MARIA BONITA
Severino Coelho Viana |
Por Severino Coelho Viana*
No final do
século XIX houve grupos de bandidos que lutavam contra a opressão dos coronéis
no Brasil: o cangaço. No Nordeste, a miséria assolava. As secas eram
duradouras, tornando o alimento escasso. As disputas por terra eram violentas e
a ordem controlada por coronéis e seus bandos, já que a lei não valia no
sertão. Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, liderou o
bando contra a ditadura dos coronéis. Ao lado de sua companheira, Maria Bonita,
roubava de ricos e
enfrentava a polícia, espalhando o medo por onde passava.
Nascer e
morrer são os polos extremistas da vida, intermediados pela existência. Neste
meio termo, cada um tem um diferencial: se é o destino ou se podemos mudar o
seu percurso. Se não temos escolhas, é o destino; se podemos mudar, é escolha e
atitude. De qualquer modo, não deciframos os mistérios e vivemos no campo dos
caminhos ora diretos, ora tortuosos.
Assim MARIA
GOMES DE OLIVEIRA, depois entrando na história com o nome guerreiro de “Maria Bonita”, nasceu no dia 08 de
março de 1911, numa pequena fazenda Malhada da Caiçara, distrito de Santo
Antônio da Glória do Curral dos Bois, Município de Paulo Afonso, Bahia, filha
de pais humildes: José Gomes de Oliveira (conhecido por Zé de Felipe) e Maria
Joaquina Conceição Oliveira ou Maria Joaquina de Jesus (conhecida popularmente
por Dona Dea), casou-se muito jovem, aos 15 anos, com José Miguel da Silva,
conhecido por Zé Neném. (Fonte: Cangaceiros de Lampião, Bismark de Oliveira).
No pertinente à data de nascimento de Maria Bonita,
cuja data anterior se firmava somente baseada na prova testemunhal, não é a
verdadeira, uma vez que surgiu prova em contrário, sem que houvesse
contestação, segundo o autor Archimedes Marques: “recentemente, na cidade do Crato – CE, no dia 22 de setembro de
2011, o sociólogo e pesquisador Voldi Moura Ribeiro, apresentou oficialmente
aos estudiosos do cangaço e ao público em geral o seu trabalho de pesquisa, com
muitas explicações e evidentes documentos culminando com a prova documental,
UMA CERTIDÃO DE BATISMO, dando conta de que a mesma na verdade nasceu EM 17
DE JANEIRO DE 1910”. (Lampião – Contra o Mata Sete, p.
431).
Com apoio nos argumentos trazidos pelo autor, Roberto
Tapioca, falando sobre a relação sexual do casal afirmou categoricamente: “Mas Maria não vivia satisfeita. Ela sempre
reclamava à sua mãe que o Zé ‘não dava no couro’ e ela era uma mulher jovem
para ter uma vida dessas, que vinha a cada dia entristecendo-a”. (Lampião –
O Mito, p. 32).
Vejamos a versão descrita pelo autor acima
referenciado sobre a tomada de Maria Bonita na frente do marido:
“Lampião ficou curioso em querer
conhecê-la, principalmente quando soube que ‘Zé Neném’ não cumpria com sua
obrigação de marido. Resolveu ir até lá. Ao chegar se deparou com o sapateiro e
com sua linda mulher onde foi logo fazendo uma encomenda de um par de
sandálias, com o pretexto de se achegar e iniciar uma conversa”. “Lampião que
não era de meias palavras, olhou para Maria e foi perguntando:
__ É você que quer vir comigo?
Ela respondeu prontamente:
__ Quero sim.
Zé continuava sentado, de cabeça
baixa, esperando o desfecho da conversa.
Lampião então concluiu:
__ Arruma as tuas coisas que
vamos embora agora.
E continuou:
__ Zé, não to roubando tua
mulher. Ela quer vir comigo por sua própria vontade”.
