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CANOAS E CANOEIROS

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*
  
  Logo cedo entendi que, em época de inverno não era possível chegar ao sitio da minha avó Ana, a não ser através de canoas ou cavaletes. Atravessar o rio caudaloso de barreira a barreira ninguém se atrevia. Tinha que ser de canoa ou cavalete mesmo.
 A canoa, ou falua, na linguagem dos poetas cancioneiros do começo do século passado, é
um barco rústico, de forma oval, normalmente conduzido por alguém que entende a movimentação das correntes, principalmente quando o rio transborda a calha, em razão das grandes chuvas.
 Pra mim a canoa era a melhor opção para atravessar o velho Piancó, principalmente no mês de abril quando as chuvas eram mais intensas. Prestava muita atenção a movimentação do timoneiro na condução da barca, pois, pretendia ser também um canoeiro tão bom quanto os melhores, que no dia a dia estavam em atividade a conduzir os passageiros tanto na ida como na volta, de uma margem a outra
 Quando o rio atingia um volume excessivamente elevado, a condução era feita através de remos. Neste caso eram necessários dois remadores. Um ficava a frente, próximo a proa da canoa, enquanto o outro se posicionava-se na parte de trás no lado oposto, para poder levar o barco com segurança. Esse trabalho era feito pelos habilidosos irmãos Dedeca e Júlio Gazo, ambos bastante disputados pelos proprietários de canoas, naquela época.
 Mestre Álvaro era proprietário de uma das canoas e vez por outra dava uma palhinha como canoeiro. Mas, o canoeiro da sua preferência era Júlio Gazo, seu dileto amigo. Havia outros puxadores de canoa entre os quais Dedeca, irmão de Júlio que ao lado de Nicodemos formava um destemido par de remadores que enfrentava as aguas turvas do Pinacó na ocasião das grandes cheias.
 Seu Zuza, que morava na Rua de Baixo, também era considerado um exímio canoeiro. Trabalhou na canoa de Juquinha (João Cardoso de Alencar) por muito tempo.  Juquinha era proprietário de uma canoa que só operava no vermelho, seja dava prejuízo. As pessoas da região da Barra, Capão, Forquilha, Várzea Comprida e adjacência tomavam a canoa, deixavam pra pagar na volta. Só que na hora de retornar, subiam rio acima e tomavam a canoa do xique-xique.
  Depois de tanto ser enganado, Juquinha convidou seu Zuza para uma sociedade meio a meio. Os termos do contrato rezava que seu Zuza teria toda liberdade para decidir quem devia transportar ou não, no rústico serviço de transporte sobre aquático que ia conduzir, bem como administrar.
 Seu Zuza aceitou a parada. Juquinha explicou como funcionava o esquema do pessoal do outro lado do rio. Seu Zuza falou: deixe comigo! Deixe comigo! A canoa tinha como ponto de partida uma barranca que existia próximo à casa de Sulina, por trás do grande hotel, e desembarcava no corredor que dá pra vila Pombalzinho.
  O sócio de Juquinha tinha que por ordem na casa pra que a canoa voltasse a ser rentável. Com efeito, quando um grupo de pessoas pedia canoa no outro lado do rio, pra uma passagem em direção a cidade, seu Zuza perguntava: vocês são de onde? Alguém respondia: aqui tem gente da Barra, do Capão e Várzea Comprida. Seu Zuza dava uma risada e dizia: bote os coalhos n’água malandros, aqui só tem canoa para quem paga ida e volta. A festa acabou-se. O certo é que seu Zuza, em pouco tempo fez a canoa de Juquinha dar lucro.
 A canoa era o único transporte que conduzia a maioria dos ribeirinhos aos seus respectivos lugares na época invernosa. O transporte era seguro, não obstante a fragilidade do barco. Conduzia no máximo seis pessoas, quando não havia muitas mercadorias pra ser transportadas, alem dos passageiros.
 Quase sempre os passageiros traziam algum produto colhido na roça. Na maioria das vezes os volumes eram em pequenas quantidades, portanto era possível preservar a lotação ideal. Caso contrário o canoeiro fazia a seleção do que podia ou não levar no momento. Muitas vezes sacos de milho, feijão eram conduzidos por etapas. O excesso de peso podia pôr em risco a estabilidade do barco.
 Nunca houve acidente com risco de vida. Isso se devia a habilidade do canoeiro na condução do barco, assim como o rigoroso controle do peso a ser transportado. Por algumas vezes levei a canoa de Mestre Álvaro, mas desistir de ser canoeiro porque o meu físico raquítico era incompatível para o exercício da atividade.
 Os canoeiros eram homens fortes e habilidosos. O barco não tinha quilha nem leme, a exemplo dos barcos modernos. Em razão disso, o canoeiro tinha que ter habilidoso para conduzi-lo. A vara de impulsão, usada quando o rio estava no nível da calha, fazia o papel de leme e quilha, o que permitia o canoeiro levar o barco para onde bem entendesse.
 Da mesma forma os remos, desempenhavam o mesmo papel. Quase sempre a travessia obrigava o canoeiro subir no sentido contrário as correntes, seja rio acima, até determinado ponto. Depois inclinava o barco para esquerda e tomava a direção do ponto de embarque ou desembarque.
  Na minha infância, achava o máximo tomar uma canoa com o rio cheio. As águas barrentas ficavam ao alcance das mãos. Mas, com o passar do tempo o cavalete passou a ser a minha grande paixão. Rápido para fazer as manobras necessárias e ainda nos permitia descer rio abaixo, e desembarcar em qualquer lugar.
  Para isso era necessário que entendêssemos as manhas e armadilhas do rio. Os remansos, tipo rodilhas, sinalizavam a presenças de pedras ao nível das águas. O canoeiro, lá do alto da sua sabedoria, passava distante desse tipo de remanso. Pois, sabia muito bem que podia perfurar o casco do barco pondo em risco a vida dos passageiros.
 Repito, conduzir uma canoa não é coisa pra qualquer pessoa. O canoeiro tinha que ser habilidoso, sobretudo, conhecedor do caminho das águas que está a percorrer várias vezes no decorrer do dia. Acabou-se esse tipo de transporte sobre aquático, pelo menos aqui próximo a cidade. A construção de pontes sobre rios e riachos facilitou a movimentação da população rural que busca a cidade.
 Tenho notícias que existe uma canoa lá pras bandas do sítio São João, assim como em alguns pontos do chamado rio de lá. Ou melhor, o rio Piranhas. Vale a pena checar, porque a canoa sempre fez parte da nossa paisagem, bem como da história da logística de transporte sobre-aquático para atender a população rural.
 É triste saber que tudo isso tenha se acabada em nome de uma tal prosperidade que não nos chegou ainda, não é? Em época de inverno rigoroso muita gente fica ilhada justo pela falta de uma canoa.  Que pena, hein?
João Pessoa,  27  de  Outubro de 2013

*Economista e Escritor pombalense.
CANOAS E CANOEIROS  CANOAS E CANOEIROS Reviewed by Clemildo Brunet on 10/28/2013 07:10:00 AM Rating: 5

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