SENHOR: O enxadeiro imbatível.
Ignácio Tavares |
Ignácio Tavares*
No tempo em que vivíamos nas lides da roça, na
época do inverno quando a gente podia contratava um trabalhador para nos
ajudar, principalmente no momento das primeiras limpas. Havia uma porção de
trabalhadores disponíveis, mas, a nossa preferência era por um amigo dos nossos
irmãos mais velhos, intimamente conhecido por nêgo Senhor.
O fato de Senhor ser um trabalhador
reconhecidamente proativo, por isso muito produtivo, era difícil contratá-lo
disponível para apenas um dia de serviço, pois estava sempre ocupado. Desse
modo estávamos sempre vigilantes a
espera de contarmos
com Senhor trabalhando ao nosso lado, mesmo por apenas um dia.
Era um
senhor trabalhador e tanto. Às vezes que ele trabalhava na roça da minha avó
Ana, ali estava eu sentado nas proximidades somente pra vê-lo rasgar a terra
com uma voracidade incomum, com a sua enxada de três libras, cuidadosamente afiada
na oficina de seu Rufino.
Era um deslumbre pra mim ver aquele jovem musculoso,
ágil, a competir com os demais trabalhadores que estavam ao seu lado. Era isso
mesmo, havia sim uma disputa para ver quem era o melhor, mas ninguém ousava
desafiar o nêgo Senhor. Eu fiquei a pensar: será que não exista sequer um
trabalhador que possa desafiar esse senhor todo poderoso da enxada?
Pois é, um dia o craque da enxada estava
disponível e foi trabalhar na nossa roça. Antes da sua chegada calculamos a
área que seria limpa bem como a nossa estratégia de trabalho. Ficou acertado
que trabalharíamos no nosso ritmo normal a fim de deixar Senhor a vontade pra
trabalhar a sua maneira. Nos meus dezesseis pra dezessete anos pus na cabeça
que podia afrontar o mais habilidoso enxadeiro do lugar.
Com efeito, contrariando a orientação do meu
irmão resolvi desafia-lo, não obstante sabendo que jamais podia passar à sua
frente. Parti para o desafio. Senhor com a sua enxada mágica saiu na nossa
frente ignorando a nossa presença ao seu lado. E eu de olho nele.
Inicialmente observei como era que o nosso
herói puxava o mato para a formação do leirão. Era como se fosse uma aula
prática para um aprendiz de trabalhador rural. Assim sendo, com algum esforço
comecei a segui-lo e deixar Felix pra trás. Mas, vez por outra ele olhava pra
mim como estivesse a entender as minhas intenções.
A distância entre mim e ele foi diminuindo.
Continuava a olhar pra mim e num dado momento esbolsou um sorriso irônico e
falou: o menino aí tem futuro, não é Felix? O meu irmão riu e se fez
desentendido. Mas, o meu projeto não funcionou porque a habilidade de Senhor no
trato da enxada foi me deixando pra trás. Portanto, ao reconhecer a minha
insignificância, diante do maior enxadeiro do lugar, desisti da competição.
Senhor reinou por muito tempo como bom
enxadeiro que era. Outros afamados, como Dedéca, Nicodemos, Zé de Manezão, Mané
Grande, Vital e mais outros, evitavam qualquer manifestação de disputa com
Senhor. Se isso acontecesse era mesmo que assanhar uma casa de arapuá, seja,
ninguém ficava em paz.
Havia
outra razão maior para que ninguém tentasse concorrer com Senhor. Na época a
maior desfeita que um trabalhador podia sofrer era levar duas por uma, seja,
terminar apenas uma carreira de mato porquanto o que estava ao lado tirava
duas. Era motivo de chacota e a noticia se espalhava por toda vizinhança.
Este foi o bom tempo em que o trabalhador
rural fazia jus a remuneração que recebia por um dia de trabalho. Senhor,
repito, era o trabalhador mais procurado, porque além de produzir muito,
obrigava os outros trabalhadores que estavam ao seu lado a trabalhar com afinco
sob pena de levar a humilhante duas por uma.
Os trabalhadores mais ronceiros, mais
vagarosos, evitavam trabalhar ao lado de Senhor. Em sendo um arquétipo de
eficiente trabalhador rural jamais se vangloriou por conta da sua habilidade no
manejo da enxada. Era uma figura risonha, sempre de bem com a vida, que não
deixou substituto, pois, quando encerrou suas atividades como trabalhador rural,
a agricultura já não era mesma.
Foi o fim de um ciclo de bons trabalhadores
que começou com o algodão e terminou, da mesma forma, com a decadência dessa
cultura que, por muito tempo foi a base econômica das famílias envolvidas na
agricultura no sertão paraibano.
Com o
passar do tempo o nosso herói nêgo Senhor aposentou-se, justamente, como trabalhador
rural, quando a partir de então passou a viver tranquilamente, qual um
gladiador que venceu grandes batalhas, entretanto sem disputar nenhuma. Este foi
o grande e saudoso Senhor que não está mais entre nós...
João Pessoa, 15 de julho de 2014
*Economista e Escritor
SENHOR: O enxadeiro imbatível.
Reviewed by Clemildo Brunet
on
7/16/2014 06:14:00 AM
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