Maria estava usando aquele
vestido vermelho de bolinhas que tanto gostava. Foi lá dentro, pegou as suas
coisas que não eram muitas e disse:
__ Estou pronta.
Saiu que nem olhou para trás
montando na garupa do cavalo de Lampião rumo ao acampamento. Lampião – O mito, p. 32).
Uma grande polêmica que existe no meio dos estudiosos
do cangaço é quanto ao apelido de MARIA BONITA. Uns afirmam que este apelido só
surgiu depois da extinção do bando de Lampião. Por lado, há a versão de que
fora Lampião que colocara este apelido logo que a apresentou ao bando.
Recorremos mais uma vez ao autor, Roberto Tapioca: “chegando lá, foi apresentada ao grupo:
__ Pessoal, esta é Maria. É
bonita como quê!
Maria ficou espantada com tudo que
via e com o respeito e atenção que todos lhe dispensaram. Olhou para Lampião e
com um sorriso nos lábios comentou:
__ Você me chama de bonita?
Lampião orgulhoso com a sua
conquista retrucou:
__ Você é sim, Maria. Você é
MARIA BONITA”. (Idem
autor e obra, p.p. 32/33)
Ela foi uma criança típica do lugar onde nasceu e
tinha brincadeiras um pouco diferentes das que você conhece hoje: brincava nas
lagoas, fazia bonecas de sabugos de milho – os cabelos do sabugo viravam os
cabelos das bonecas–, andava a cavalo com o pai José Gomes de Oliveira e até
ajudava a plantar milho e feijão. Seus maiores companheiros nas brincadeiras foram
seus irmãos. E ela tinha 11! Segundo Roberto Tapioca cita nominalmente: (Ananias, Benedita, Francisca, Antônia, Arlindo,
Isaias, José Oseias, Nana, Dozinha, Deusinha e Dondon no livro Lampião – O Mito – p.32 ). Mas, como a casa onde moravam era
grande, com muitos quartos, tinha espaço para todo mundo. E tinha também um
pomar, onde dava para brincar de casinha, de esconde-esconde e de cabra-cega.
Primeira
mulher a entrar num bando de cangaceiros, chamada de “Dona Maria” pelos
cangaceiros, quando lhe dirigiam a palavra, ou “a mulher do Capitão”, quando se
referia na condição de participante do bando, enquanto que de forma carinhosa
Lampião a chamava de “Santinha”.
A figura da
mulher, dona de casa e prendada, que vivia somente para dar o apoio material, o
vestir de roupas simples, depois de ingressar no cangaço, modificou
completamente o seu estilo de vida: “mudou
totalmente sua maneira de vestir. Passou a usar roupa de brim, chapéu redondo
de abas, cabelos bem arrumados presos com várias presilhas, um lenço de seda
vermelho de três ângulos amarrado no pescoço, alpercatas baixas, bem resistente”. (Lampião – O Mito, Roberto Tapioca, p.
33). Acrescentamos, o banho de rio ou de riacho, o uso de perfume que fazia com
seu aroma incendiar a caatinga e a floresta..
Na visão de
Ronaldo Pelli: “Maria Gomes de Oliveira
foi uma mulher polêmica. De temperamento forte, foi pioneira no seu métier.
Isso lhe trouxe fama e uma série de histórias controversas, além de um apelido
que assustava as pessoas: Maria Bonita”. (A Vida nem Sempre Bela de Maria
Bonita – artigo publicado em 07/06/2011).
O casal não
teve filhos, pois Zé Neném era estéril. Seu casamento desde o início foi muito
conturbado, ele vivia às turras com Maria. A cada briga do casal, Maria Bonita
refugiava-se na casa dos pais. Falava-se até que houve um briga porque certo
dia ela encontrou no bolso de suas vestimentas um pente com a marca de outra mulher.
E foi, justamente, numa dessas “fugas domésticas” que ela reencontrou
Virgulino, o Lampião, em 1929. Ele e seu grupo estavam passando pela fazenda da
família. Virgulino era antigo conhecido da família Oliveira. Esse seu trajeto
era feito com frequência, uma espécie de parada obrigatória do cangaceiro.
