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IMÓVEL RURAL: QUEM DÁ MAIS?

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

No nordeste semiárido, com raras exceções, a economia rural entrou em crise desde quando a cultura do algodão tornou-se economicamente inviável. O pior é que até o presente momento não foi possível por em prática novos arranjos produtivos com o mesmo apelo de mercado da cultura do algodão. Dada essa impossibilidade entende-se que por muito tempo a cultura do algodão foi o esteio da economia agrícola da região, porquanto existiu a garantia de mercado a preços compensadores.  Isso mesmo, a cotonicultura, tempos atrás foi a grande referencia da economia rural do semiárido, em particular na sua fase áurea de garantia de mercado. O ambiente da economia rural era simplesmente maravilhoso.  Se o algodão valia muito, muito mais valia a propriedade. Vivi essa época em que a propriedade agrícola era a mais importante moeda de troca no mercado de transferências de bens imóveis. A propriedade era uma espécie de titulo de nobreza cujo direito de posse era exclusivo das famílias tradicionais, dispersas por toda região.
Por esta e
outras razões o grande proprietário rural ostentava status equivalente a de um bem sucedido médio empresário urbano na era de hoje. Quando bem sucedido era um homem rico de grande projeção política e social no ambiente comunitário do qual fazia parte. Os filhos estudavam nos melhores colégios dos grandes centros urbanos do estado, do nordeste e às vezes até do centro sul do País. Por outro lado, as filhas eram internadas em colégios de Freiras a fim de completarem o curso normal ou pedagógico para serem contratadas como professoras logo após a formatura.

Foi o ciclo do fausto em que os barões da agricultura ganhavam muito dinheiro. Quanto mais produzia mais se acumulava riqueza em razão dos excelentes preços que o mercado oferecia e ainda, por conta dos baixos custos de produção devido à elástica oferta de mão de obra barata e abundante. Nessa época cerca de 80% da população dos municípios viviam na zona rural. Em meio a tudo isso a economia dos municípios era financeiramente bem regada, pois, o dinheiro circulava em profusão pelos diversos setores produtivos. Enfim, para os grandes proprietários o céu era aqui, então não havia de que se preocupar nem tampouco a reclamar.

Acontece que, com o passar do tempo o que era doce acabou-se. A partir do final dos anos cinquenta ao inicio dos anos sessenta a economia algodoeira apresenta os primeiros sinais de que algo de ruim estava pra acontecer. Aconteceu sim senhor. Em Pombal os dois grandes mercadores da cultura do algodão Sanbra e Anderson Clayton arrumam as malas e foram embora deixando um vazio de mercado impreenchível. A crise de mercado arrastou-se até o fim dos anos setenta, quando definitivamente a cultura do algodão desapareceu da agricultura do município.

Como consequência o preço da terra caiu a níveis insuportáveis. Aos poucos o campo esvaziou-se em razão do desemprego massivo. Milhares de casas que serviam de abrigos para os moradores perderam a serventia transformando-se em escombros com o passar do tempo. O esvaziamento do campo obrigou os proprietários rurais buscarem novos arranjos produtivos fundamentados na pecuária de corte, bem como a leiteira, associada a outras culturas de subsistência de resultados duvidosos.

Não obstante a insistente busca de novas alternativas para o uso da terra para fins produtivos, pouco ou quase nada mudou. A lógica econômica sugere que, quanto maior for o uso alternativo de um recurso de produção mais elevado será o seu valor de troca ou de venda. Diante de tudo que aconteceu a terra, em particular no sertão paraibano, deixou de ser um recurso de produção atraente aos olhos dos investidores, justo por conta do seu restrito uso alternativo em termos de exploração agrícola. Isso significa dizer que quando valor de uso da terra tende a ser muito baixo, mais baixo também será o seu valor de venda.

Aqui em Pombal, anos atrás, muita gente investiu na compra de terras na expectativa de que estaria fazendo um grande negócio. Com certeza, esses pobres sonhadores, perderam patrimônio, porque o valor que pagou no ato da compra, avaliado a preço de hoje, é bem menor do que o valor atual de venda. A diferença entre os valores nos dois momentos é deveras assustadora. Conheço algumas pessoas que tentaram desfazer-se de imóveis rurais, porem, esbarraram nos preços oferecidos pelo mercado. Muitos pensavam que possuíam uma mina de ouro, entretanto, na realidade eram proprietários de jazidas de ouro de tolo.

