"O CAFAJEGUE" E "JUDAS DE BRANCO"
Paulo Abrantes de Oliveira |
INTRODUÇÃO
As peças teatrais “O
Cafajegue” e “Judas de Branco”, nos trazem à tona um fato que nunca deixou de
ser novo: o coronelismo no Brasil. E o que é teatro? É um fragmento da vida,
pois é o que o Dr. Chico Cardoso nos traz de volta: um fragmento do coronelismo
no Brasil.“O Cafajegue”, peça teatral em dois atos, o coronel cafajegue, 50
anos de idade, tipo arrogante: a sua lei é “quero, mando e
posso”.
Para entender melhor, na década de 60, diante
do movimento das Ligas Camponesas, o coronelismo armou-se de corpo e alma para
defender suas terras. Seu objetivo primordial era o de combater veementemente a
todos aqueles que tentassem invadir, tomar e distribuir suas terras com quem nada
tinha para trabalhar. Assim nascia a Peça Teatral “O Cafajegue”, de Dr.
Francisco Alves Cardoso.
Os
estudos sobre a família, em o “Judas de Branco”, que visam, em primeiro lugar,
atingir um melhor conhecimento de uma das mais importantes instituições
humanas, permitem, ademais, uma compreensão global da sociedade, de sua formação,
de seus valores e de sua história. Na época, o dinheiro é que comprava a
virgindade das filhas dos pais de famílias pobres e humildes pelo poderoso
homem de branco. Compreender o “fato familiar” e o papel fundamental que
representou e ainda representa em nosso pais significa levantar o véu de uma
explicação para melhor aproximar-se daquilo que o Dr. Chico Cardoso costuma
chamar de “ realidade brasileira”.
Além
deste, o estudo de outro fenômeno faz-se decisivo para a compreensão da
formação da sociedade brasileira: o coronelismo. A análise desse fenômeno, que,
a exemplo da família, deve ser realizada no quadro das influências ibéricas e
mesmo ibero-americana, por aquilo que contém de permanência, mas também de
inovação do que se observa em Portugal, na Espanha e em outros países da
América Latina, pode, como é o caso dos Estudos sobre a família, ter uma
repercussão positiva na investigação de algumas questões prioritárias para as
ciências sociais, tais como as relações de poder, a estrutura das relações
pessoais e os mecanismos de controle social, político e econômico. Nessa obra,
o Dr. Chico Cardoso define o Coronel “Cafajegue” como uma espécie de elemento
socioeconômico polarizador, que atua como um ponto de referência para que se
conheça a repartição dos indivíduos no espaço social. Paralelamente a fortuna,
as qualidades e virtudes pessoais possibilitam a ascensão do indivíduo à
chefia, e a liderança dos coronéis possuía também um grande chefe: se
demonstrasse a capacidade de provocar a adesão afetiva e entusiástica dos
homens, deles obteria uma obediência espontânea. Raros são os autores que
mencionam esses atributos ao coronel, alguns, como Raimundo Faoro, o negam com
firmeza. Esse é o marco definidor deste estudo, dividido em duas partes: a
primeira delas concerne ao aspecto familiar dos pobres; a segunda parte,
centrada na expansão econômica e política, tratam dos fundamentos do coronelismo
e do papel da solidariedade e das estratégias familiares na formação do
patrimônio jurídico.
Esse coronel, personagem encenado, de uma
grande força simbólica é um dos tipos característicos da sociedade brasileira,
nos conduz ao exame, pelo seu discurso, fazendo-se um conforto de linguagem
entre o discurso do coronel Cafajegue e do Dr. Ageu de Castro, cuja semelhança
de imagem que eles querem impor é a repercussão dessa imagem no imaginário
coletivo.