Os pais de
Maria Bonita gostavam muito do “Rei do Cangaço”. Ele era visto com respeito e
admiração pelos fazendeiros, incluindo Maria. Sem querer a mãe da moça serviu
de cupido entre ela e Lampião. Como? Contando ao rapaz a admiração da filha lhe
devotava. Dias depois, Lampião passava pela fazenda e viu Maria. Amor à
primeira vista. Com um tipo físico bem brasileiro: baixinha, rechonchuda, olhos
e cabelos castanhos Maria Bonita era considerada uma mulher interessante. A
atração foi recíproca. A partir daí, começou uma grande história de
companheirismo e (por que não!) amor.
O famoso autor
norte-americano, Billy Jaynes Chandler, explicou na sua obra literária sobre
como se deu o entrosamento de Lampião e Maria Bonita: “Foi a mãe de Maria, conforme
disse um dos cangaceiros do bando, quem contou a Lampião que sua filha tinha
uma grande admiração por ele. Um dia, Maria veio para a fazenda quando Lampião
estava lá, e o cangaceiro sentiu por ela amor à primeira vista. Alguns dias
depois, quando o bando foi embora, Lampião a levou também, com o consentimento
e as bênçãos da mãe” .(Lampião – O
Rei dos Cangaceiros, p. 203).
Outra versão
divergente levantada pelo autor, Anildomá Willians de Souza sobre o início do romance
entre Lampião e Maria Bonita, dessa forma se expressou: “correndo pra cima e pra baixo,
chegando nas vilas, povoados e cidades, irradiando justiça, medo, certeza e
perspectiva de dias melhores, chega Lampião num final de tarde em Santa
Brígida, na Bahia e vai direto a casa do sapateiro José Neném (José Miguel da
Silva) procurar uma encomendas que dias antes havia encomendado a um coiteiro.
Precisava de alpargatas novas, consertar algumas e receber uns couros para os
bornais e bandoleiros. No meio da conversa percebeu Lampião que a mulher do
sapateiro não tirava os olhos de cima dele e ficava o tempo todo soltando laços
de fita. A princípio não deu atenção, mas depois soube que a dona Maria de
Neném (seu verdadeiro nome era Maria Gomes de Oliveira, nascida no dia 08 de
março de 1911, na fazenda Caiçara, era filha de José Gomes de Oliveira e
Joaquina Conceição Oliveira) viva em constantes desentendimento com o marido.
Foi a brecha que o Comandante das Caatingas precisava para o seu coração e sua
alma se entrelaçarem nas garras do ‘feitiço atrativo do amor...’ Poucos dias
depois ele saiu daquele vilarejo poeirento com a Maria Bonita na garupa do seu
cavalo, seguido por dezenas de cangaceiros. Era 1930”. (Lampião – O Comandante das
Caatingas, p. 111)
Em entrevista
o escritor João de Sousa Lima deu a seguinte versão sobre quem alcovitara o
romance dos dois: “Ela conheceu
Lampião em 1929. Foi apresentada pelo tio Odilon Café e estava separada do
antigo marido havia 15 dias. Com o cangaceiro, teve quatro filhos: dois
abortos, a Expedita e o Ananias, o qual morreu no ano passado tentando provar
esta paternidade - o resultado do DNA corre em segredo de justiça”. (Reportagem
RHBN de maio 2011 – Fascinantes Facínoras). E continua o desdobramento do
raciocínio: Ela não se tornou símbolo do
feminismo brasileiro, ela se tornou sinônimo de mulher corajosa, decidida, que
rompeu parâmetros de uma época para seguir um grupo comandado por um homem que
vivia à margem da lei. Pode ter se tornado exemplo para algumas outras mulheres,
porém não foi intencional, ela foi para o cangaço apenas por ter se apaixonado
por Lampião”. A dissertação traz mais um reforço: “Maria Bonita era uma mulher corajosa, decidida, acima de tudo
apaixonada pelo homem que ela decidiu seguir. Foi menina, criança, amiga,
companheira e mãe. Tomou banho de chuva, se molhou em biqueiras e barreiros,
fez bonecas de pano e de milho, correu, caiu levantou, amou, sofreu, sorriu,
chorou, colheu flores, sentiu o calor causticante do sertão, divisou o verde em
certos momentos, foi amada, ferida, feliz e sofrida, foi mulher sertaneja, de
brio, forte, serena, severa, amamentou, partiu, voltou, tombou crivada de
balas, uma mulher comum, porém com uma história diferenciada de todas as outras
de sua época e de seu convívio”.