O amigo de caminhadas matinais, falecido recentemente, Amir Gaudêncio, possuía uma propriedade de quase mil hectares no município de São Mamede. Nos bons tempos construiu uma casa que lhe custou cerca de quinhentos mil reais. Pôs a propriedade à venda na certeza de que pegaria um bom dinheiro. Depois de alguns anos apareceu um solitário comprador. Isso mesmo, pasmem, apareceu um único comprador.  Os dois se encontraram pra fechar o negócio. Conversa vai, conversa vem, até que o presumível comprador fez uma proposta de compra. Amir me contou que só não mandou o sujeito se retirar por uma questão de educação. Mas, mesmo assim deu continuidade a conversação. Lá pras tantas levantou a questão da casa, para depois justificar o preço que estava a pedir pela propriedade.

O comprador continuou irredutível, pois não cedeu um só milímetro no preço oferecido. Amir continua falar sobre a casa, pois gastara quinhentos mil reais e o preço oferecido sequer dava para pagar o seu custo de construção. Comprador mostrou-se desinteressado pela casa e foi incisivo na sua justificativa, então falou: “Dr. Amir casa bonita em propriedade é como dente de ouro em boca de defunto, não vale nada”. Amir levantou-se e falou: por favor, meu amigo, está encerrado a nossa negociação.

Aconteceu que por muito tempo ficou zunindo nos ouvidos do meu amigo essa estória de que casa bonita em propriedade é como dente de ouro em boca de defunto. Nas nossas caminhadas vez por outra ele tratava desse assunto. Amir foi morar no Intermares e passamos a nos ver esporadicamente. Mais ou menos há um ano e meses antes da sua morte nos encontramos e fui direto ao assunto: e a propriedade? Ah, meu amigo até hoje não consegui vendê-la. Completou: estou com vontade de procurar aquele sujeito e retomar as conversas. Não dá mais para suportar porque tenho muitas despesas sem nenhum retorno.

Contei este caso de Amir porque coisas parecidas estão a acontecer por este sertão afora. Os municípios cuja economia tem o setor agropecuário como maior fonte geradora de emprego e renda sofre mais fortemente a crise econômica provocada pela falência da cultura do algodão. Quanto à desvalorização da propriedade agrícola este fenômeno foi geral para todos os municípios a exceção dos imóveis localizados às margens de rios perenes ou dotadas de reservas hídricas capazes de suportar dois ou mais anos de invernos irregulares.

Este texto é um preâmbulo d’outros tres ensaios que publicarei em breve sobre os Ciclos Econômicos de Pombal, a partir da era do esplendor da cultura do algodão. É verdade que alguns municípios da região através de muito esforço conseguiram mudar suas economias porque estabeleceram novos centros dinâmicos na zona urbana tornando-se cada vez menos dependente da base econômica agrícola como fora tempos atrás. Estou sempre a me referir a esses municípios, principalmente quando posiciono a economia de Pombal no quadro regional. 

Pois é, em estudos anteriores mostrei que aqueles municípios que conseguiram fortalecer suas bases econômicas fundamentadas na industrial urbana estão melhores posicionados, inclusive alguns com perspectivas de roubarem de Pombal a confortável posição de quarta economia do sertão paraibano, como é o caso de Catolé do Rocha e São Bento.

O desempenho pífio da nossa economia explica-se porque a indústria urbana de Pombal é preguiçosa, pois cresce a passos lentos e o pior é que não vejo no horizonte nenhuma perspectiva de ocorrerem mudanças por razões que já falei tempos atrás n’outros ensaios tratando justamente desse assunto.  Em breve publicarei outros textos onde faço breves considerações sobre os momentos econômicos mais importantes da nossa terrinha ao longo dos últimos sessenta anos. Aguardem...
João Pessoa, 03 de junho de 2013
*Economista e escritor pombalense     
IMÓVEL RURAL: QUEM DÁ MAIS? IMÓVEL RURAL: QUEM DÁ MAIS? Reviewed by Clemildo Brunet on 6/03/2013 05:27:00 AM Rating: 5

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