Transcrição
do discurso de Dr. Ageu de Castro:
Foi
pronunciado na manhã, do dia 27 de maio de 1962, na condição de agricultor e
fazendeiro, como representante do sertão, na grande concentração da ASSOCIAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS RURAIS DA
PARAÍBA, em Campina Grande. O Dr. Ageu de Castro proferiu este discurso
violento contra as Ligas Camponesas e o modelo de governo reinante no país;
agitou o povo e chamou a atenção do representante do governo federal, General
do Exército, que assim se expressou: “Quem é esse Caudilho?”.
Excelentíssimo Sr. Governador do
Estado,
Excelentíssimo Sr.Prefeito de
Campina Grande.
Sr. Secretário de Estado,
Srs. Representantes do Comando de
Guarnição Federal na Paraíba,
Senhores Deputados,
Meus, Coestaduanos,
É preciso muita coragem para que um
matuto, depois de ouvir tantos oradores brilhantes, saia dos bastidores de sua
insuficiência intelectual, para também usar da palavra n’um conclave deste
porte. Mas, eu venho dos velhos Cariris onde só há abundância de cactos e
espinhos como que simbolizando a agressividade da terra.
Eu venho dos adustos sertões de além
Borborema; eu velho de plagas onde a Natureza é cruel e má, onde o sol tudo
mata e cresta, onde a terra tem hábito de incêndio, como teria dito o saudoso
Allyrio Wanderley.
Eu venho daqueles campos flamejantes de sol,
onde vivemos e morremos n’uma batalha cruciante e desigual contra a Natureza,
em busca do pão de cada dia, em busca do imprescindível para a educação dos
nossos filhos; em busca de resistência para conservamos as terras que nos
pertencem para que os nossos filhos dali continuem a mesma luta heróica, se
esse é o nosso destino.
Eu tenho a honra de pertencer
àquelas legiões de lutadores, verdadeiros heróis obscuros e anônimos, nutridos
de energia moral e bravura cívica, cheios de tenacidade e resignação com o
sofrimento. Sim, eu pertenço àquelas legiões que me mandaram aqui dizer que apóiam,
aplaudem e se solidarizam com esta Associação Rural dos Proprietários, cuja
movimentação tem por objetivo a defesa dos direitos dos donos de terra na
Paraíba.
Eis a razão porque aqui estou, neste
momento, usando da palavra.
Meus senhores: - Nos dias que ocorrem
só uma expressão galvanizou o espírito simples de nossa gente: - “Reforma
Agrária”. Das bodegas de vender cachaça aos recônditos, mas distantes das
serras onde o incauto trabalhador rural pela sua ingenuidade acredita na
pregação insidiosa dos demagogos, se fala em Reforma Agrária, dir-se-ia que a
expressão se converteu, teoricamente, em Pedra Angular do Edifício da
Felicidade Brasileira.
E, a essas atividades subversivas,
cada dia mais amadas e mais tensas pela falta de repressão por parte dos
Poderes Competentes, não tem faltado uma forte cobertura literária em jornais,
livros e revistas.
Prosadores desocupados, literatos,
poetas, sociólogos improvisados e até cretinos consumados sem nada conhecerem
do amanho da terra, ignorantes das condições e meios através dos quais se cria
o boi e a vaca, sem nada saberem como se cultiva a cana e o café ou mesmo
quantos grãos de milho, feijão ou arroz devem ser deitados n’uma cova úmida ou
enxutos para a sua germinação, tem escrito toda sorte de barbaridades no
tocante à Reforma Agrária, envenenando cada vez mais o espírito... o espírito
desprevenido das massas.
No nosso hinterland, proprietários
mais tímidos já receiam comprar terras e outros pensam em vender as que lhe
pertencem, ante a vulcânica a meaça de que o Governo vai tomar as terras de
quem tem para dá-las a quem não tem.
Parece assim, meus senhores, que a
nossa Pátria está entregue a uma caterva de agitadores, os quais, sob o ponto
de vista ideológico “ não são nada”, porque não são nacionalistas nem
socialistas, não são comunistas nem democratas, mas apenas e tão somente,
políticos fracassados, pescadores de águas turvas em busca desses eleitores
ignorantes e ingênuos, intoxicados pelas mirabolantes promessas de ficarem
ricos da noite para o dia.
