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A SECA CONTINUA

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Antigamente, quando não existia monitoramento das variações climáticas, via satélites, as previsões de bons ou maus invernos eram feitas pelos conhecidos profetas sertanejos. Aos sábados, por ocasião das feiras semanais, os vendedores de folhetins, em voz alta, anunciavam as profecias sobre o inverno que se avizinhava. Acrescentavam: “quem quiser saber com mais detalhes leia este folhetim que custa apenas dois mil reis”. Informava ainda que as profecias estavam de acordo com os lunários (lunário perpetuo) de João Ferreira e de Jose Costa Leite, nos quais se baseavam os profetas para realizar suas previsões.

Era este o principal canal de informações sobre as possibilidades de ocorrência de secas que o homem do campo dispunha para poder planejar suas atividades rurais a fim de enfrentar mais uma estação invernosa irregular. Hoje, na era digital, não há mais necessidade de comprar folhetins para saber se vai ou não haver estação invernosa regular ou irregular. Os sábios do tempo estão por aí a fazer previsões que nos deixam de cabelos arrepiados. Recentemente, um conhecido meteorologista da região, também sábio informou que o semiárido terá mais três anos de secas, alem de 2013. É possível que esse fenômeno venha acontecer, pois, ciclo idêntico já aconteceu no século passado a envolver o período 1979/1883. È claro que nessa época os supercomputadores responsáveis pelas previsões meteorológicas precisas de hoje, ainda não haviam sido instalados.

Pois é,
vale a pena ressaltar que a gravidade das secas ocorridas naquele período não se compara com as secas de 2012/2013, principalmente a de 2012. Naquele longo período de secas no século passado não faltou água para o consumo humano e animal, nem tampouco para a formação de pastagens para o gado. Isso quer dizer que no decorrer dos cinco anos de irregularidades climáticas prevaleceu às chamadas “secas verdes”, o que não aconteceu no ano passado quando ocorreu uma seca que há muito não se via.

Ao retomar a questão das previsões, hoje é possível antever as irregularidades climáticas muito antes de o fenômeno acontecer. Noutras palavras a seca do ano passado bem como esta de 2013 foi uma crônica anunciada com tempo necessário para se tomar alguma providencia. Ora, diante dessa situação, se autoridades governamentais já tinham informações sobre a possibilidade da ocorrência de secas, como estas de 2012 e 2013, porque não puseram em pratica políticas públicas, com certa antecipação, a fim minimizar o sofrimento dos produtores rurais do semiárido? Com a resposta as duas esferas de governo estadual e federal.

O pior de tudo isso é que somente agora se formaram as primeiras comissões a fim de elaborar documentos reivindicatórios dirigidos ao governo federal, diga-se de passagem, de forma tardia. Até então ninguém havia se dignado levar ao grande público essa questão, talvez, por razões, estritamente política, ou quem sabe, por pura timidez para enfrentar os escalões superiores das duas instancias governamentais. Parece até que a síndrome da timidez instalada na época da ditadura continua a prevalecer nessa fase esplendorosa da democracia plena  vigente  no País.

Desse modo pergunta-se ainda: quem ousa questionar de forma corajosa e determinada o governo central? Pelo menos os que compõem a sua base de apoio permanecem em absoluto silencio ou quando fala qualquer coisa sobre a questão seca é de forma indireta, não sei por que, a não ser que seja por conta do medo de ser incompreendido pelas lideranças do partido do qual faz parte.

Repito: ao nível local criam-se comissões pra isso e aquilo outro,  a fim de percorrem as áreas deflagradas, bem como, fotografar, filmar, para fazer robustos relatórios a fim de transformá-los em instrumentos reivindicatórios, por sinal, extemporâneos. Com efeito, a época de reivindicar já passou, porque o homem do campo desde 2012 sofre as consequências das irregularidades climáticas sem ter para quem apelar.