Na ótica da
neta de Lampião contando a história do romance: “Foi de passagem pela propriedade dos coiteiros: Zé Filipe
e Dona Deia, no povoado de Malhada da Caiçara, em Paulo Afonso, que Lampião se
engraçou no final de 1929 por Maria "da Deia", filha do casal de 18
anos que estava de volta à casa dos pais após mais uma briga com o marido, o
sapateiro Zé Nenê. A aproximação de Lampião foi forjada por meio de uma
"encomenda": segundo os parentes de Maria Bonita, Lampião solicitou
que ela e suas irmãs bordassem as iniciais "CV" (Capitão Virgulino)
em quinze lenços de seda, com a promessa de que em menos de um mês voltaria
para buscá-los. "Minha família conta que ele demorou bem mais do que o
prometido, mas, quando voltou, teve início o namoro com minha avó", diz
Vera Ferreira, historiadora e neta de Lampião e Maria Bonita que vive hoje na
cidade de Aracaju, em Sergipe, coautora do livro Bonita Maria do Capitão, uma
coletânea de relatos e imagens da avó. Ela conta que somente após seus bisavós
decidirem mudar para Alagoas após serem perseguidos por dar guarida a Lampião,
que Maria Bonita tomou a decisão de ingressar no cangaço”.(Bonita Maria do Capitão – Vera Ferreira e Germana Gonçalves).
Um ano depois
de conhecer Maria, Lampião chamou a “mulher” para integrar o bando. Nesse
momento, Maria Bonita entrou para a história, como primeira mulher a fazer
parte de um grupo do Cangaço. Depois dela, outras mulheres passaram a integrar
os bandos. Maria Bonita conviveu durante oito anos com Lampião. Teve uma filha,
Expedita, e três filhos que nasceram mortos ou teve abortos. Como seguidora do
bando, Maria foi ferida apenas uma vez. No dia 28 de julho de 1938, durante um
ataque ao bando um dos casais mais famosos do País foi brutalmente assassinado.
Segundo depoimento dos médicos que fizeram a autópsia do casal, Maria Bonita
foi degolada viva.
A
presença das mulheres exigiu a criação de novas regras para definir o papel
delas no bando. Mesmo não participando diretamente nos combates, tinham que
aprender a atirar para se defender. "Em geral, elas portavam revólveres de calibre 28 e
32 e pequenos punhais para proteção",
diz Germana Gonçalves de Araújo, coautora do livro Bonita Maria do Capitão. Além disso, nenhuma
mulher podia entrar no bando sem já estar atrelada a um cangaceiro. Casos de
traição costumavam ser punidos com execução, e há relatos até de viúvas que,
não conseguindo mais se unir a outro cangaceiro, foram executadas para não se
tornarem um fardo para o grupo ou presas fáceis pela polícia. As crianças que
nascessem no cangaço tampouco poderiam permanecer no bando, tendo que ser
entregues para outras famílias.
