BANHO DE CHUVA: NINGUÉM RESISTE.
Francisco Vieira |
Francisco
Vieira*
Na tarde - noite de um dia bem
próximo do ano corrente, fui tomado de surpresa com a primeira chuva da
temporada. Agradável surpresa. Maior não podia advir. É que o homem,
principalmente o nordestino, está intrinsecamente ligado ao inverno tornando-se
dele dependente. É uma questão de sobrevivência. Com a invernada renovam-se as
esperanças de um ano farto. Por isso, a chuva será sempre bem – vinda.
As primeiras gotas d’água começavam
a cair ao mesmo tempo em que o clarão reluzente de relâmpagos riscava os céus
em caracóis seguidos de estrondosos trovões. Era um misto de felicidade e
medo.
Enquanto chovia, curioso eu observava seus efeitos pelo vidro transparente da
janela onde os pingos d’água escorriam em desenhos verticais em diversas
direções. A água acumulada no leito das
ruas descia velozmente em correnteza. Como numa faxina escorria arrastando os
detritos criminosamente jogados pelo homem em desrespeito ao meio ambiente,
enquanto mulheres de fé, contritas em oração, agradeciam a Deus ao tempo em que
agasalhavam os filhos menores.
Numa defesa natural a passarada buscava
abrigo em seus ninhos para despertar alegre e sonora na aurora seguinte
enquanto animais se protegiam nas tocas livrando-se da enxurrada. Com o mesmo instinto de defesa as pessoas procuravam
guarida nas marquises dos prédios ou sob a copa das árvores que na verdade de
pouco servia. Já os namorados aproveitando o raro momento se aqueciam unindo os
corpos numa ajuda mútua.
Transbordando de alegria assistia o
movimento saltitante dos pingos d’água sobre o chão ressequido provocando o
irresistível cheiro de terra molhada. Fascinado observava o arco-íris que hoje
sei tratar-se de um fenômeno óptico e nunca algo capaz de “beber” a água da
chuva como pensava quando menino.
Desejando uma chuva duradoura sentia
a cada gota a garantia de uma nova safra e a certeza de saborear iguarias como
canjica, pamonhas e outras que viriam em pouco tempo. Da mesma forma via pelos
olhos da imaginação o verde dos pastos que em breve viria para embelezamento
dos campos e sustento da criação.
Contemplando o cenário parei por um instante
e retroagi no tempo relembrando os banhos de chuva nas ruas de Pombal. Não
resisti. Incapaz de controlar o ímpeto libertei minhas vontades, me fiz criança
outra vez e resolvi entrar na chuva. Literalmente fiz tudo que tinha direito,
afinal de contas, quem entra na chuva é pra se molhar. Assim, como antigamente,
percorri ruas e avenidas buscando as bicas maiores que jorravam água como
cachoeiras.
Em meio ao banho de repente me encontrava junto
à meninada, assim como eu atraída pelos mesmos motivos. Eu era mais um entre
tantos formando um só grupo que aumentava a cada instante. A todo o momento
chegava mais um que se enturmava sem licença ou qualquer formalidade. Ao grupo de
banhistas gostaria que estivessem todos os amigos de infância. Entretanto, na
impossibilidade de tê-los presentes relembrei-os com saudade, inclusive os que
deixaram nosso convívio pela eternidade.
O momento é inexplicável. Sentir a água no
corpo representa mais que um banho de chuva, pois traz à tona reminiscências
que gostamos de lembrar. Em síntese é a renovação do espírito, limpeza do corpo
e expressão de liberdade. É a combinação perfeita do homem com a natureza
sentindo a presença de Deus.
Assim, misturado aos meninos, correndo sob os
pingos d’água, senti por um momento o prazer de reviver o ritual tantas vezes
repetido quando criança, porque ao BANHO DE CHUVA NINGUÉM RESISTE.
Pombal, 20 de julho
de 2013.
*Professor, Ex-diretor da Escola Estadual João da Mata, ex-secretário
de Administração de Pombal.
BANHO DE CHUVA: NINGUÉM RESISTE.
Reviewed by Clemildo Brunet
on
7/22/2013 06:14:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário