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NO TEMPO DA SINUCA

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

A sinuca de Pedroca Junqueira foi o melhor ponto de encontro em todos os tempos. Lá se sabia tudo sobre vida pública ou mesmo privada dos assíduos frequentadores ou não. Frequentou o ambiente já viu, pois alguma boca maldita estava de plantão a fim de descobrir os podres de alguém sem dó nem piedade. Isso mesmo, ninguém saia ileso de uma crítica ácida quando se retirava do ambiente.

O lugar foi palco de muitos acontecimentos e de muitas estórias. O jogo era livre, não havia restrições nem a pobres, tampouco a ricos. Tinha dinheiro para pagar o tempo do jogo, as bolas multicores eram espalhadas sobre o pano verde que cobria o lastro da sinuca.

Muito antes de Pedroca administrar o salão, o seu pai Pedro Junqueira era quem tomava conta. Depois seu irmão Geraldo assumiu o comando até o momento de sair para servir a marinha no Rio de Janeiro. O seu irmão Rivaldo, o Chelé, também deu uma mãozinha, mas,
morreu muito moço. Assim sendo a tarefa administrativa mais duradoura coube a Pedroca.

Antes de Pedroca assumir o comando do salão o movimento já era intenso. Os campeões do taco disputavam o titulo de melhor jogador da cidade. Na época de Pedro Junqueira, o pai, havia na cidade dois grandes jogadores de sinuca. Um era Epitácio Queiroga e o outro era José Eymard Branco, conhecido popularmente por Emar, filho do seu Antônio Banco.

Epitácio era um bonachão que só jogava por diversão. Já Emar era um autêntico profissional do jogo de sinuca e carteados. Desafiava todo mundo, inclusive oferecia vantagens de alguns pontos para iniciar o jogo. Ninguém ousava enfrenta-lo, nem mesmo Epitácio Queiroga, porque realmente ele era mesmo bom de taco.

Eis que um belo dia surge em Pombal um moço desconhecido que também gostava do jogo de sinuca. Hospedou-se no hotel de Chico Claro, e pôs-se a freqüentar o salão com o único propósito de observar a habilidades dos jogadores da terrinha. Vez por outra convidava alguém para uma partida, porem sem expor a sua habilidade como exímio jogador de sinuca que era.

Pelo fato de só usar uma camisa verde, recebeu apelido de Camisa Verde. Em pouco tempo, já íntimo no ambiente, ousou desafiar Emar, o campeão da cidade. Perdeu todas. Emar com a empáfia de campeão imbatível da cidade deu-lhe um conselho: volte pra sua terra, aprenda um pouco mais e venha jogar comigo.

Camisa Verde esboçou um leve sorriso e respondeu: é isso mesmo o que vou fazer meu amigo. Acrescentou: vamos jogar valendo alguma coisa? A platéia que estava ostensivamente a favor de Emar, era tanta a torcida a ponto de alguns entrarem no rol dos apostadores. Pra garantir a continuidade do jogo emprestaram dinheiro a Emar e ainda apostaram alguns trocados, por fora, com o forasteiro Camisa Verde.

A primeira partida Emar ganhou. Ganhou à segunda, a terceira, encerraram o jogo. Até então Camisa Verde perdeu pouco dinheiro. Então fez uma proposta: já que estou perdendo, que tal a gente triplicar o valor das apostas? Todos aceitaram. Aí meu senhor, o moço começou a mostrar sua habilidade no domínio do taco. Lá pra o fim da tarde, alisou todo mundo. Com o bolso cheio de dinheiro foi pra o hotel e de lá mesmo desapareceu para sempre.

Depois de algum tempo soube-se que Camisa Verde era de Campina Grande. Foi campeão de sinuca em toda região nordeste. Costumava visitar as cidades onde não era conhecido, pra melhorar o seu faturamento. Da mesma forma visitou Sousa, Cajazeiras, depois transpôs a fronteira em direção as cidades pequenas do interior do Ceará.

Por muito tempo a fama de Camisa Verde ficou na memória dos apaixonados pelo jogo de sinuca. Todo mundo queria ser o Camisa Verde, inclusive nego Sabino que vez por outra desafiava os campeões da cidade para uma partida valendo alguma coisa. Já nos anos sessenta, aqui na terrinha havia bons jogadores de sinuca, com destaque pra o Lobo de Antonio Bezerra, Carrinho, Arnaldo Ugulino, entre outros de menor expressão.

Entre os de menores expressões, incluía-se nego Sabino que ousava desafiar os mais qualificados para uma partida valendo alguma coisa. Às vezes, desafiava um menos qualificado do que ele, através da oferta de uma usura em pontos, antes de começar o jogo. Isso significa dizer que o adversário iniciava o jogo com certa quantidade de pontos, contra zero ponto do adversário.

Assisti a um desses momentos quando nego Sabino desafiou Aristides, um senhor proprietário de um caminhão de fretes, que apreciava o jogo de sinuca nas horas vagas. O desafio foi aceito sob duas condições: primeiro teria que receber uma vantagem de vinte pontos, segundo o jogo valeria cinquenta mil reis de cada um. Logo quem ganhasse ficava com toda dinheirama. Sabino aceitou a parada.

Mandou que Aristides aguardasse um pouco, deu uma pequena saída e voltou em breve tempo. Os dois casaram a aposta na caçapa da sinuca. Enquanto Aristides depositou cinqüenta cruzeiros, Sabino num gesto rápido tirou do bolso um pedaço de papelão e depositou na caçapa. Nós vimos a tramóia de Sabino e ficamos todos calados.

Assim o jogo iniciou com Aristides a frente vinte pontos. Havia nervosismo de ambas as partes. O tempo passava e nada de Sabino tirar os pontos que ofereceu ao adversário. Lá pras tantas deu uma tacada, tirou a vantagem dos vinte pontos, mas, não passou a frente. No final, ambos estavam pela bola sete, com a diferença de três pontos a favor de Sabino.

Sabino soava por todos os poros e nós que estávamos a torcer por ele estávamos na mesma situação. Aristides dificultava as jogadas de Sabino deixando sempre a bolsa sete colada nas laterais da sinuca. Num dado momento a bola não ficou bem colada. Sabino agachou-se, mirou a posição das duas bolas, deu uma pancada, pra surpresa de Aristides, bola sete foi direta a caçapa do meio, que resultou no final do jogo. Imediatamente Sabino enfiou a mão na caçapa, tirou o pedaço de papelão, pôs no bolso e deixou os cinqüenta cruzeiros, para dar continuidade ao jogo. Foi uma tarde de Sabino. Ganhou um bom dinheiro e por muito tempo guardou o pedaço de papelão que passou servir de amuleto para enfrentar seus momentos difíceis.

Essa é uma entre tantas estórias de desafios entre apostadores que muitas vezes sacrificavam o pouco dinheiro que tinham em nervosas partidas de sinuca que deixavam os assistentes com os nervos a flor da pele.

Nesses momentos a plateia ficava em silencio absoluto. Somente no final da partida era que todos se manifestavam a favor ou contra a este ou aquele apostador. Era assim que funcionavam os antigos salões de sinuca que desapareceram pra nunca mais retornar, tal qual com eram. Foi bom e divertido enquanto durou. Hoje não se fala mais porque não existem mais os bons jogadores de sinuca. Que pena, hein?
João Pessoa, 22 de Julho de 2013
*Economista e Escritor pombalense
NO TEMPO DA SINUCA NO TEMPO DA SINUCA Reviewed by Clemildo Brunet on 7/22/2013 07:25:00 AM Rating: 5

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