Por que somente agora os políticos arregimentaram-se na busca de soluções quando os estragos já estão feitos? Todos sabem que nada ou pouco sobrou do modesto patrimônio dos pequenos e médios criadores. Não é verdade? Nesse caso o que fazer para recompor o patrimônio perdido por esses obstinados sofredores rural? Com a resposta os legítimos representantes do povo no baixo e alto legislativo, digo estadual e federal, bem como os executivos federal e estadual.

Repor o patrimônio perdido das classes mais pobres que vivem a extrair terra os meios para sobreviver via novos empréstimos bancários é impossível uma vez que a maior  parte dos pequenos e médios produtores rurais está afogada em dividas impagáveis, pois a principal fonte de renda dessas classes de produtores, no caso  o rebanho bovino, já não existe mais, porque a sede, a fome destruiu a todos. Assim sendo, buscar outras formas não onerosas para formação de novos rebanhos é urgente, seja, logo quando houver a regularização das estações invernosas. São pequenos e médios proprietários que não têm alternativas de vida a não ser a pouca renda que obtém a duras penas num ambiente repleto de incertezas. Conheço de perto esse quadro.

Isso mesmo hoje no campo prevalece a situação de renda zero. Depois do desaparecimento do algodão, a principal fonte de renda do pequeno e médio proprietário são as cabeças de vacas que possuem e o pequeno plantel de caprinos e ovinos, entre outros pequenos animais, que dão sustentação econômica as famílias. Em muitos casos, a produção de leite, numa faixa de 60 a 80 litros/dia é a principal fonte de a renda desses ousados homens do campo. Com esta renda busca suprir as despesas domesticas entre outros encargos com aquisição de ração e insumos para manutenção do pequeno rebanho.  

Os caprinos e ovinos, entre outros pequenos animais, servem de suportes para o atendimento das despesas familiares no período de entressafra do leite. E assim vive essas pobres famílias que relutam em permanecer na zona rural, expostas às incertezas do clima, bem como a desatenção dos poderes governamentais. E agora? Repito: para muitos produtores rural acabaram--se as principais fontes de renda, pois morreram as vacas, desfez-se o pequeno rebanho de ovinos e caprinos restaram apenas as impagáveis dividas junto aos bancos oficiais.

Pergunta-se se os homens do campo vivem uma situação de renda zero, por que não zeram as dividas, dessas sofridas criaturas, junto aos bancos oficiais? É justo e necessário que o governo assim o faça, pois parte do patrimônio que foi dada como garantia real para realização do empréstimo, não existe mais. Refiro-me ao plantel bovino que foi dizimado na seca de 2012. Dessa forma só resta apenas a terra que, alem de ser a garantia de vida das famílias e se for vendida a preço de hoje não dá sequer para pagar uma parte do empréstimo.
A seca continua, segundo os profetas da era digital. O homem do campo empobreceu em meio a um turbilhão de dívidas impagáveis e um patrimônio familiar destroçado. Com certeza se nada for feito esses pobres homens, antes nobres trabalhadores irão engrossar a fila dos programas de transferência de renda do governo, a conhecida “bolsa familia”entre outros penduricalhos e buscar um cantinho  para morar na periferia da cidade mais próxima e apelar para caridade pública para poder sobreviver. Seria um caso típico de despromoção social vertical conforme define muito bem os Mestres e Doutores da Sociologia.

Consequências: as cidades não terão condições de ofertar moradias para acolher a leva de famílias egressas da zona rural. Haverá necessidades de mais escolas, mais empregos urbanos, mais saúde, mais tantas outras coisas que o governo municipal no curto prazo, não tem condições de atender.

O profeta Padre Cicero Romão do Juazeiro costumava dizer: “haverá tempo em que no campo existirá muito pasto e pouco rastro” Esta profecia, infelizmente, está a se realizar graças à indiferença dos poderes públicos ao sofrimento dos bravos homens do campo que insistem em extrair da terra os meios para sobreviver através da dignidade do trabalho.

João Pessoa, 22 de Abril de 2013.


*Economista e escritor pombalense
A SECA CONTINUA A SECA CONTINUA Reviewed by Clemildo Brunet on 4/22/2013 11:49:00 AM Rating: 5

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