A CASA BRANCA DA SERRA
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Na região oeste da cidade, à
margem esquerda do Piancó, uma suave elevação serrana, de extensão
intermitente, se estende, salvo engano, das mediações do sítio flores até as
terras do sítio outra banda. Na sua extensão recebe várias denominações. Nas
proximidades da vila pombalzinho é conhecido como ¨alto de Joaquim de Orlando porquanto no sítio
outra banda recebe a denominação, ¨alto da favela¨.
Não sei das outras
denominações que recebe a modesta serrinha na direção rio acima. O solo
tipicamente cristalino não se presta para a exploração agrícola. O fato de ser
argiloso, por isso impermeável, abriga uma cobertura vegetal típica da região
tais como, favela, marmeleiro, jurema, entre outros pequenos arbustos.
Não se trata de uma área
totalmente inútil, pois, em meio à vegetação rústica brotam diversas variedades
de capins, de sistema radicular de pouca profundidade, que servem de base
alimentar para a pecuária extensiva.
Não há espaço para
ajuntamento d’água de forma natural ou artificial. O pequeno serrote atua como
se fosse um divisor de águas. Uma parte corre pra o Piancó, outra, no sentido
contrário, alimenta riachos que vão dar na fazenda Santo Antônio e
em seguida
deságua no rio Piranhas.
Por outro lado, no alto da
favela, de um lado os riachos que correm, na direção oeste não desaguam no
Piranhas, porquanto uma pequena elevação após o alto faz a água retornar em
direção leste. O pequeno riacho formado por essas águas alimenta um pequeno açude
localizado no sítio Cajarana, cuja sangria vai dar no Piancó.
Do lado de cá, os arroios
correm diretamente pra o Piancó. Em
razão das dificuldades para o acesso à água, os proprietários, cujas terras são
cortadas por esta elevação, evitaram construir casas para fins residenciais, ou
qualquer outro tipo de construção com finalidade agrícola.
O senhor Joaquim de Orlando
foi à exceção. Construiu sua residência, exatamente, no alto da elevação. A
modesta casinha, pintada de branco, enquanto erguida, era vista de qualquer
ponto da cidade. No sentido inverso lá
do alpendre da casinha éramos premiados com uma visão panorâmica da cidade
A água de que necessitava
para o consumo da família, animais e higiene familiar era armazenada em tanques
de alvenaria no decorrer da estação invernosa. Fora da estação era conduzida em
lombo de jumentos. Mesmo assim, segundo o
senhor Joaquim de Orlando valia pena morar na casinha branca da serra. O
esforço de construção foi recompensado pela brisa que persistentemente invade o
interior da casa, proporcionando-lhe um conforto climático bem diferente
daqueles que estavam a residir lá embaixo, na cidade.
Repito, era uma casa branca,
com um pequeno alpendre, duas janelas, na parte frontal uma porta, ainda duas
janelas na lateral. Por várias vezes, eu e Carlito Herculano, subimos o serrote
a fim de pegar canários da terra, que naquele tempo havia em abundancia.
A visão que tínhamos da
cidade era deslumbrante. O pequeno sítio
era uma faixa de terra que ficava entre o xique-xique, pertencente família
Alexandre, nossos parentes, e o carro quebrado, propriedade do tio Onofre
Cardoso.
A casa branca de seu Joaquim
de Orlando era um ninho de felicidade. Poucos móveis ornamentavam os espaços
disponíveis. O que se via eram tamboretes, potes de barro, uma fornida mesa de
aroeira pra refeições, fogão a lenha, outras coisas mais, típicas de uma residência
de uma família pobre.
Afora isso, não havia mais nada
de especial de uso doméstico. Não havia iluminação elétrica, por conseguinte,
não havia rádio, geladeira ou qualquer utilidade domestica movida a energia. Na parede fotografias quase,
apagadas, do casal, dos ancestrais da família, além da de São Jose e sua
Santíssima esposa Maria, com o menino Jesus nos braços. Ah sim, havia fotos do
filho mais velho que residia no Rio de Janeiro.
Era assim o cenário interno
da casa, caprichosamente pintada de branco, do seu Joaquim de Orlando. Ninguém
passava pela estrada sem dar uma espiada lá pra o alto em direção àquela
modesta morada, porem repleta de paz e felicidade.
Da mesma forma, na cidade, em
qualquer lugar que estivéssemos, avistávamos a casinha branca. Por outro lado,
a família Orlando, lá de cima, por sua vez, com um simples olhar, mesmo de
soslaio, deslumbrava-se com a velha cidade de ruas sinuosas, porém aconchegante
e acolhedora.
Ah, seu Joaquim, quantas
saudades!! O ponto que o senhor escolheu para construir o seu ninho de
aconchego, com certeza, hoje, muitos gostariam de estar no seu lugar, inclusive
eu.
A cidade cresceu. Os
problemas das cidades grandes são motivos de preocupações no nosso dia-a-dia.
Assim sendo nos restam boas lembranças, porque os escombros da casinha branca
da serra nos remetem àqueles tempos em que a felicidade, em meio a pobreza, era
uma mercadoria fácil de encontrar. Bastava procura-la.
João Pessoa, 14 de Março de
2013
*Economista
e escritor pombalense
A CASA BRANCA DA SERRA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
3/13/2013 06:24:00 PM
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