A violência do silêncio
Genival Torres Dantas |
Genival
Torres Dantas*
O ritmo dos
últimos tempos está se tornando alucinante, não só pela velocidade como têm
ocorrido os fatos como pela intensidade das ações. Para aqueles que procuram
viver dentro de um padrão de ética considerado normal, ou mais próximo dela,
tem que se esforçar muito para não se sentir fora da realidade, de alto grau de
dificuldade na assimilação do meio em que vive, quando a violência contaminou o
ar que respiramos, qualquer que seja o seu ambiente.
Sabemos que a
escola ensina, porém não educa, a educação é formada na família, na interação
com os familiares e os que formam a personalidade do homem, a partir da sua
infância; é nela que o ser humano, ainda criança, sofre a consequência da
violência quando há convivência com pessoas sem pudor ou destituída de
valores morais que venham contribuir com uma formação sólida na constituição
educacional de um futuro adulto, nesse momento da formação entra vários fatores
determinantes. E
é nessa fase que muitos seres em formação passam por situações
traumáticas com reflexos para os restos das suas vidas.
Em consequência do
uso de drogas, bebida alcoólica, problema financeiro e desajuste familiar
algumas delas são agredidas pelos pais, quando no auge dos seus descontroles
emocionais, outras são estuprados por parentes ou desconhecidos, além da
pedofilia, uma prática que vem sendo disseminada, incluindo aí a participação
até mesmo de pseudos religiosos, se religiosos fossem estariam pregando o amor,
a virtude e os bons costumes; algumas são forçadas a mendigarem nos semáforos
das grandes cidades contribuindo na renda familiar. Quando atingem a
adolescência e conseguem passar pelas ações desastrosas na infância, outra parcela
é usada em várias atividades, até mesmo ilícitas, como no caso dos traficantes
que fazem uso dessa mão de obra por ser considerada barata e de fácil controle,
sendo levadas ao mundo do crime cujo final é de conhecimento de todos nós, a
cadeia ou a morte, num curto espaço de tempo.
Na fase
transitória entre a infância e adolescência há um crime contra esses menores
por parte do Estado, a escola que é uma responsabilidade constitucional não é
levada a sério, ela quando existe é falha, não ensina o suficiente para atender
as necessidades dessa fase da vida em formação. Os números negativos são
assustadores, no Estado de São Paulo, o mais rico da Federação, 80% das escolas
estão com seus quadros de professores incompletos, em todo o Brasil o que temos
observado são professores sem a orientação devida, ou mesmo preparação
profissional condizente com o cargo. Essa situação de abandono das escoas,
muito embora os números oficiais e pesquisas recentes mostrem que evoluímos
muito nesse setor e nos últimos 20 anos, tem formado verdadeiros monstrengos,
alunos despreparados, mal educados, sem nenhum respeito aos seus mestres,
muitas vezes com agressão física, e na maioria delas agressão moral.
Quando adultos
continua a violência por parte da sociedade a esses infortunados, 40% dos
jovens entre 18 e 24 anos estão sem trabalho e sem frequentar escola, há uma
necessidade premente que coloquemos essas pessoas numa atividade produtiva,
proporcionando-lhes ensino profissionalizante ou abrindo espaço numa atividade
de trabalho, evitando que esse número, talvez parte dele, venha a se integrar
aos números do crime que assola nosso país, pois eles estão sem perspectivas e
continuará assim se nada for feito para integrá-los à sociedade positiva.
Na fase adulta os
mais fracos são covardemente agredidos, as mulheres que há 7 anos foram
reconhecidas com a Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem
à Farmacêutica e cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, uma das muitas
vítimas da violência do machismo brasileiro. A lei que reprime e tem como
objetivo coibir a violência contra a mulher, como toda lei nesse país, tem a
sua aplicação ineficaz, o Brasil mantém um índice muito elevado de agressão às
mulheres, mesmo depois da lei, temos uma proporção de agressão de 4.4/100.000,
esse número representa a ineficiência da justiça na aplicação da lei.
