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POMBAL DE OUTRORA TEM NOME DE SAUDADE!

Francisco Vieira
Francisco Vieira*
Se possível fosse, traria para o presente a Pombal de outrora. É que o amor telúrico e a saudade não me deixam esquecer o passado, tempo vivo em minha memória sexagenária. Como num conto de fadas, daria vida as décadas de 60 e 70, e suas reminiscências.
            Num toque de mágica, traria praças, ruas e vielas da época, com frondosas castanholas e pés de fícus, onde suas sombras abrigavam a meninada, acolhiam casais de namorados e os idosos que se reuniam para jogar conversa fora ao som da passarada. Teria de volta os amigos que comigo percorreram palmo a palmo desse chão, principalmente os que partiram cedo, Ghandi, Zé Piloto, Jair de D. Lídia, Mané Maluco e os irmãos Joãozinho e Arereu Espalha, para dizer-lhes da saudade e
que a turma sem eles não é a mesma. Que falta faz o espírito gozador de Arereu e as “estórias” de Joãozinho, mentiras que de tão bem contadas parecia até verdades. Falta a irreverência de Zé Piloto e a paixão de Mané Maluco em defesa do Santos F. C e Pelé, seu ídolo.
            Quem me dera ver o Ginásio Diocesano em funcionamento e nunca em ruínas. Seria também o desejo dos ex. colegas Fan Arruda, Evanildo, Raimundo de Chico Terto, Laércio de Caboquinho, Carrinho Farias, Ricardo de Aureliano, Milico, Artidônio, Domiciano, Cajazeirinhas, Caveirinha e outros. Certamente teríamos o apoio de Côn. Luis Gualberto – Diretor – dos professores Arlindo Ugulino, Carmita e Maria José Bezerra, Osa Rodrigues, Mariinha e Herotides Santana. Ressuscitaria Hemelinda Rocha, minha primeira professora, responsável pelo início de tudo o que sou.
            Faria ressurgir a Rua do Rio, trajeto e parada obrigatória da Viação Gaivota, Andorinha, Ipalma e Expresso de Luxo. Rua do Grande Hotel de Chicó e Hotel Central - de Chico Caetano - Mercado e Açougue Público, Castelo, Sorveteria Tabajara.  Rua da mercearia de meu pai, onde se vendia de tudo. Tinha mercadoria prá todo gosto. O variado estoque que ia desde cereais se completava com ferragens, louças, perfumaria, alumínio e miudezas, satisfaziam as exigências da freguesia. “A Triunfante” de Antonio Vieira era uma referência comercial.
            Ainda ecoa em meus ouvidos o som do Lord Amplificador, da Voz da Cidade e o Programa Brotolândia de Clemildo Brunet, sempre com o patrocínio das Lojas Paulista, Café Dácio, Casas Bandeira e Macarrão Martoci dos irmãos Dimar, Nelito e Deci. Sinto o inconfundível sabor da bolacha peteca de Seu Napoleão, a cocada preta de Severino Pedro, o pão com creme de Toinho da Bodega e o cavalinho de Goma do Cego Roseno. Assim é o apito da Brasil Oiticica que me toca os ouvidos quatro vezes no dia e tão pontuais quanto o big ben.  
            Desse tempo lembro os rubacões no Rio Piancó. Nas margens lavadeiras batiam roupa num ritmo espontâneo e cadenciado cantarolando “Mulher Rendeira”. No varal, a roupa estendida, parecia bandeiras coloridas tremulando em dia de festa. Enquanto isso, Pedro Jaca, Cosme e Zé Capitula enchiam latas e ancoretas com água que seriam vendidas nas ruas ao lombo de boi ou burros de carga.
            Quero reviver as festas do Pombal Ideal Clube e AABB, registradas em monóculo por Seu Afonso fotógrafo. Ao som dos Águias, Uirapuru Zimbo, Super Oara, Ogírio Cavalcante, dançar Sibonei, Besame Mucho, O Milionário, Na Cadência do Samba, Na Emenda, sempre coladinho e murmurando juras de amor eterno. Com Lenice, bailando todos os ritmos, recomeçar o amor que nunca morreu.
            Chegam à lembrança os doidos da época, cada um com sua loucura. Mané Doido ostentava riqueza e poder, Açoite, mutilava seu corpo, Barrão 70, soltava palavrões como faísca em fogo ardente, Espedito, alimentava o sonho de comprar um relógio, Pildo, exibia no pescoço uma coleção de gravatas, Clovis, fascinado por jogo do bicho decifrava sonhos e Nonato, como bom devoto não se cansava de rezar. Já Luzia Carne Assada, exibia a moda a bel prazer, enquanto Martina resmungava em voz baixa algo indescritível. Atormentados pela molecada aterrorizavam e divertiam a população. É que todo doido tem sua mania.
            Com ares de nostalgia lembro as serenatas noite adentro. No início, animadas com violão, depois ao som de radiolas portáteis Philips. Também romântico era cortejar as garotas no Largo do Bar Centenário.