Porque faltam os gêneros de primeira
necessidade para o consumo publico; porque há carência de tudo e os preços de
tudo sobem astronomicamente, mercê da espiral inflacionária que vai n’um
crescendo que ameaça atingir as raias do infinito; são os proprietários de
terra os causadores da calamidade, por isto que devem ser assaltados por
indivíduos irresponsáveis, espoliando e afinal, viverem apavorados ante o impacto
de uma Reforma Agrária que preconiza o esbulho, simplesmente o esbulho. E
assim, estamos vivendo nesse torvelinho de incertezas e ameaças – uma página
negra da nossa história política e social.
É claro que os males que afligem a
Nação têm outras fontes. Não têm e nem poderiam ter suas origens nos donos da
terra. Emerge da incapacidade, da inoperância dos Governos, até mesmo se
apreciarmos esses males sob o ângulo da detenção das terras, porque o Poder
Público detém 76% enquanto o povo apenas detém 24% das terras brasileiras.
E por que esses agentes da subversão
não advogam a idéia de serem divididas as terras do governo com os camponeses
sem terra?...
Isto, porém, não interessa.
O que interessa aos agitadores é
explorar, é estimular a avidez do preguiçoso que sonha receber tudo pronto,
como sejam mandiocal em via de beneficiamento, fruteiras em produção, casa
edificada, curral já feito, etc.etc.
Ninguém se lembra de atribuir à
incúria dos governos a crise de subsistência que vem solapando o Brasil desde
Getúlio Vargas; ninguém tem a coragem de apontar como um dos fatores precípuos
dessa calamidade nacional o surto desenvolvimentista, sem planejamento e sem
controle desse desequilibrado Juscelino, gastando bilhões de cruzeiros,
verdadeiros rios de dinheiros na edificação de Brasília, enquanto a agricultura
e a pecuária jaziam no abandono e no esquecimento como se o seu desenvolvimento
não constituísse uma necessidade vital para a Nação.
Ninguém
se lembra de apontar a estagnação de capitais na construção de arranha-céus em
todos os recantos do País; ninguém se lembra de apontar a inversão de capitais
enormes nas indústrias automobilísticas e outras que tais; ninguém se lembra de
falar nesse capital monstruoso que a SUDENE
vem absorvendo improdutivamente porque até hoje, após tantos anos de
planejamento, não deu sequer um ar de sua graça em benefício
Do
Nordeste; ninguém se lembra de falar no número assombroso de trabalhadores
desviados da agricultura para as indústrias sulistas; ninguém tem a valentia
precisa para dizer que a política partidária tem sido um enorme sorvedouro de
atividades rurais desviadas para o empreguismo com finalidades eleitoreiras.
Não, senhores, ninguém se lembra de
nada disso.
Só os criadores, os donos de terras
agricultáveis são os apontados, os lembrados como os abutres desta infeliz
Nação.
Eles que vivem entregues à própria
sorte: - sem estímulo, sem fomento, sem máquinas, sem dinheiro, sem
conhecimentos agronômicos; ou veterinários, sem água, sem dinheiro, sem
conhecimentos agronômicos ou veterinários, sem água, sem irrigação,
desassistidos ao ultimo ponto, é que têm culpa de tudo, por isto, devem perder
as suas terras, produto de seu trabalho, da sua coragem indômita frente a todas
as vicissitudes.
A sequência de erros dos governos,
donde emerge na verdade essa crise sem precedente na História, não é estudada nem
analisada por esses falsos idealistas.
Só a supressão da propriedade
privada, total ou parcialmente, é que tudo resolve segundo argumentam.
Mas, eu perguntaria: o que adianta
tomar as terras de A para dividi-las com B,C e D que irão lutar com as mesmas
dificuldades que nós outros e até sem esse elemento importante, que é a
capacidade administrativa?...
Todavia, não cessa a ameaça: - “ A Reforma
Agrária vem aí”.
Que venha, pois, a Reforma Agrária.
