelos primos Ruy
e Janduy Carneiro, resolveu aventurar-se na política, porem com pouco sucesso,
não obstante ser um grande arrebatador de multidões. Foi eleito apenas por uma
legislatura. Costumava dizer: ¨o povo gosta de me escutar, mas, não gosta de
votar em mim. ¨
Seus discursos sempre foram
recheados de frases impactantes em perfeita harmonia com a lógica da oratória
clássica. Ao paraninfar os formandos de 1974, da Faculdade de Direito da UFPB,
antecipou o epitáfio do seu túmulo nos seguintes termos: ¨Foi Juiz, se absolveu
por compaixão, não condenou por fraqueza. Ao inaugurar um Sanatório na cidade
de Petrópolis, que recebia o seu nome, falou e disse: ¨Deixai que sussurrem as
brisas porque não posso ouvi-las, deixai que passem os perfumes, porque não
posso senti-los; este é o castigo para quem tanto se extasiou com as belezas da
natureza, para quem tanto amou os mistérios da vida¨
Em sua mensagem aos
conterrâneos de Princesa, por ocasião da reabertura da velha Igreja onde
recebeu o batismo: ¨Determinado e incansável Pastor que sozinho construiu um
Templo tão belo que mais um presente do Céu para agradar a terra, que um
presente da terra para agradar o Céu.¨ O Pastor o qual se referia era o Frei
Anastácio, guardião do Templo
reconstruído.
Ao discursar na posse de
Ernani Sátyro no Tribunal Superior Militar, falou que tinha duas invejas do
empossado; A primeira porque nunca foi escritor e a segunda diz respeito ao
ciúme que sentiu quando Ernani esposou a moça que tanto amou. Referia-se, ao
estado da Paraiba, que o empossado governou por quatro anos.
Por ocasião do traslado dos
restos mortais de Epitácio Pessoa, em 1965, proferiu a seguinte oração: ¨Neste
instante, volta ao seio materno o pródigo da glória. Entre um soluço e um
silêncio __ o soluço do povo, o silêncio das grandes angústias¨. ¨Epitácio não
morreu. Vive onde vive Jesus. Sua voz ressoa nos gorjeios que vêm dos bosques,
nos alísios que vêm do mar, ruge nos vendavais que açoitam os cariris, reboa
nos contrafortes das serras, quando o raio troveja ao lucilar dos lívidos
relâmpagos. ¨
Poderia citar centenas de orações
geniais do grande tribuno. O espaço não me permite que assim o faça. Mas quero
chamar atenção para um fato importante. Apesar de Alcides arrastar multidões,
nas grandes concentrações populares, foi eleito deputado federal apenas por uma
legislatura.
¨O povo gosta de me ouvir,
mas não gosta de votar em mim¨ Esse foi o seu grande desabafo, ao deixar
definitivamente a vida política. Aí cabe uma pergunta: Porque o povo não votava
em Alcides? Vou tentar dar uma resposta mais ou menos explicativa. Quando Alcides
fazia política, mais de 80% da população do estado habitava a zona rural.
Alcides era um político cujos discursos estavam voltados para o deleite da
população urbana.
Ademais, é importante
ressaltar que os fieis, admiradores de Alcides viviam nas pequenas e médias
cidades. Outro aspecto a considerar, que nos anos cinqüenta, ainda prevalecia a
política da dominação do eleitorado rural, pelos grandes proprietários, como
bem evidenciou Francisco Sales Cartaxo Rolim na sua clássica obra Política dos
Currais que faz uma análise dessa questão. Nos grandes centros urbanos, como
Campina Grande e João Pessoa, as lideranças satelizadas tinham outros
compromissos com as grandes lideranças locais, sobrando poucos espaços para
Alcides.
Dessa forma o grande tribuno
teve razão de sobra quando cunhou a máxima; ¨O povo gosta de me escutar, mas,
não gosta de votar em mim. ¨ Este desabafo, como já disse, marcou a sua
despedida da vida política. Passado algum tempo, distante dos acontecimentos
políticos, nos anos sessenta foi nomeado Ministro da Suprema Corte Militar,
onde exerceu com denodo e maestria o exercício de julgar, de acordo com os
princípios do amor e da liberdade, como está expresso no seu desejável
epitáfio, citado na ocasião em que foi convidado a paraninfar a turma do curso
de Direito da UFPB, em 1974: ¨Foi Juiz, se absolveu por compaixão, não condenou
por fraqueza.
João Pessoa, 01 de Março de
2013
*Economista
e escritor pombalense.
ALCIDES CARNEIRO: O GÊNIO DA PALAVRA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/28/2013 09:40:00 PM
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Um comentário
Leitura suave . Belo texto. Parabens Ignacio Tavares
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