            Da feira semanal aos sábados, vem uma saudade danada. Lá se encontrava de tudo, desde pedra de amolar, arreios, lamparinas e até canecos de dente, uma especialidade de Seu Lau. Numa rua o cordelista entoava versos de Leandro Gomes de Barros, na outra, disputando o espaço, o vendedor de drogas, garantindo na propaganda a cura certa, iludia os menos esclarecidos, enquanto um jogador trapaceiro, traçando cartas enganava os mais otários.
            Na feira tudo caminhava bem, até que um reboliço alterasse a normalidade. Era a polícia prendendo “Ciço Bem-Bem”, pela milésima vez ou perseguindo em vão “Nego Cambota”, que sendo corredor imponencial ironizava da tropa em desabalada carreira. Ou era mais um crime, mais um corpo que tombava ao chão por vingança, prática comum na época, fazendo valer a lei do mais forte.
            O tempo passou sem destruir o passado. O Cine Lux, embora destruído, é uma lembrança que nunca esqueci. No fluxo da imaginação ainda ouço Ray Conniff, Saraiva, Poly e cantores da época, enquanto a rapaziada cortejava belas garotas até que um blecaute anunciasse o início do filme.  A demolição destruiu sua beleza e glamour transformando tudo em poeira e saudade. O frontispício ainda erguido não é a melhor forma de lembrar sua história.
            Como desejo agora uma Festa do Rosário do passado, mesmo sabendo que já não se faz festa como antigamente. Minha vontade era enfrentar a noite, com namorada e amigos romper a aurora para seguir em procissão. Poder estrear roupa e calçado novo. Calça boca de sino, camisa ban-lon e sapato cavalo de aço era o top da moda, comprada a prestação na Camisaria Ideal de Tiquinho e A Calçadeira de Valder. Também curtir os últimos sucessos musicais no Parque Maia acompanhados de mensagens e declarações amorosas.
            Queria assistir um jogo de futebol do São Cristovão x Pombal Esporte Clube e apreciar as jogadas de Carlos César, Agnelo, Chico Sales, Tuzim, Natal Queiroga e outros tantos. Aplaudir Nego Adelson voar literalmente para fazer defesas impossíveis.
            Provando que a saudade faz do passado um tempo presente, carrego na memória a Pombal dos circos na Rua de Baixo, desde o Búfalo Bill, Paris, Bartollo até o Muruama que permaneceu em torno de cinquenta dias na cidade. Foi tempo recorde e suficiente para adquirir uma nova empanada. Também na lembrança os banhos de chuva nas tardes de inverno, disputando as bicas mais fortes sem ter medo do perigo que corria. Lembrar a Palhoça “Panatí” e lamentar a destruição do Rancho “Danado de Bom”, maldosamente incendiado por uma mente insana, cuja ignorância não cede lugar ao encanto musical.
            Gostaria de encontrar sem ter medo, “Bico Doce” – o coveiro – que me parecia ser o papa-figo que eu nunca vi. Não sei se resistia outra carreira para não ser presa de seu bico e levado num saco para ser enterrado.
            Que bom seria reencontrar os amigos na Festa da Padroeira, desejando que toda missa fosse relâmpago como as de Pe. Andrade. Participar das quermesses e arrematar galinha no leilão rateada com amigos, trocar bilhetes românticos e assistir a retreta da banda. Apreciar o maestro, Seu Eliseu Veríssimo, com os dedos em V, batendo no peito para anunciar a execução do dobrado “Dois corações”.
            Queria ver ainda a passagem do trem a noite, aproveitar o breve tempo para uma ligeira paquerada, dar um passeio nas boites de Chico Novo, Severino Aleijado e receber da cafetina “Maria do Menino” as informações quanto à saúde das “moças”, que ninguém é de ferro. Enfim, um bate-papo com os amigos no busto de Getúlio até a madrugada chegar e vez por outra um cafezinho no barraco de D. Maria Nogueira na coluna do relógio.
            Quão divertido seria rir a custa das proezas de Pedro Corisco, Zezinho Sapateiro, Saturnino Santana, da irreverência de Seu João Lindolfo, das histórias nada verdadeiras de Raulino, da franca pornografia de Maria de Zé Preto e do espírito lampiônico de Sargento Mota.
Paremos por aqui, não para dizer adeus, mas até breve. É que pretendo voltar para compartilhar as coisas da minha terra, pois o caráter infinito de sua história justifica meu retorno com mais recordações.
 Se na tenra idade os sonhos embalavam os ânimos, hoje, após cinco décadas, a vida se reduz a lembranças de um passado que se faz novo. Como um aviso chega e me diz que para não esquecer é preciso lembrar.
            Nesse estado de lembranças, ouso afirmar, que a cidade que hoje contemplo, com todo desenvolvimento, não é capaz de fazer esquecer a POMBAL DE OUTRORA QUE TEM NOME DE SAUDADE.
Pombal, 20 de setembro de 2014.
*Professor e Escritor
POMBAL DE OUTRORA TEM NOME DE SAUDADE! POMBAL DE OUTRORA TEM NOME DE SAUDADE! Reviewed by Clemildo Brunet on 9/22/2014 05:22:00 AM Rating: 5

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