Ora, a Reforma Agrária é o
reajustamento de normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que devem
reger a estrutura agrária de um país, como bases: - 1º - no aumento da produção
e produtividade. – 2º - na melhoria do padrão de vida do trabalhador rural.
È óbvio que uma Reforma Agrária,
formulada dentro desses princípios trará também deveres e obrigações aos
governos, coisa que nunca tiveram para com a Agricultura e a pecuária.
Jamais
seremos infensos a uma Reforma Agrária que ampare os preços dos nossos
produtos, que delimite direitos e deveres de proprietários e trabalhadores, que
instituía melhores condições de vida para os mesmos, até porque os
trabalhadores são nossos cooperadores, são nossos irmãos de sofrimento e muitos
até, nossos parentes afins e consangüíneos; ademais, o proprietário de hoje não
está isento de, num futuro próximo, ter um filho, um genro ou um neto como
camponês sem terra.
A Reforma Agrária que almejamos é,
pois, em linhas gerais, uma reforma dentro de certas limitações, atendendo-se,
sobretudo, à complexidade do problema no que tange às diversidades de regiões
linhas gerais; e consequentes possibilidades econômicas dos seus habitantes.
Mas, meus senhores, se a Reforma
Agrária for feita em consonância com o que está contido no bojo dos projetos
que tramitam pela Câmara Federal de autoria de Nestor Duarte, Coutinho
Cavalcanti e José Joffily, então que me perdoem o Sr. Governador do Estado e
outras autoridades aqui presentes; então, repito, não teremos outro rumo a
tomar que não haja o das armas, porque tais projetos são inspirados Reforma
Agrária da China Comunista e na Cuba de Fidel Castro, É puro Comunismo.
MEUS
SENHORES:
Ao
encerrar este discurso, como intérprete do pensamento sertanejo, peço vênia
para discordar do que disse um dos oradores que me antecederam, isto é, de que
a Associação dos Proprietários Rurais da Paraíba deveria fugir a atividades
políticas.
Discordo inteiramente desta
opinião.
Penso e acho que a Associação deve dar
sentido político a todas suas atividades. O que deu lugar a criação desta
Associação Rural dos Proprietários da Paraíba foi um problema de natureza
político-social. Daí a necessidade de procurarmos a sua solução dentro da
política, porque, senhores, no dia em que todos os proprietários brasileiros se
unirem num só bloco com identidade de propósitos políticos, constituirão a
força mais ponderável do Brasil, capaz de eleger Presidente da República,
Senadores, Deputados, Governadores do Estado, Prefeitos e Representantes às
Câmaras Estaduais e Municipais. E os políticos profissionais passarão a amar e
a respeitar melhormente essa grande força associativa.
Era o que tinha a dizer.
E a parte se encerra com a análise de
repercussão de seus esforços na imprensa paraibana, a qual, nunca tendo estado
diretamente submetida à ingerência de quem que seja, também estará sendo, na
época, censurada pelo regime militar. Além do mais, a intenção do coronelismo
de transmitir uma imagem de homem rico, poderoso, de uma figura lendária, de um
amigo, de um protetor dos oprimidos, de um pai dos pobres, de um chefe de
parentela digno, portador e transmissor da sabedoria, era a sua maior
preocupação.
Nesse contexto, a peça teatral de
Dr. Chico Cardoso, com a utilização de material importantíssimo para a
encenação e a análise das fontes, realiza, seguindo um método rigoroso e bem
orientado, permitiu-me conservar a distância crítica indispensável para que
fosse possível elaborar uma contribuição original ao conhecimento das famílias
nordestinas e a forma de atuação do coronelismo no Brasil.
Paulo Abrantes de Oliveira
Engenheiro,
Escritor, Membro da Academia
Maceioense de Letras e Cônsul
Honorífico
Da Real Academia de Letras do RS.
"O CAFAJEGUE" E "JUDAS DE BRANCO"
Reviewed by Clemildo Brunet
on
7/16/2014 06:36:00 AM
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