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FESTA DO ROSÁRIO: A minha, a sua, a nossa festa

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

A Festa do Rosário é um importante evento religioso/popular que anualmente acontece em Pombal, sempre ao primeiro domingo de outubro, no sertão paraibano. Historicamente atrai gente de todos os lugares, na sua maioria filhos da terra residentes n’outros estados da região, até mesmo no centro-sul do país.

Às vezes até parece uma romaria qual aquelas que ocorrem em alguns tradicionais santuários da região. Os filhos da terra, principalmente os que moram mais distantes arrumam as suas tralhas e viajam em direção a terrinha fim de venerar a Santa do Rosário. Ao chegar aproveitam o momento para rever amigos e parentes que há muito não os vêem.


A festa tem inicio a partir do hasteamento da bandeira na última quinta-feira do mês de setembro.  Normalmente, os parques de diversões costumam chegar antes desse momento. Em tempos passados o Parque Maia era o que mais se fazia presente, por isso era o primeiro a chegar. Era tanto que muitos operadores dos equipamentos de diversões tornaram-se íntimos da população.  

O serviço de alto-falante do parque era uma atração a parte. Músicas típicas da época incendiavam os corações dos jovens apaixonados. Nelson Gonçalves, Orlando Dias, Anísio Silva, Silvinho, Altemar Dutra, eram os preferidos dos ouvintes.
Os pedidos de músicas, acompanhados de dedicatórias aconteciam com muita freqüência. Coisas do tipo, “alguém oferece esta música a outro alguém com o coração partido de saudades”.  “Alô, alô alguém que esta de vestido amarelo com bolinhas azuis, escuta esta música oferecida por um alguém que muito te ama”.

As oferendas musicais continuavam noite a dentro. “Alô alguém que tanto amei, preste atenção, Carlos Alberto canta Lado a Lado, Eu, Inaldo de Joca ofereço-lhe esta música como lembrança do nosso amor que a distância e o tempo destruíram, não foi”? Ao redor do estúdio a fila continuava firme a fim de dar continuidade o festival de dedicatórias musicais. Isto acontecia todas as noites enquanto a festa durasse.

Ademais, carrosséis, canoas, rodas gigantes entre outros entretenimentos, faziam a alegria do povaréu. A população rural, em massa, deslocava-se pra cidade a fim de venerar a Santa do Rosário, bem como aproveitar o momento pra se divertir, depois de um ano de sofreguidão nas lides rurais.    

Como acontece até hoje, os espaços reservados a festa, eram tomados por centenas de barracas construídas com galhos de mofumbos, palhas de cocos, papelões, lonas, entre outros. Atualmente as barracas são mais estilizadas, higiênicas, mais confortáveis, para quem as procuram para uma boa conversa, bebericar e se deliciar com um bom tira-gosto.
Nas barracas de outrora, bebiam-se cervejas, não tão geladas como deveriam ser, cachaça, entre outras bebidas, com o acompanhamento de tira-gostos diversos. Os tira-gostos mais procurados eram: tripas torradas, petiscos de carne do sol, galinha de capoeira, ainda a arribação, a parede mais procurada, isto é, antes do Ibama chegar à região.

Em meio à festa havia espaços para atividades lúdicas. A jogatina corria livremente. Havia uma diversidade de jogos conduzidos por habilidosos banqueiros preparados pra iludir e ganhar o dinheiro da ingênua matutada. Era uma verdadeira armadilha a espera de jogadores inocentes.

Muitos arriscavam o pouco dinheiro que traziam, nas diversas modalidades de jogos. Na tentativa de ganhar alguma coisa todos perdiam o dinheirinho reservado pra noite de festa. Quase sempre, a grande maioria saia de bolsos vazios sem algum sequer para tomar uma cervejinha.

Os malandros, para o deleite da matutada, bancavam diversos tipos de jogos, entre os quais o cisplandim, o jogo de cartas, da modalidade essa perde essa ganha, essa ganha essa perde, o jogo dos dedais, onde se escondia embaixo de dedais diferentes bolinhas coloridas, em número de três, e através de um rápido movimento criava uma situação de ilusão que levava o caboclo apostar numa determinada bola, que supostamente estava em baixo de um dos dedais. Ledo engano. Quando o dedal era retirado, a bola era outra.

Esta era e ainda é a festa do Rosário de ontem e de hoje. Em meio a toda movimentação de entretenimento e lazer, havia uma figura humana que invariavelmente marcava presença na Festa. O produto que vendia não tinha concorrente na praça. Refiro-me a Otacílio da Gelada. Era um cidadão simples, tipo caboclo, forte, atarracado que mal falava. Era de poucas palavras, mas, usava um engenhoso artifício através do qual se comunicava com os fregueses. Armava a barraca nas proximidades da coluna da hora, onde a maior parte dos festeiros havia de passar.

O produto que vendia, para os padrões de higiene da época, era de boa qualidade. Usava essências de morango, tamarindo, caju, cajá e outras mais. Uma pedra de gelo, às vezes coberta com um tecido felpudo para minimizar o degelo, era posta sobre o balcão. Com um equipamento parecido com uma enxó, usada nos serviços de carpintaria, extraia a raspa de gelo que era posto no copo a fim de refrigerar o coquetel, conforme o gosto do consumidor.
Era isso mesmo, pois, com certo cuidado, raspava o gelo, depois colocava uma colher de essência, adoçava e completava com água, balançava um pouco para diluir a essência, em poucos segundos o xarope estava pronto pra ser consumido.  

Otacílio não usava a palavra para atrair os consumidores. Como falei usava um engenhoso artifício para se comunicar com os fregueses. O que fazia então? Os vasilhames onde estavam depositadas as essências, em quantidades diferentes, postos nas prateleiras, eram usados para a extração de sons bonitos e chamativos.

Ao atritar com um copo as garrafas dispostas em filas nas prateleiras, de forma sequenciada  era capaz de tirar musicas de Luiz Gonzaga, entre outras modalidades de música regional. Era um show a parte que atraia dezenas de curiosos fregueses.

O show acontecia com mais freqüência, quando os fregueses rareavam. Dessa forma, ao ecoar o som das musicas extraídas das garrafas expostas nas prateleiras, em pouco tempo a barraca estava cercada de admiradores, por conseguinte, novos consumidores.

Otacílio desapareceu, assim como a sua gelada. Ninguém lamenta a sua ausência. Com certeza a Festa do Rosário perdeu esta grande atração que, ao som de copos e garrafas conseguia extrair uma linguagem musical ao gosto do povo.

Quem se habilita preencher o vazio deixado por Otacílio? Ninguém, porque Otacílio era especial, por isso foi único. Com certeza, jamais aparecera outro igual para substituí-lo. Infelizmente você passou, mas, para o nosso deleite, a Festa do Rosário continua. Descanse em paz Otacílio onde você estiver.
João Pessoa 23 de Setembro de 2013

*Economista e Escritor pombalense
FESTA DO ROSÁRIO: A minha, a sua, a nossa festa FESTA DO ROSÁRIO: A minha, a sua, a nossa festa Reviewed by Clemildo Brunet on 9/23/2013 01:22:00 PM Rating: 5

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