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FERRABRÁS: O IMBATIVEL

Ignácio Tavares

Ignácio Tavares*

Certa vez estava a passarinhar no sítio da minha avó Ana, quando de repente pousa na lateral da casa de farinha um casal de canário da terra. Era alguma coisa diferente das demais aves do gênero que costumava criar em gaiolas apropriadas. Fiquei entusiasmado com o achado, posto que, jamais tinha visto um casal de canário tão fascinante como aquele. Foi uma paixão à primeira vista.

Pus a gaiola num ponto estratégico com um canário chamador, apoiada num pequeno estilete de marmeleiro, fincado na parede lateral da casa. Armei o alçapão, com um pouco de alpiste, em pouco tempo capturei os dois fascinantes animais. No decorrer das minhas passarinhadas consegui capturar vários canários, mas, nenhum dos que possuí tinha o perfil elegante do casal que acabara de pegar. Era vistoso, atraente, de tamanho acima do normal. Quando desceu até a gaiola, atraído pelo canário chamador, observei que o bicho era bom de briga.

Não me enganei. Imediatamente fiz solta do casal chamador para desocupar a gaiola. Depois de dias e mais dias de observação resolvi  investir no treinamento e
alimentação do novo casal de canário para  no momento oportuno  fazer a sua estréia nas rinhas armadas na calçada da Igreja do Rosário, nos finais de semana. Inicialmente convidei alguns amigos, criadores de canários, para conhecer o meu achado e ao mesmo tempo testar a sua capacidade de briga na porta de casa.

O porte elegante do canário e a sua disposição pra briga despertou atenção dos visitantes. Era comum, naquela época, afirmar que, por trás de um bom canário de briga sempre existe uma boa canária, por sua vez também brigona. Testei essa afirmativa. Depois de algum tempo de experimento com outros canários, apresentei-os aos frequentadores da calçada da Igreja o Rosário. Pra inicio de conversa enfrentou vários casais de canários famosos, pasmem não perdeu uma só vez.

Em razão disso, tornou-se conhecido e todos queriam vê-lo. Era uma verdadeira romaria na minha casa. Para fazer jus à fama que tinha, por sugestão de Carlito Herculano apelidei-o de Ferrabrás, o valente guerreiro. Para não perdê-lo de vista, no momento de uma disputa, marquei levemente a sua cabeça com um pingo de tinta preta, extraída da minha caneta Parker 121.

A fama de ferrabrás espalhou-se pela cidade. Eis que aparece um convite para o grande teste. Milton Freire, criador de um casal de canário considerado imbatível, fez-me um desafio pra uma luta em campo neutro,  seja um local onde o meu canário nunca tivesse enfrentado outros canários. O lugar escolhido foi o adro da Igreja Matriz da cidade.  A bolsa de aposta funcionou a todo vapor. Apostei todas minhas economias, assim como outros colegas admiradores de Ferrabrás.

Marcamos a data do enfrentamento. No intervalo de tempo entre o acerto da contenda e o dia da realização, isolei Ferrabrás, o submeti a um tratamento especial. Esse tratamento envolvia casca de ovos em pó para calcificação da estrutura óssea e alpiste especial que comprava no armazém de Zeca Peba. O fato de existir muitos criadores de canários, vendia-se muito alpiste de boa e má qualidade naquela época.

Chegou o tão esperado dia. A gaiola era dividida em dois compartimentos. Como a gaiola de Milton era maior do que a minha decidimos que a rinha seria na sua gaiola. Pedimos às pessoas que se afastassem, para não perturbarem as aves.

Primeiro encostamos as gaiolas pra que os canários identificassem quem era quem. Algumas vezes, a canária, fêmea de Ferrabrás, era tão brigona que o canário adversário se confundia. Nesse caso a disputa não valia. Mas, Ferrabrás identificou logo o canário de Milton. Os dois ficaram agitados, dessa forma prontos para o enfrentamento.

No segundo momento, Ferrabrás, juntamente com sua companheira, foi transferido pra gaiola do canário de Milton. Os dois ficaram mais próximos. Depois de mais ou menos um minuto resolvemos abrir o compartimento. O fim da briga terminava quando um dos canários começasse a chiar ou bater gaiola. Não demorou muito tempo, foi menos de um minuto. Ferrabrás aplicou um xeque-mate no canário de Milton, que além de chiar, ficou a bater gaiola, totalmente descontrolado. Os torcedores de Ferrabrás festejaram a grande vitória porque ganharam um bom dinheiro em apostas, assim como eu também. Separada as aves, cada um tomou o seu destino.

No outro dia, logo cedo, Milton vai a minha casa e faz uma proposta tentadora para comprar Ferrabrás. Não aceitei, pois o casal de canário podia me render um bom dinheiro em apostas.  Acontece que ninguém ousava levar o seu canário para enfrentar o temido Ferrabrás. Assim sendo, retomei a conversa com Milton, terminamos por negociar o canário a um preço espetacular pra época.

Desfiz-me de Ferrabrás com o coração partido. Em pouco tempo Milton recuperou o investimento que realizado. Levou o canário pra Patos, onde não era conhecido, conseguiu faturar um bom dinheiro em apostas. Com o passar do tempo, Ferrabrás perdeu a disposição para enfrentar os eventuais adversários. Entrou em declínio por isso foi desprezado e em seguida solto para que retornasse a natureza.

Depois de Ferrabrás, não me interessei mais pela cria de canários. Certo dia estava em casa, chega Carlito Herculano (Dêco) e me fala que havia recapturado Ferrabrás. Fui olhar pra ver se era ou não o velho guerreiro imbatível. Parecia sim, pois, existia uma pequena mancha na cabeça que me fez lembrar o pingo de tinta preta que usei pra marca-lo. Não valeu a pena a sua recaptura, pois, não era mais nada daquele majestoso canário, de porte elegante, valente, vencedor, que por muito tempo foi considerado o rei das rinhas em toda cidade.

Sabedor de que jamais encontraria outro Ferrabrás, desfiz-me das gaiolas, entre outros apetrechos, encerrando assim, definitivamente, a minha paixão pelos canários da terra. Restaram-me apenas as boas lembranças do meu Ferrabrás e sua parceira, que juntos me proporcionaram alegrias que julgava intermináveis. Bons tempos, velhos tempos.

João Pessoa, 13 de Abril de 2013

*Economista e escritor pombalense.
FERRABRÁS: O IMBATIVEL FERRABRÁS: O IMBATIVEL Reviewed by Clemildo Brunet on 4/13/2013 11:54:00 AM Rating: 5

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