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A BANDA DE MÚSICA SANTA CECÍLIA

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Lembro-me como se fosse hoje. A velha banda garbosamente acompanhava a procissão do domingo à tarde, no dia do Rosário. Sem dúvida era a principal atração. Posicionava-se logo atrás do andor a caminhar em marcha lenta, a tocar o Queremos Deus que é nosso Rei. Ao lado a multidão contrita acompanhava o cortejo pelas ruas da cidade.

Ao seguir a procissão, a banda não obedecia aquela cadencia bem marcada que agente costumava observar por ocasião dos desfiles de sete de setembro. Seja, neste evento, a banda andava em marcha rápida e sincronizada, para ajustar-se às batidas da banda marcial que puxava o desfile.

No caso da procissão, quem se posicionava atrás da banda via os músicos, em fila dupla, à frente, as duas tubas conduzidas por Zé Vicente e Benigno Santana. Esses dois instrumentos, apoiados ao ombro giravam pra esquerda e
pra direita a refletir os passos lentos dos músicos que seguiam a procissão, sob a batuta do maestro Frederico Roque.

A Banda Santa Cecília era considerada uma das melhores do sertão paraibano. Procissões, festas de rua, sem a presença da Santa Cecília era inconcebível. A velha banda era um patrimônio do povo. Adultos, crianças faziam questão de estar ali pertinho para se deliciar com os dobrados apropriados para o momento.

Não havia um só musico considerado profissional. Todos tocavam por amor a música. Sem exceção todos exerciam alguma atividade no dia-a-dia. Eram alfaiates, sapateiros, funcionários públicos, mecânicos, entre outras atividades.

Os ensaios eram frequentes. Vez por outra surgia um novo dobrado que exigia horas e horas de ensaios, para poder ser levado ao público. Lembro-me que chegou a Pombal a partitura da valsa ¨Royal Cinema¨  de autoria de Tonheco, renomado músico de banda de Mossoró. Essa valsa estourou na praça. Onde quer que fosse a Banda Santa Cecília, tinha que tocar Royal Cinema.

O que havia de mais bonito no solo dessa valsa era o floreio que Saturnino Santana fazia no bombardino, secundado pelo solo, não menos espetacular, do saxofone de Manoel de Donária. Ninguém resistia a esse raro e belo espetáculo. Alguém, no meio da platéia gritava: bis! Bis! Diante dos pedidos da platéia o solo da valsa era retomado para alegria dos apaixonados e seguidores da velha Banda, de saudosa memória.

O grupo era composto por vinte e poucos músicos. A turma era animada. Zezinho Guilhermino, Zé de Júlia, Adamastor, Isauro (diasa) faziam alegria no ambiente. Havia também os carrancudos, como Saturnino Santana, Frederico Roque, Eliseu Veríssimo, mais tarde também maestro, entre outros, que não eram chegados a brincadeiras.

Os músicos usavam uma farda padrão caqui, idêntica a que usava os policiais. Adamastor vez por outra armava alguma brincadeira ao se passar por policial com o propósito de amedrontar alguns ingênuos em situações duvidosas. Naquela época o jogo de cartas era proibido, mas na casa de Godô funcionava um carteado, pra lá de animado.

Adamastor sabedor da situação resolveu armar uma presepada em cima de Godô. Nesse tempo Pombal estava no escuro. Então, Adamastor, Zé de Júlia, entre outros, depois de uma tocata, resolveram ir à casa de Godô como se policias fossem. Ao chegarem, olharam pela brecha da janela, viram que o carteado estava animado até de mais. A sala da frente tinha cinco mesas, onde jogavam cerca de vinte pessoas.

Adamastor bateu na porta com muita força. Godô perguntou quem era que estava a bater na sua porta àquela hora. Adamastor respondeu: somos da polícia. Enedina, esposa de Godô olhou pela brecha da porta, na claridade da lua, constatou que era mesmo a polícia. Baixinho, quase sussurrando falou: ¨Godô, pelo amor de Deus, aí fora tá negrejando de policiais¨. Godô, da mesma forma baixinho exclamou: hein, hein, é verdade?

A essa altura os fregueses já estava todos de sobreaviso pensando em se evadir. Não deu outra. Godô abriu a porta da cozinha, que ficou estreita pra passar tanta gente ao mesmo tempo. Foi aquele desespero. Era gente correndo em todas as direções, alguns ficaram presos a cerca de arame e outros, em meio a toda escuridão, tomaram a direção rio a baixo. Teve gente que foi parar na Camboa. Foi uma correria desenfreada em todas as direções.
Quando Godô descobriu que era Zé de Júlia e Adamastor, os responsáveis por tamanha confusão armou uma reação ao seu modo. Saiu à procura de uma faca peixeira, mas, quando chegou lá fora não havia mais ninguém.

A Banda Santa Cecília teve seus momentos de gloria. Na administração de Dr. Avelino recebeu o apoio de que estava a precisar. Manteve-se firme e forte, formou novos músicos, mas nos anos subsequentes não suportou a indiferença do setor público municipal. A Banda entrou em decadência. É tanto que quando Azuil assumiu a prefeitura Zé Vicente falou pra Saturnino que a Banda seria valorizada.

Saturnino discordou achando que a indiferença continuaria. Zé Vicente insiste em dizer que as coisas iam melhorar. Saturnino justifica-se: ô Zé Vicente por acaso você já viu algum Arruda ai pelo meio da rua assobiando? Assobiar? Ora, Banda de Musica é pra quem gosta, não é? O maestro estava certo, pois a Banda continuou ignorada. Assim sendo, aos poucos se desfez, para nunca mais recompor-se. Daquela turma, acredito que só restam Joaquim Cândido e Ribinha. Da Santa Cecília restam apenas as boas lembranças e nada mais.
João Pessoa, 13 de Agosto de 2013

*Economista e Escritor pombalense
A BANDA DE MÚSICA SANTA CECÍLIA A BANDA DE MÚSICA SANTA CECÍLIA Reviewed by Clemildo Brunet on 8/13/2013 06:16:00 AM Rating: 5

Um comentário

otacilio trajano disse...

Carissimo Dr. Inácio de Lourde (permita-me) essa liberdade; você como sempre historia as coisas de nossa Pombal com uma maestria impar.
Esse seu artigo me a recordação de uma tarde/noite qualquer em Cajazeiras Manoel de Donária, Zeilto Trajano, Vicente Cabrnha(sax) e Milton Cabrinha(piston), Daniel (violão), Bideca (bandolin), Edilson (pandeiro) - na churrascaria de Hilário, ouviu Manoel e ZT -quase- que reproduzir a conversa de Saturnino e Vicente como você descreve.
Numa paradinha para molhar o "bico" já tava na hora;.
E se a gente fizer assim, assado;papeava Zeilto e Manoel - mas foi interrompido por uma tirada magistral de Bideca - não lembro o que foi - só lembro que Manoel pediu que Daniel desse um sustenido e foi um duo ele (Manoel e o Vicente) que todos -e era muita gente - calaram num silêncio sepucral, finalizada a execução todos aplaudiram de pé.
De João Pessoa
Otacílio Trajano.

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