Jerdivan Nóbrega de Araújo e a Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal
J. Romero Araújo Cardoso |
Por
José Romero Araújo Cardoso*
Jerdivan
Nóbrega de Araújo vem despontado como uma das mais brilhantes revelações no
campo da História local das últimas décadas, tendo nos presenteado com obras
importantíssimas que vem enriquecendo a historiografia do velho rincão
sertanejo, conhecido como “Terra de Maringá”. Bacharel
em Direito, pesquisador da História de Pombal, membro efetivo do grupo de
estudos Benigno Ignácio Cardoso D´arão, vinculado a mais que cinquentenária
Coleção Mossoroense, por onde publicou dois valiosos títulos – “Quando se falou
bem de Pombal” e
“A pequena biografia do Senador Rui Carneiro” – Jerdivan
Nóbrega de Araújo fez a apresentação do Volume VIII da biografia de Vingt-un
Rosado, Jerdivan é autor ainda de outros importantes trabalhos, a exemplo de “A
saga da cabocla Maringá”, “O crime da Rua da Cruz”, etc.
Publicado
em primeira edição no ano de 2014 pela Editora Imprell, de João Pessoa/PB, a
recente produção historiográfica de Jerdivan, intitulada de “A Irmandade dos
Negros do Rosário de Pombal” destaca-se pela análise extremamente oportuna
acerca de uma das mais importantes e significativas confrarias Pombalense, a
qual, em depoimento do Agrônomo e Historiador Verneck Abrantes de Sousa, no
prefácio do livro, ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
exponencializa-se “pelo seu significado histórico, cultural, religioso e
folclórico”.
Indubitavelmente
sensibilizado pelo sangue negro que corre nas veias, Jerdivan Nóbrega de Araújo
imprime viés extremamente humanista em sua obra, diferindo radicalmente de
autores como Raimundo Nina Rodrigues (1862 – 1906) e Silvio Romero (1851 –
1914), entre outros, que enxergaram as manifestações afro-brasileiras com olhares
indiscutivelmente racista. Nina Rodrigues em sua obra “Os Africanos no Brasil”
não poupou esforços em taxar negros e mestiços como marginais, sendo estes os
verdadeiros responsáveis pelo subdesenvolvimento do país. No
trabalho de Jerdivan Nóbrega de Araújo sentimos a ausência de um sumário que
pudesse permitir ao leitor melhor desenvoltura no encaminhamento da compreensão
do livro.
Depois
do prefácio e da introdução o livro destaca as “Origens da Devoção a Nossa
Senhora do Rosário e a Criação das Irmandades”, frisando a importância do
Dominicanos que enfatizaram a primeira ordem em Colônia, na Alemanha, dedicada
ao culto dos brancos ao Rosário. Em Lisboa foi criada a primeira fraternidade
de africanos libertos.
O
culto ao Rosário tomou impulso após a vitória cristã na batalha de Lepanto em
sete de outubro de 1571, quando duzentos e oito galés e seis galeaças cristãs
enfrentaram duzentas e trintas galés turcas. Miguel de Cervantes, célebre autor
de “Dom Quixote de la Mancha”, participou dessa batalha.
Em
seguida o autor enfatiza capítulo intitulado de “A Irmandade dos Negros do
Rosário de Pombal”. Alicerçado em documentação fornecida pela Profa. Dra. Alba
Cleide Calado Wanderley, constante nos agradecimentos da obra, destaca-se que a
confraria de negros pombalense em adoração ao Rosário foi criada, através da
Lei N. 858 de 10 de Novembro de 1888, ou seja, pouco depois da abolição da
escravatura. Destaca ainda a gênese da formação dos grupos folclóricos que
integram a Irmandade. Informações
orais, como as que prestaram o Sr. João Raimundo da Silva (João Coremas),
aventam a hipótese de que a tradição de adoração ao Rosário anteceda ao final
da década de oitenta do século XIX. Jerdivan faz menção de que estas possam
estar ligada às manifestações culturais incentivadas pela Confraria de Nossa
Senha do BomSucesso.
Conforme
Jerdivan destaca na introdução “o primeiro compromisso da irmandade dos negros
de Pombal foi sancionado pelo presidente da província da Paraíba, Pedro
Francisco Corrêa de Oliveira, através da Lei civil número 858, de 10 de
novembro de 1888, compondo-se de sessenta artigos, distribuídos em 12
capítulos”. O
terceiro capítulo enfatiza a figura mítica e lendária de Manoel Cachoeira
(Manoel Antônio de Maria Cachoeira), fazendo indagações, entre outras, sobre
sua procedência, provavelmente um branco
do algodão, denominação essa direcionada aos negros libertos que alcançaram
certa projeção econômica graças à cotonicultura.
Conforme
a tradição oral, Manoel Cachoeira realizou três viagens a Olinda, intuindo
conseguir autorização do Bispo para criar a confraria, sendo ele o primeiro
juiz oficial, depois de aprovado o Compromisso em 1888.
O
quarto capítulo tem o título de “O Compromisso Clérico da Irmandade de Pombal
não é de 1895”, pois até então se tinha como oficial o datado do dia 18 de
julho de 1895, publicado pela primeira vez no livro “Velho Arraial de Piranhas
– Pombal”, autoria do historiador Wilson Seixas.
