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ERA FELIZ E NÃO SABIA

Francisco Vieira
Francisco vieira*

            Muitos ditados estão na boca do povo, porém, nem todos condizem com a verdade. Dizer por exemplo que vida boa e mulher são a do vizinho é no mínimo uma precipitação, pois não conhece os problemas das pessoas e nem paga suas contas. Aquele que diz: a grama do vizinho é mais verde, certamente não sabe o tipo de erva daninha que a corrói.
            Conceitos assim são comparações errôneas da vida dos outros. Consiste num sentimento de baixa estima ou de admiração por outrem. É que muitos só dão valor ao que tem quando perdem. Costumam não olhar o que tem a sua disposição, reclamam insatisfeitos, enquanto outros desejam ter a sua vida.
            A esse respeito, com muita propriedade, disse Rafael Silveira: “não é necessário perder para valorizar, mas, antes valorizar para não perder”. Entretanto, é comum o ser humano não dar importância a pessoa amada, pais, família, amigos, saúde, emprego e
até aos bens materiais adquiridos como se nunca fossem faltar. Assim, paga caro, pois descobre o valor tarde demais. É como a afetividade, que uma vez rompida se assemelha a um cristal quebrado, não se recompõe. Por mais habilidosas que sejam as mãos do artista, ficarão marcas.
            Vez por outra me lembro de coisas que ficaram no tempo, num passado que mesmo distante parece ter sido ontem. Com sabor de saudade costumo relembrar minha infância e adolescência sem cobrar o que não desfrutei. Tudo era muito simples a partir da nossa criatividade transformando tudo em brinquedo.
            O grupo de amigos era grande e as brincadeiras diversificadas que iam desde cobra-cega, polícia e ladrão, peinha – queimada, garrafão, patinete, carrinhos, bola de gude, soltar pipa, jogo de botão, castanha, pião, futebol e outras tantas. Desconhecendo a televisão, imitávamos os cow-boys do cinema americano – nossos ídolos - como Roy Rogers, Bill Elliot, Zorro, Jerônimo – O Herói do Sertão - brincando de bang-bang. Também brigávamos cujas brigas de somenos importância acabavam sempre em reconciliação.
          Como moleque travesso, fiz de tudo um pouco: furei o pé, rasguei joelho, briguei na rua onde bati e apanhei, quebrei vidraças, apelidei e fui apelidado, roubei cajarana e côco. Como castigo, se não bastasse os puxões de orelhas, ainda apanhei de chinelo, cinto e corda, tudo por imposição dos pais. Em contra partida, para combater pancadas e ferimentos, usava álcool, cibazol, mercúrio-cromo, mertiolate, band-aid, ou esparadrapo, além de envolver com tiras de panos ou cobrir com café para estacionar o sangue.
            Quanto mais distante a adolescência mais intensa é a saudade, sentimento que se justifica pela lembrança dos fatos. Talvez pelo jovem que fui e uma legião de amigos que tinha. Pela união conjugal de meus pais e a rígida educação recebida que moldou minha vida. Pelo bate-papo noturno na estátua de Getúlio Vargas ou Coluna da Hora e os passeios no Bar Centenário. Também como estudante do Ginásio Diocesano, seus mestres, colegas e desfiles cívicos. Por lembrar o bate-bola entre amigos e os jogos do São Cristovão no Estádio Vicente de Paula Leite. Ou seria a saudade das vaquejadas e bailes no Pombal Ideal Clube, AABB, Jovem Clube, Sede Operária, Palhoça Panatís, principalmente ao som de “OS ÁGUIAS”, de Pombal. Por lembrar ainda das Festas do Rosário e o Parque Maia. Por não resistir aos banhos de chuva e rubacões no Rio Piancó. Também por lembrar o Cine Lux, recordar a discoteca e os namoros no escurinho do cinema. Relembrar ainda as paqueras, o primeiro contato com a bebida e o cigarro, práticas charmosas da época. E nesse mundo de descobertas lembrar-se da primeira transa.
            Como adolescente ainda vesti a moda da época, vivi o romantismo musical e curti a Jovem Guarda. No campo amoroso enamorei dezenas de moças até conhecer Lenice que entrou em minha vida e ficou para não mais sair. Conheci alegrias e tristezas. O período foi um misto de revelações, descobertas, sonhos e decepções, algumas transformadas em traumas e ainda não superadas.
            Confrontando o passado e o presente, mudanças gritantes se destacam e me levam a pensar como será o que estar por vir. Vê-se uma juventude precoce e irreverente onde a liberdade excessiva se conflita com as rédeas curtas de minha época. É evidente a falta de autoridade dos pais que se tornam reféns da vontade abusiva de seus filhos que sem determinação de limites abusam dos direitos ignorando seus deveres.
            Em que pese um leque de oportunidades garantindo um futuro promissor, insistem em não crescer, fogem da responsabilidade jogando tudo aos ventos. E, como se não bastasse é crescente a marginalização na juventude pela dependência química, onde grande parte rouba e mata, além de viver na sexualidade imatura e inconseqüente.
            A propósito é comum se ouvir que os jovens atuais não querem nada, não respeitam os mais velhos, ignoram as tradições e maculam a dignidade desperdiçando os valores morais. Segundo os analistas é uma juventude “perdida”, que formada na maioria por jovens individualistas e alienados, só pensam em si mesmo e se interessam por assuntos fúteis e irrelevantes.           
            Os fatos citados são parte de uma adolescência memorável, que vivida intensamente me assegura afirmar que a ela nada se compara. Respeitando a livre escolha e costumes de cada geração, observando o labirinto de problemas que envolvem a juventude atual, ouso afirmar que ERA FELIZ E NÃO SABIA.

Pombal, 15 de março de 2014.
*Professor e Escritor
ERA FELIZ E NÃO SABIA ERA FELIZ E NÃO SABIA Reviewed by Clemildo Brunet on 3/16/2014 09:55:00 PM Rating: 5

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