Com a entrada
de mulher no cangaço as regras de convivência grupal foram alteradas,
inclusive, havendo abrandamento no modo de agir e na forma de punição dos
desafetos. Além disso, a presença de mulheres em
meio a cabras armados tornou-se uma ameaça constante de conflitos em casos de
ciúme e traição. Quanto ao motivo místico em torno da presença da mulher,
estava a crença de que elas abriam "o corpo fechado" do cangaceiro. "Homem de
batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e
seu corpo fica como uma melancia, qualquer bala atravessa", já dizia o
cangaceiro Balão em depoimento transcrito no livro Guerreiros do Sol, do historiador
Frederico Pernambucano de Mello.
Sinhô
Pereira, cangaceiro lendário que havia chefiado Lampião, se disse surpreso com
a novidade: "Fiquei muito admirado quando soube que Lampião havia
consentido que as mulheres ingressassem no cangaço. Eu nunca permiti. Nem
permitiria". Ou seja: mais do que a decisão de Maria Bonita, foi a
permissão de Lampião do ingresso da baiana no grupo que mudou o cotidiano do
cangaço. "Com a entrada de Maria para o bando, os outros cabras puderam
juntar suas mulheres ao grupo", diz a historiadora
Isabel Lustosa, autora de De Olho em Lampião.
De
acordo com o relato de cangaceiros e historiadores, a presença de Maria Bonita
e de outras mulheres deu início a uma fase menos violenta do bando de Lampião,
cujas ações passaram a ser mais seletivas e centradas na coleta de dinheiro (os
resgates como garantia de que não tomariam de assalto uma cidade ou
propriedade). Além de ações mais estratégicas, semelhantes às de organizações
mafiosas, há relatos de que Maria Bonita intercedeu mais de uma vez pela vida
de pessoas capturadas pelo bando. "Lampião costumava atender seus pedidos de
clemência e, de resto, tanto pela idade dos cangaceiros quanto pelo ambiente
doméstico que as mulheres trouxeram para os acampamentos, houve uma redução da
violência de suas ações", diz Isabel Lustosa. "A
presença de Maria Bonita e outras mulheres inibiu os casos de estupros", aduziu
João de Sousa Lima, pesquisador da vida de Maria Bonita. "Até
porque os relatos daqueles que conviveram com o bando são unânimes quanto ao
respeito que a presença dela inspirava no grupo." Como mulher do rei do
cangaço, o respeito incluía o direito a uma espécie de guarda e secretário
particular, conhecido por Sabonete. "Polia-lhe as joias, ocupava-se dos
seus recados, de suas finanças, farmácia, armas e tudo mais da esfera pessoal,
desfrutando nessa curiosa função de mordomo das caatingas do agrado de sua
rainha e do capitão, seu rei", confirmou Pernambucano
de Mello.
A
presença das mulheres exigiu a criação de novas regras para definir o papel
delas no bando. Uns autores já afirmaram que Maria Bonita teve participação
ativa em tiroteio, quando saiu baleada; outros, que não havia participação
diretamente nos combates, elas tinham que aprender a atirar para se defender. "Em
geral, elas portavam revólveres de calibre 28 e 32 e pequenos punhais para
proteção", expôs Germana Gonçalves de Araújo, coautora do livro Bonita Maria do Capitão.
Anildomá
William de Souza narrando o episódio do último tiroteio de Angicos mostrou que
Maria Bonita participou do tiroteio com palavras cristalinas: “apavorados, os cangaceiros viram Lampião sacudir-se rápido como
um choque elétrico, com o tiro que lhe atingira a cabeça. Logo depois, outro
tiro no peito fazia rodopiar e cair brutalmente no solo, jogando longe a caneca
de café que tinha na mão. Foi como se o inverno desabasse. Rajadas de
metralhadoras e tiros de fuzis se confundiam com os gritos e palavrões dos
bandidos, que corriam para todo lado procurando abrigar-se. MARIA BONITA
EMPUNHOU A PISTOLA e correu na direção de Lampião”... “Chorando feito louca,
MARIA BONITA, ATIRANDO A ESMO, gritou para Luiz Pedro: - Luiz, você garantiu
que nunca abandonaria seu compadre Lampião! Por Deus, nos ajude! Aí Luiz Pedro
Estancou. Jogando-se junto ao corpo de Lampião e começou a atirar até que uma
bala varou-lhe as costas”. (Lampião – O Comandante das Caatingas, p.p. 121/122/123).