O
quinto capítulo destaca que “Dois Compromissos: O Civil e o Eclesiástico
organizam a Confraria de Pombal”. No artigo primeiro do compromisso Eclesiático
referenda-se que fica instituída a irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Ambos
são estatutos de criação da confraria negra pombalense.
O
sexto capítulo vai enfatizar a forma como a administração da confraria está
estabelecida, sendo que ambos os compromisso se intercalam divergindo em alguns
aspectos, pois o civil existe a previsão de cargos e mais os femininos. O
sétimo capítulo trata da presença da mulher na irmandade, enquanto o oitavo e o
nono, respectivamente, destacam os reis e rainhas do rosário nos últimos 126
anos.
O
décimo capítulo, o qual traz o título de “Estudo de Ata de Reuniões”, foi
severamente penalizado pela falta de clarividência de alguns, pois o autor não
obteve a necessária autorização para efetivar estudo sobre todas as atas de
reuniões da Irmandade dos negros do Rosário de Pombal, mas, mesmo assim, com o
que dispôs, realizou impecável análise sobre a documentação disponível,
destacando as formações da confraria.
No
décimo primeiro capítulo Jerdivan Nóbrega de Araújo se detém sobre a História
da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pombal, a qual inicialmente esteve
ligada a Nossa Senhora do BomSucesso, da primitiva capelinha ao suntuoso tempo
em estilo barroco que nos dias de hoje enriquece o patrimônio Histórico e
Arquitetônico de Pombal.
O
décimo segundo capítulo intercala o grupo folclórico negros dos pontões ou dos
espontões e a confraria, frisando que, dos três grupos apenas este está
intimamente relacionado à irmandade e à devoção ao Rosário, pois, formados
desde as origens em relação direta com a família Rufino, aventa a hipótese que
Manoel Cachoeira integrasse esse clã negro pombalense.
À
semelhança com o grupo folclórico pombalense, outras localidades espalhadas
Brasil a fora apresentam também os negros dos Pontões, para os quais o mestre
Câmara cascudo definiu nomenclatura própria em seu dicionário do folclore
brasileiro, denominando-os de negros dos Espontões e Dança dos Espontões.
Finalizando
a parte dedicada aos capítulos, Jerdivan frisa que o Rosário adorado pelos
negros de Pombal é o Tecebá Mulçumano, ou seja, marca indelével do sincretismo
religioso no qual o principal da adoração tem relação intrínseca com a expansão
islâmica pela áfrica negra. Muitos
negros chegados ao Brasil como escravos traziam consigo os preceitos do
AlCorão. Ainda hoje verificamos a presença islâmica na cultura brasileira, como
os turbantes ostentados pelas baianas.
Episódios
importantes negados pela História oficial, como a revolta dos Malês, ocorrida
no ano de 1835 na Bahia, estavam marcados pela importância da Jihad, a guerra
santa dos mulçumanos.
Tecebá
é o Rosário dos Malês, de meio metro de comprimento e 99 contas de madeira,
terminando em uma bola em vez de cruz. Incorporado à adoração da confraria de
negros pombalenses, o Tecebá dos negros islamizados afirmam a exponencialidade
do sincretismo cultural que permeia um dos mais significativos marcos culturais
do Estado da Paraíba.
A
obra traz também anexos importantíssimos, como o Compromisso da Irmandade do
Rosário de Nossa Senhora do Rosário da Cidade de Pombal, Província da Paraíba, ou
seja, a Lei Civil Número 858 de 10 de Novembro de 1888, o compromisso
Eclesiástico da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal, listas dos Reis do
Rosário de 1888 a 2013, das rainhas do Rosário de 1948 a 2012, dos irmãos
mesários da Confraria de 1949 a 2014 e da presença das mulheres, finalizando
com riquíssima iconografia, com destaque para raríssima fotografia de 1948 do
Rei Manoel Cachoeira e da Rainha Joaquina da Vassoura.
Referências
bibliográficas extraordinariamente bem aplicadas encerram o trabalho de fôlego
do grande e eminente pesquisador Jerdivan Nóbrega de Araújo, as quais dão
conotação científica à oportuna obra sobre a Irmandade dos Negros do Rosário de
Pombal.
Patrimônio
imaterial do povo paraibano, a festa do Rosário de Pombal está intimamente
relacionada à Irmandade dos Negros do Rosário. Faz-se mister assinalar que o
sagrado e o profano que se intercalam no rito de resistência da confraria negra
pombalense nem sempre tem sido visto com bons olhos pela oficialidade católica.
Padre Acácio Rolim foi um dos que desestimularam a exaustão a tradição
pombalense personificada na grande festa negra de adoração ao Rosário.
Intelectual
irrequieto que vem se notabilizando além das fronteiras estaduais, Jerdivan
Nóbrega de Araújo foi felicíssimo ao trabalhar objeto de estudo que urgia
análise pormenorizada, não obstante percalços apresentados, como a
impossibilidade de se deter sobre importantes documentos referentes às reuniões
da confraria negra pombalense, mas que, no conjunto da obra, enfatizou com
galhardia o que a História feita pelos donos do poder tem relegado, na maioria
das vezes, ao obscurantismo, quer seja, a importância negra em nosso processo
de construção sociocultural.
*José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com. Celulares:
084-9702-3596 (Tim) – 084-8738-0646 (Oi).
Jerdivan Nóbrega de Araújo e a Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/25/2015 06:26:00 PM
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