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ANÚNCIO DO GOVERNANTE

Severino Coelho Viana
Por Severino Coelho Viana*
            A chamada propaganda institucional, que deveria ser chamada de anúncio do governante, desvia sutilmente a finalidade constitucional que foi posta, pois o caráter educativo, a informação e a orientação social, na verdade, não ela não passa do endeusamento do governante do momento, nas suas três esferas: federal, estadual e municipal.
            O século XX foi palco de grandes mudanças para a sociedade, uma delas foi a evolução e
completa transformação da nossa forma de nos comunicar. Na era da comunicação, tudo nos comunica, tudo nos diz ou quer dizer alguma coisa, e se atrás do meio tem a mensagem, e atrás desta existe um emissor, levantamos a cortina da parede frontal do teatro que encobre os bastidores do espetáculo, mostrando o ator principal, possamos analisar melhor o papel da comunicação nas nossas vidas. Ou deciframos o enigma da mídia ou corremos o risco dela nos devorar.
            Nós sabemos que a comunicação exerce um elo de força na construção de um processo político e social, que é fundamentalmente necessária para o processo democrático. A publicidade e a propaganda, com suas técnicas de persuasão e sedução, atraem nossos olhares e atenção, até que acabamos tornando-nos cativos de seus encantos.
            A utilização da propaganda política não é um fenômeno recente. O Rei Sol – Luis XIV (século. XVII), já se utilizava bem dela através da divulgação de sua imagem cunhando moedas, esculpindo estátuas, pintando quadros. Com a evolução dos meios de comunicação e o surgimento da imprensa, rádio, cinema e, posteriormente, da televisão, os grandes estadistas sempre estiveram em busca dos meios e das mensagens mais ousadas para se comunicarem com o povo. Hitler foi um dos que utilizaram com muita proeza os meios de comunicação de massa para conquistar o apoio da população. Lênin também contava com a propaganda como uma forte aliada para manter a agitação das massas e o apoio popular.
            No Brasil, quem primeiro percebeu o poder da propaganda para manipulação ideológica da população foi Getúlio Vargas, que usou massivamente o rádio e o cinema como os principais meios de poder falar ao povo, que se tornaram grandes aliados do poder na transmissão das mensagens num país de dimensão continental como o Brasil. De lá para cá, os governos foram aprimorando e afinando o seu discurso junto à população.
            Durante a ditadura militar (1964-84), por exemplo, o governo lançava, periodicamente, campanhas publicitárias, com fortes conteúdos ideológicos, que passavam principalmente a ideia de que o povo era uma nação e também que este povo precisava de um tutor fardado. Hoje o discurso mudou e o conteúdo está cada vez mais mascarado por trás dos efeitos e das técnicas da propaganda, mas, através da luz, câmera e ação, também podemos conhecer o que passa despercebido nas entrelinhas do discurso governamental.
            A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, trouxe uma mensagem nova e inspiradora em favor da sociedade para receber a informação e orientação de utilidade pública de como estavam sendo aplicadas as verbas do erário.
Constituição Federal de 1988
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Em consonância com o disciplinamento constitucional, a Lei Eleitoral (Art. 73, da Lei 9.504/ 97) assim estabelece: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencente à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de Convenção partidária; II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram; III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público; V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; Lei n· o 6.091/74, art. 13, § 1°: movimentação de pessoal proibida no período entre os noventa dias anteriores à data das eleições parlamentares e o término, respectivamente, do mandato do Governador do Estado. b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários; VI – nos três meses que antecedem o pleito: a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública; b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral; c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo; VII – realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7o desta Lei e até a posse dos eleitos. § 1o Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da Administração Pública direta, indireta, ou fundacional. § 2o A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no art. 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público. § 3o As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição. § 4o O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR. - Resolução-TSE no 20.405, de 1o.12.98, art. 2o, caput: prazo para comunicação à Secretaria de Administração do TSE do valor e data da multa recolhida e do nome do partido beneficiado pela conduta vedada. § 5o Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. - Parágrafo com a redação dada pelo art. 2o da Lei no 9.840, de 28.9.99 (DO de 29.9.99). § 6o As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência. § 7o As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III. § 8o Aplicam-se as sanções do § 4o aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem. § 9o Na distribuição dos recursos do Fundo Partidário (Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995) oriundos da aplicação do disposto no § 4o, deverão ser excluídos os partidos beneficiados pelos atos que originaram as multas.
            A propaganda é a alma do negócio. O jargão mais conhecido do meio publicitário avança, a cada dia, na esfera da política, produzindo a máxima assemelhada: a propaganda é a aura dos governantes. Ela desenha a aureola que cobre a cara de políticos e governos, melhorando seu aspecto e tornando positiva sua avaliação popular.
            No ano que antecede as eleições a propaganda de endeusamento é pública e notória. Isto, também, constatamos com o aumento das cifras nas dotações orçamentárias aprovadas no anterior.
            Com o instituto da reeleição e o não afastamento do governante que se matem gerindo a coisa pública percebemos um verdadeiro desequilíbrio para o candidato opositor. Este está escondido dos holofotes e a sua imagem é opaca. As regras do jogo são diferenciadas. E, ainda, por cima, muitos candidatos assim agem, diga-se de passagem, o suporte financeiro é enquadrado no orçamento do cabo-eleitoral beneficiado.
            Além de assistirmos propaganda desviada de finalidade, ela é também enganosa. Vejamos o exemplo, um governante faz a maior festa para assinar uma ordem de serviços para a instalação de uma barragem em determinado município. Na mesma semana, a propaganda institucional exibe uma senhora na cozinha, lavando um grande tomate vermelho quando a torneira jorra a água em abundância. Tenha paciência! Me engana que eu gosto!
            É assim que funciona na vida prática da política. O foco da crítica é mesmo a propaganda institucional, essa que erige altos altares para entronizar a imagem de governos, cantar loas a governantes, sob a trombeta de campanhas maciças em horário nobre da TV. Esse coro de glórias não fere os princípios constitucionais de moralidade, razoabilidade e proporcionalidade? A agregação artificial de porte mais robusto para governos altera sua identidade. Assemelha-se a uma cirurgia para mudar feições (normais) de alguém que a faz só por vaidade. Não haveria aí uma curva ética?
            É dever dos governos prestar contas de suas tarefas à sociedade, da mesma forma que é um direito do cidadão saber o que os governantes fazem, mas não deveriam fazer; não fazem, mas deveriam fazer; ou fazem porque são obrigados constitucionalmente a realizar. O jogo democrático carece de informação e transparência, possibilitando ao representado vigiar as ações dos representantes. O problema passa a existir a partir da montanha de exageros formada para glorificar as administrações. Plasmar uma aura para abrilhantar fatos que são mera obrigação do governante, criar efeitos estéticos para engabelar o telespectador, maquiar dados, montar uma engenharia persuasiva para provar que gato é lebre, enfim, cobrir o corpo dos governantes com um manto de beleza e exuberância, convenhamos, pode até ser elogiável sob o aspecto da criação publicitária, mas é discutível sob o prisma ético.
João Pessoa PB, 31 de março de 2014.
*Escritor pombalense e Promotor de Justiça em João Pessoa – PB.

scoelho@globo.com
ANÚNCIO DO GOVERNANTE ANÚNCIO DO GOVERNANTE Reviewed by Clemildo Brunet on 3/31/2014 08:20:00 AM Rating: 5

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