Minhas Caminhadas Noturnas
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Ó
NOITES QUE TANTO AMEI!
Sim, foi isso mesmo,
aconteceu, foi muito bom, portanto não há como esquecer. Tempos atrás, enquanto
solteiro, fui um notívago de carteirinha. Nenhuma novidade, porque há muito estou
a revelar minhas caminhadas pelas madrugadas afora nos lugares onde vivi e
n’outros por onde passei.
É verdade que
encantos da fada noite me seduziam de tal modo que não havia como recusar a um
convite para adentrá-la até o surgimento dos primeiros raios solares. Assim
pautei a minha vida durante um determinado espaço de tempo, sem prejuízo das
minhas obrigações, movido pelo prazer de ser feliz em meio ao turbilhão que,
pelas mesmas razões fazia-se presente nos mesmos lugares, nas mesmas horas, com
os mesmos objetivos.
Aqui em João Pessoa,
minha segunda casa, três inseparáveis amigos, Eu, Edrizio Roque e
Cidoca, nos finais de semana costumávamos adentrar as noites na busca de
entretenimentos. Isso mesmo, no meio da semana nos acertávamos para que ninguém
faltasse aos compromissos assumidos, justo nas noites das sextas feiras e
sábados. Era o tempo livre que dispúnhamos para nossas aventuras etílicas
madrugada afora.
“Ó dias de risonhas
primavera
Ó noites de luar que
tanto amei
Ó tardes de verão
ditosa era
Em que junto a ti
amor gosei
Que me dera outra vez
esse passado
Essa quadra ditosa
que vivi
Quantas vezes na lira
debruçado
Cantando em teu colo
adormeci”
Era isso mesmo,
Edrizio, o cantor do grupo, num momento de descontração dedilhava seu violão,
punha-se a cantar esses belos versos repassados por sua Mãe Maria Roque. O
amigo tocava violão como ninguém. Era um violonista de primeira linha com quem tive
o prazer de fazer duetos, também ao violão, nas serestas que fizemos por esse
mundo afora,
Na nossa caminhada
noturna, normalmente marcávamos o ponto de encontro logo após o filme do
horário. O ponto era o bar de Leodécio, no centro da cidade, onde esquentávamos
cadeiras tomando um chopinho com a parede de ovos cozidos. Era apenas o início
de mais uma noite de diversão e lazer.
Em seguida os três
amigos, lá pras tantas da madrugada, buscavam refúgio na zona boêmia da cidade
baixa onde ficávamos a nos diverti, diga-se de passagem, bem acompanhados, está a amanhesensa do dia. Era-nos bastante divertido, pois, tínhamos uma vida livre
para fazer e acontecer sem necessidade de se justificar a ninguém.
Com o inesperado
falecimento de Edrizio, o trio foi desfeito. Agrupei-me a outros amigos de
faculdade para poder dar vazão aos meus instintos de ente notívago sempre a
buscar os prazeres da vida na imensidão da noite. Novos amigos novas noitadas,
novas estórias pra contar.
As coisas começaram a
mudar quando contraí matrimonio porquanto prometi a jovem companheira que
haveria de estar ao seu lado, dia e noite e noite e dia, na alegria, na
tristeza, no lazer e na dor. Trato feito, trato cumprido.
Sem dúvida foi um
giro de cento e oitenta graus no meu modo de usufruir dos encantos da noite. Não
obstante os compromissos assumidos diante do olhar desconfiado do saudoso Padre
Sólon, não significou dizer que, para mim, a partir daquele momento a noite passou
a ser coisa do passado.
Não, nada disso. As
minhas incursões noturnas continuaram porem de forma regrada e disciplinada.
Com efeito, essa mudança impôs-me novo modo de vida ao lado de novos atores,
digo, de amigos com os quais, na labuta do dia a dia, dividia os espaços como
então funcionário público estadual.
Normalmente nos
finais de semana estava a receber convites para serestas, entre outros
encontros sociais. Claro que não comparecia a todos, mas, na maioria das vezes
fazia-me presente. Não posso negar que nesses momentos batia-me uma saudade
imensa dos velhos tempos em que era dono de mim mesmo.
Não posso negar, pois
nada era igual aos tempos de outrora. Insisto em dizer que em razão dos
compromissos assumidos diante do altar fiquei impedido de desfrutar dos
encantos da noite ao modo dos tempos passados. Isso porque não era possível
adentrar a noite sem estar ao lado da companheira com a qual assumi o
compromisso de estarmos juntos no usufruto dos prazeres da vida. Havia de ser
os dois, para o bem da nossa convivência, num regime de paz e harmonia.
Assim sendo, por
muito tempo exploramos juntos os prazeres da noite. Com o passar do tempo a nossa
presença nos ambientes noturnos diminuiu significativamente, não por exaustão
do desejo de estar na noite, mas por conta do regime de vida que nos foi
imposto pelos filhos quando atingiram a adolescência maior.
A partir desse
momento houve uma inversão no nosso modo de viver as delicias da noite, quero
dizer: antes nós saiamos e eles ficavam em casa a nos esperar, depois, logo que
eles começaram a sair pra noite, nós ficávamos em casa a espera-los. Foi a
partir daí que a gente começou a entender que o nosso tempo de entes notívagos
estava nos momentos finais.
E agora? Ah, quantas
saudades hein? Violões, serestas, amigos, conversas animadas, enfim tudo que
uma noite podia nos proporcionar em termos de lazer e entretenimentos. E agora?
Ah meu senhor só nos restam as boas lembranças e nada mais.
Vez por outra a gente
sai para festas de casamentos, aniversário, mas sem aquela animação dos tempos
de antigamente. Hoje quando recebo um convite para um encontro social sou
tomado pela dúvida atroz e ponho a me perguntar: o que é melhor aceitar o
convite ou ficar em casa? Na maioria das vezes prefiro ficar em casa.
Infelizmente é isso
mesmo. Alguns amigos, por ocasião de encontros fortuitos, sempre me perguntam:
que fim você levou? Explico-me, mas escuto a habitual reprimenda: quem te viu,
quem vê, não é? Acrescenta: estas enclausurado em algum mosteiro? Quase, amigo,
quase amigo! Só que o mosteiro é a minha própria casa. Risos...
É isso mesmo, depois
de tanta temporada de vida noturna reconheço que a esta altura da vida é mais
do que oportuno escrever o meu o epitáfio, qual seja: “foi notívago, boêmio,
viveu rodeado de amigos e amigas, amou a noite como ninguém, porém, o tempo
passou, mas preservou, em cores vivas, as lembranças dos bons momentos que
viveu”.
Nada mais a falar... Aliás,
até que podia acrescentar mais alguma coisa, mas,... Cala-te boca!
João
Pessoa, 07 de Agosto de 2013
*Economista e
Escritor pombalense
Minhas Caminhadas Noturnas
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/07/2013 04:42:00 AM
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