MEU GINÁSIO DIOCESANO
Paulo Abrantes |
Por Paulo Abrantes*
Meu velho Ginásio Diocesano venho não de muito
longe para rever-te. Já faz um pouco de tempo que contigo me encontrei. Era
também numa Festa do Rosário como esta, eu estava mais jovem, esperançoso em
pleno vigor, “com muito sangue nas veias” como dizia Machado de Assis.
Deixei-te com saudade, mas comovido, vim de ti me despedir quando por aqui
passei para o derradeiro banho no Piancó, à sombra das ingazeiras, que foi a
arena mirim onde Antônio Alves (Cadaço) e Roberto Vilar (Bolas), amigos
inseparáveis, demonstravam coragem nas horas difíceis. Com Antônio tive um
feliz encontro, na última festa, mas Bolas, nunca mais nos vimos.
Hoje, fico frente a frente ao meu velho
Ginásio. È, meu velho amigo, este escrevinhador humilde que jamais, em tempo
algum, te esqueceu, foi – digo sem nenhum constrangimento – o teu aluno mais
irrequieto e
o que mais fez barulho no pátio de recreio de centenas de
crianças, dando trabalho ao Bedel e Mestres do Ginásio. De pé, fitando-o de
longe, fico passando na tela de meu pensamento, como era bom aquela natural convivência
com colegas de condição mais pobre e de condição mais rica, num entrelaçamento
social, onde não havia distinção de raça, cor ou credo religioso, onde a
educação transmitida não discriminava os ricos, pobres ou remediados, e assim
conviviam com sentido fraternal, numa mistura saudável e espontânea entre as
classes sociais.
Às suas mestras, moças abnegadas, com formação
educacional requintada e certa experiência na difícil arte de ensinar, sabendo,
talvez, o que era o menino de Gado Bravo: que gosta de banho de rio, de peteca,
de pegar canário. No dia da tua inauguração, o prédio cheirando ainda a tinta
fresca, há quase meio século, fui com a minha mãe fazer a matrícula. O teu
recinto, a diretoria, as salas de aula, estavam cheias da gurizada. Procurou,
minha mãe, meio acanhada, Dona Osa Vieira Rodrigues, a secretária geral, para
pedir-lhe informações de como proceder com o filho que ia aquele momento
ingressar no ginasial, após ter sido aprovado no rigoroso Exame de Admissão,
que abria as suas portas aos meninos de todos os recantos e sítios limítrofes
da cidade.
Matriculou-me a Dona Osa depois de me
parabenizar pela a aprovação no exame. Ainda lembro aquela meiguice de moça
educada, as palavras a mim dirigidas, passando a suavidade das suas mãos pelos
meus cabelos e com sua voz macia, dócil, afirmou-me: “Olhe, você é inteligente,
aproveite bem os estudos para passar para o segundo ano”. Após este encontro,
transpirei alegria por todos os poros. Em seguida, entraram outros que
completaram a minha turma: Felinto de Sousa Neto (Moreirinha), Genival Severo,
Fan Arruda, Antônio Alves(Cadaço), Roberto Vilar (Bolas), Hermínio Monteiro,
Pedrinho e Joãozinho Queiroga, Iedo Fontes, José Stalin, Paulo Ney, Jamir
Mascena, e outros.
A nossa primeira professora foi a Dona Marta
Jerusa, filha de Dr. Nelson, alta, esbelta, elegante, o protótipo da moça que
pratica atletismo. Era educada, primava pela disciplina, pela higiene dos
alunos, lecionava geografia. Rigorosa, sem ser autoritária, dava tudo de si
para ser bem compreendida. E assim passamos o ano letivo para galgarmos o 2º
ano, onde fomos encontrar Dona Nena Queiroga, uma moça carismática, grande
inteligência, de cultura e maior ainda pela sua modéstia e simplicidade,
virtudes estas que são próprias dos sábios, dos divorciados da vaidade.
Ensinava religião, aprendi muito com aquela que ainda hoje recordo,
principalmente quando convivo com gente orgulhosa que julga não existir, nunca,
uma sepultura a esperá-la. A Dona Nena tinha noções de latim, dominava mais ou
menos o francês; falava de Balzac, Victor Hugo, Emile Zola. Foi ela quem nos
disse que o aramaico era a língua que Jesus falava. E depois vinha com
pormenores da vida do grande Mestre. Estudiosa do Novo Testamento dissertava
com desenvoltura, num linguajar ameno, fácil, muita coisa dos capítulos e
versículos dos apóstolos Pedro, Mateus, Paulo. Aí foi quando ouvi, pela
primeira vez, o que emocionou o meu coração de criança, o Sermão da Montanha.
Ela o tinha decorado.
E assim meu Ginásio Diocesano, de padre Luiz
Gualberto, já falei muito das minhas atividades de menino do sertão, do aluno
que fui em muitas das suas salas, dos momentos felizes que passei no teu pátio
de recreio, da vez primeira que te vi de portas abertas para nos receber, do
trabalho que dei a Professor Arlindo. Agora quero, mais uma vez, dar-te a minha
alegria de rever-te forte e imponente, desafiando o tempo. Abraço-te sem te
dizer até quando. Vamos varando tempo, felizes, envelhecendo longe um do outro.
Até breve, meu velho Ginásio, companheiro e dileto amigo.
Agora vamos relembrar
estes versos de Bilac: “Não choremos, amigo, a mocidade/ Envelheçamos rindo!
Envelheçamos/ Como as árvores fortes envelhecem/ Na glória da alegria e da
bondade/ Agasalhando os pássaros nos ramos/ Dando sombra e consolo aos que
padecem”.
*Pombalense, Engenheiro Civil e Professor
Licenciado em Ciências pela UFPB, pós graduação em Comercio Exterior pela
FGV-RJ.
Fachada do Velho Diocesano (Foto arquivo Verneck Abrantes)
MEU GINÁSIO DIOCESANO
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/30/2014 06:21:00 PM
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