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OS Águias de Pombal e o AI-5

Ricardo Ramalho
Ricardo Ramalho*

As férias escolares começariam em poucos dias. Era 1968, um ano que mudou o mundo com as revoltas estudantis e uma série de novos comportamentos sociais. Aproximava-se, também, a Festa dos Pereiros e depois a Semana Universitária. Havia um hiato que precisávamos preencher. Assim, surgiu a I Semana Secundarista de Pombal. Uma ideia iniciada por Beca Bandeira que conseguiu arregimentar os secundaristas Ademir Queiroga, Verneck Abrantes, Chaguinha de Gentil, Belmiro Ramalho, Madalena Herculano além do cronista e outros conterrâneos de nossa geração. Traçamos um ambicioso programa para toda a Semana e
seguimos em frente. Esse tema será, entretanto, tratado em outra crônica por sua amplitude.
O forte das comemorações, entretanto, seriam os bailes no Pombal Ideal Clube, emprestado, generosamente, pela Diretoria para esse fim. Em função da escassez de recursos o “conjunto musical”, como se denominava o que é “banda” atualmente, contratado foi “Os Águias” de Pombal. O repertório predominante consistia nos sucessos da Jovem Guarda.
Mas, a política estava no ar e influenciava, sobremaneira, a vida estudantil. Publicamos “Avanço”, um “jornal” que pretendia, pomposamente, ser o representante dos estudantes secundaristas de Pombal. Em sua última página, duas músicas revolucionárias: “Caminhando” do paraibano Geraldo Vandré e “Esso Shell” de Juca Chaves, o gozador cantor carioca.
No costumeiro intervalo colocamos uma “radiola” movida a pilhas com um microfone ao lado que, insistente e repetidamente, transmitia a música de Vandré, inapropriada para o momento dançante do baile. Algumas pessoas, desatentas à mensagem da composição, até reclamaram. Resolvemos variar e “rodamos” um disco compacto de duas músicas, apenas, dos Incríveis. A principal era “E se nos disserem”, um apelo contra a guerra e o militarismo. Com melhor sonoridade para a ocasião, agradou aos presentes.
No dia seguinte fomos conferir o ensaio dos Águias, na casa de Mixuruca, o empresário do conjunto, de então. Na ocasião, o próprio, com um copo de leite em punho, sua bebida indispensável, nos informou: estamos “tirando” a música que tocaram no intervalo, aquela dos Incríveis. Vibramos com a novidade e, à noite, lá estavam Os Águias cantando:

“Se um dia ,disserem, que pra mudar esta terra,
precisamos mandar, todos homens pra guerra
nós que vimos mortos por todos os cantos,
pra levarmos a culpa do mundo em prantos
nós responderemos,  nós responderemos...
Não, não, não, não, não, não, não, não!"

Foi uma novidade, um sucesso. Mixuruca havia captado o espírito do momento. Dias depois acontecia a Festa Universitária. Grandiosa. No ar, a política estudantil dominava todas as conversas. Os estudantes de João Pessoa, Campina Grande e outros centros universitários traziam as notícias, os movimentos, às ideias avançadas. Os milicos preparavam o golpe terminal na democracia: o temível Ato Institucional Nº5, o AI- 5. Proibia tudo e instalava o terror em todos os pensamentos divergentes. O Movimento Estudantil radicalizou-se, foi para o enfrentamento e aí se inicia outra época, triste, sombria e os Águias não podiam mais bradar: não, não, não, não, não, não, não, não, oito vezes seguidas.

*Cronista Pombalense radicado em Maceió-Alagoas.
OS Águias de Pombal e o AI-5 OS Águias de Pombal e o AI-5 Reviewed by Clemildo Brunet on 11/06/2014 06:15:00 AM Rating: 5

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