O preconceito e
racismo contra os negros, gays e outros grupos, são um prova inconteste da
nossa incapacidade de amar e até mesmo de conviver em harmonia com o próximo,
numa verdadeira falta de educação e princípios éticos, morais e cívicos, para
com nossos compatriotas, numa verdadeira demonstração de canalhice entre os
seres humanos. Uma das maiores
agressões coletivas sofridas pelo ser humano no Brasil começou com o governo do
ex-presidente Fernando Afonso Collor de Mello (1990/1992), até 1991 os
aposentados recebiam até 20 salários mínimos, os benefícios eram vinculados ao
salário mínimo vigente, a lei mudou e foi implantado um teto salarial pago pelo
INSS e seu reajuste passou a ser pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor). Com a valorização do salário mínimo e a estabilidade econômica,
com a consequente estabilização da inflação, o reajuste dos salários dos aposentados,
acima do salário mínimo, passou a ser menor.
Em 1999, no
governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994/2002), surge o fator
previdenciário, o maior desserviço prestado pelo FHC aos idosos do nosso país,
quando o cálculo da aposentadoria passou a ter uma redução inicial de 80% da
média dos últimos 36 salários percebidos pelo aposentante. Estipulado o teto de
R$4.159 e com os reajustes posteriores e menores que os do salário mínimo, a
consequência vai ser reduzir os salários ao mínimo, ou R$678, esse valor
atualizado, atingindo praticamente a grande maioria em pouco tempo; levando o
idoso brasileiro a viver numa situação de penúria, dependência dos parentes que
se dignificarem a ajuda-los, para constrangimento desses. A única solução para
acabar com esse drama social é o Congresso anular a penosa lei do fator
previdenciário, existe projeto em tramitação no senado, indo à câmara para
votação, nesse caso só nos resta orar e sair do silêncio.
O silêncio que é a
maior violência que nos permitimos, não lutando pelos nossos direitos e contra
aqueles que nos fazem tanto mal. A começar pelo mercado com sua política
consumista nos impõe comportamentos que fogem a realidade aos menos
observadores; autoridades que não trabalham para melhorar os serviços que
viabilizem melhores dias aos mais necessitados; a justiça que julga, condena e
não prende, mudando os valores sociais, quando os bandidos vivem soltos pelas
ruas das cidades violentas e estressantes, e as vítimas trancadas em suas casas
entre muros e grades, com medo de qualquer outro ser humano que por acaso
transite por sua calçada, não se prestando nem mesmo a ler um matutino com
receio de ler alguma notícia trágica sobre um parente próximo, quem saber até
de um amigo distante; são os governos, independentemente de partido, lutando
para levar uma vantagem maior nos orçamentos de obras tão necessárias às
comunidades locais, se locupletando do erário público, não dando a mínima
importância aos problemas comunitários.
Todas essas
atitudes nos fazem menores, impotentes, na realidade nos curvamos ao desalento
por pura inércia e falta de atitude, os jovens nos deram uma grande lição,
invadindo as ruas e gritando alto pelos seus direitos, não só os deles, mas o
direito de todos, do coletivo. Que bela lição tivemos! Nada fizemos para
ajuda-los, ficamos na contemplação dos fatos, apenas aplaudindo as ações e não
seguimos seus protestos, na comodidade dos nossos sofás ficamos a tecer comentários elogiosos até, quando na
realidade devíamos fazer parte daquela gente consciente e valente. Agimos tão
covardemente como os bandidos que se infiltraram no meio deles e praticaram o
vandalismo dos bárbaros, com o único objetivo de perturbar a ordem pública sem
trazer nenhum benefício aos valorosos jovens e seus ideais, muito pelo
contrário, simplesmente causaram prejuízo tanto aos próprios manifestantes como
ao patrimônio particular e público, com uma quebradeira desgovernada e
incabível, e a polícia sem competência para agir, debelar e prender os vândalos
e desajustados das noites de junho.
“No final, nós nos lembraremos não das
palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos” (Martin Luther King -1929/1968 – Prêmio
Nobel da Paz).
*Escritor e Poeta
A violência do silêncio
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/09/2013 08:12:00 AM
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