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POMBAL: NOITES INSÓLITAS.

Francisco Vieira
FRANCISCO VIEIRA*.

            Numa dessas madrugadas bem recente, fui de minha casa até a Rodoviária Municipal, onde por instantes, aguardei minha irmã que chagava de viagem. O itinerário entre os dois pontos é curto, porém, o suficiente para observar os segredos noturnos. No percurso, diferenças evidentes me chamaram a atenção e nesse breve tempo confrontei as noites do passado com as do presente.
            A vida em Pombal, como cidade interiorana e estilo bucólico, sempre foi marcada pela simplicidade de seus habitantes, cujo povo não precisava de muito para ser feliz. Um trabalho digno para garantir o necessário, uma boa esposa para desfrutar o gosto de amar e uma família para viver em grupo era o bastante. Família, trabalho, igreja e
escola, se resumiam numa só palavra: felicidade.
            A vida noturna como entretimento, incluía desde praças, cinema, a espera do trem, bate-papo nas calçadas e vez por outra, alguns copos de cerveja, que ninguém é santo. Num gesto de fé cristã e respeito às tradições se tomava a bênção aos mais velhos, como: pais, avós, tios, padrinhos e até padres, além de forte reverência ao professor, como sendo este o segundo pai que nos ensinou para a vida. Assim, é no interior, onde cada morador tem a sua história, por isso, um ser especial.
            Mesmo sabendo que “no escuro todo gato é pardo”, nas noites pombalenses todos se conheciam. Convivendo como uma só família, prevalecia a concórdia, a amizade e a paz entre as pessoas. Esse estado de quietação, além de assegurar um sono restaurador, a tranqüilidade era tamanha que permitia aos moradores o luxo de dormir de portas abertas.  Nada temiam já que inexistia a violência. Tão saudável rotina, somente era alterada pela ação de “brecheiros” ou alguns roubos e furtos de somenos importância, que de tão raros, éramos capazes de apontar, sem medo de errar, o autor.  Nessa época, era possível contar nos dedos os “amigos do alheio” que havia na cidade.
            Em Pombal a vida noturna não é mais a mesma. A tranqüilidade e a paz se transformaram em pesadelo. O crepúsculo mal declina os últimos raios de sol, a população se recolhe temerosa ante a violência que vagueia. A madrugada chega, enquanto a lua surge tímida por trás das nuvens, como que se esquivando da maldade dos homens.
            As noites perderam seu encanto. O espírito nostálgico manifestado em serenatas não existe mais. Os amantes da noite, com os violões aposentados, hoje, privados de extravasar o sentimento romântico, não passam de boêmios retraídos.
            As praças do Centenário e Getúlio Vargas, cartão postal da cidade, que outrora serviram de palco para encontros, agora assistem em silêncio a passagem de mais uma pálida noite. Seus bancos desocupados dão ao ambiente um aspecto de isolamento. Os grupos sequer aparecem para o salutar bate-papo até alta madrugada, defronte a estátua de Getúlio Vargas ou na coluna da hora – hora sempre atrasada.  Talvez o busto do Ex. Presidente sinta sem nada reclamar a falta desses andarilhos que desprovidos de maldades se reuniam para jogar conversa fora. A ausência dos notívagos é a certeza de mais uma noite sem companhia, para quem muito se viu cortejado por multidões. O silêncio, tido no passado como fonte de inspiração, ora se rompe, pelo cantar agourento da rasga-mortalha, que vindo do alto das igrejas, se mistura a tiros, ora disparados em direção incerta ou contra a vida de alguém e somados ao latir de cães sedentos disputando uma cadela no cio.
            Num relance vi-me entre dois tempos. De um passado distante, lembrava inesquecíveis madrugadas que eu desejaria nunca acabar e no presente, vislumbrei atônito um quadro desesperador, um cenário com requintes de medo e insegurança que eu imaginava impossível numa cidadezinha do interior.  Assim, o presente, que foi no passado um futuro distante, acabara de chegar com ares de espanto.
            Como senão bastasse o aumento da violência nos grandes centros, também nas pequenas cidades, já estar a mudar velhos costumes e tradições, inegavelmente atingindo a todos e Pombal não ficou as margens dessas mudanças. Se por um lado beneficiada com inovações, por outro, não evitou sua ação negativa. É que o progresso age como uma faca de dois gumes, trazendo consigo de tudo um pouco. O bem e o mal crescem na proporção do desenvolvimento.
            Entre outros males, o álcool e a droga incitam a violência na calada da noite. Seu caráter maléfico incide sobre as pessoas privando a população de hábitos rotineiros, porém saudáveis. A propósito, é uma raridade ver moradores sentados nas calçadas à noite em conversa de vizinhos.  Se antes os habitantes faziam das calçadas a sala de estar, por segurança, hoje mantêm o uso no interior das residências para reforçar os laços de amizade. Pelas mesmas razões, é menor ainda o número de crianças brincando nas ruas, praças e avenidas.
            Nesse entrechocar do passado com o presente, gostaria que tudo voltasse a ser como antes. Queria não ter medo da noite e poder chegar em casa de madrugada, desnudo da cintura para cima. Desejaria ficar numa roda de amigos noite adentro, sem hora marcada prá chegar e na certeza de boas companhias. Como criança, não me intimidar com a escuridão da noite, nem pensar em lobisomem. Queria contemplar violões plangentes em serenatas, sob o clarão do céu iluminado e ouvir apitos isolados dos guardas noturnos enquanto outros dormiam. Queria também ouvir a discoteca do Cine Lux ou de D. Azuíla ao entardecer enquanto exibia sua elegância e simpatia na calçada.
            Queria muito mais. Se for egoísmo me perdoem, mas desejaria repetir tudo com a tranquilidade de outrora. Aí, certamente me ensinaria a viver melhor e evitaria ficar diante de uma televisão, a mercê de programas de baixo nível cultural que degradam a moral do ser humano.
            Em resumo, estes são alguns exemplos que denunciam nossa vida noturna nos dias de hoje. Alarmantes mudanças são evidentes, onde algumas impostas modificam o curso da história.
          É tentativa vã pensar esconder o óbvio. As evidências denunciam: já não se vive em Pombal como antigamente. Diante dessa certeza, paira no ar a indagação: até quando haveremos de conviver com esse cruciante problema? Na condição de pombalense desfrutei de sua vida noturna durante anos, contudo, jamais vi ou sequer pensei em algo parecido.
          O caráter insólito de suas noites perdidas que imprimem uma vida sem regras, justifica este relato, onde infelizmente assegura: a vida noturna em Pombal há muito não é a mesma.
 Pombal, 28 de fevereiro de 2014
*Professor e Escritor pombalense.
POMBAL: NOITES INSÓLITAS. POMBAL: NOITES INSÓLITAS.  Reviewed by Clemildo Brunet on 2/28/2014 08:52:00 AM Rating: 5

Um comentário

Novo disse...

Realmente, caro professor, a vida em nossas pequenas cidades não é a mesma. Eu, que há muito não convivo com a vida diuturna de nossa terra já sinto essa diferença quando por aí passo, imagino-a exatamente como você descreveu. O que fazer? Temos de nos adaptar à nova situação e curtir nossa nostalgia, dos longos papos na madrugada na coluna da hora e na calçada da matriz, sem riscos, hoje não possível.
Enfim, continuamos a amá-la, nos adaptando aos novos tempos.
Grande abraço,
Antonio D. Maniçoba

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