0
caso de Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita,nascera no dia 13 de
setembro de 1932, debaixo de um pé de umbu numa fazenda em Porto da Folha,
Sergipe, Estado em que ainda reside prestes a completar 81 anos de idade.
Entregue ao casal de vaqueiros Aurora e Severo Mamede, com quem foi criada até
os 8 anos como uma das 11 filhas do casal, Expedita recebia sempre que possível
a visita dos pais famosos. "Os
encontros com minha mãe se davam na fazenda, e ao menos em uma ocasião no meio
da caatinga", contou
Vera Ferreira, neta dos cangaceiros. "Num desses
encontros, minha mãe conta que foi a fisionomia do pai que mais lhe
marcara." Ainda
que não se metessem diretamente nas ações, as mulheres não estavam imunes aos
combates. Três anos após o nascimento de Expedita, Maria Bonita foi baleada pelas costas após um ataque comandado
por Lampião na Vila Serrinha do Catimbau, próxima da cidade de Garanhuns, em
Pernambuco. Alvo fácil da artilharia por estar usando vestido branco, ela
teve que ser levada às pressas para um local de difícil acesso na caatinga para
ser tratada pelo grupo.
O amor de
Lampião e Maria Bonita, fogoso e arriscado, podemos assim chamá-lo de
verdadeiramente: AMOR BANDIDO, tomado do primeiro esposo, embrenhou-se no meio
da caatinga, com altivez transformou-se na rainha de homens suados, queimados
do sol, brilhantina nos cabelos e perfumes de forte olor, armados de revólver,
pistola, fuzil e valentes feitos feras bravias.
Relatos
de cangaceiros confirmaram que o casal tinha o que se pode chamar de uma
convivência harmoniosa. "Nunca ouvi reclamarem. Eles se acostumavam. Nem
faziam futuro, nem pensavam em morrer, porque eles sabiam que a qualquer
momento podia acontecer, daí o que viesse estava bom", disse
em 2009, em depoimento, o cangaceiro Vinte e Cinco. De acordo com o
pensamento dele, esse clima quase romântico, de foras da lei, enfrentando seu
destino sem muita preocupação, se estendia ao resto do grupo. "Chegasse
o momento em que podíamos dançar, nós dançávamos; na hora de correr, nós
corríamos; na hora de brigar, brigávamos; e a gente queria terminar aquele
negócio logo, era matar ou morrer."
A
morte viria de barco pelo Rio São Francisco no raiar do dia 28 de julho de
1938, na Grota de Angico, em Sergipe, no trecho do rio que faz divisa com o
Estado de Alagoas. Vinda da vizinha cidade alagoana de Piranhas, na outra
margem, de onde partiu na véspera o tenente João Bezerra da Silva, acompanhado
de 45 homens e três metralhadoras, com a determinação de exterminar o bando
mais famoso do país.
Depois
de prenderem o coiteiro Pedro Cândido, receberam a informação do esconderijo de
Lampião. As forças policiais atravessaram o rio em direção ao acampamento,
cercado de vegetação espinhenta - o local hoje faz parte da trilha do cangaço,
um dos passeios oferecidos aos turistas que partem do litoral de Alagoas ou
Sergipe em direção aos belos cânions do Rio São Francisco. Por ser um refúgio
com uma única saída, o esconderijo era visto com maus olhos por quase todos os
outros cangaceiros. Corisco, por exemplo, já tinha alertado Lampião de que
considerava o local uma "cova de defunto". O líder do bando, no
entanto, ignorou todos os conselhos e resolveu pernoitar ali.
Antes
do nascer do sol, os volantes se dividiram em quatro grupos para cercar o
acampamento. Assim que o dia começou a clarear e os primeiros cangaceiros
saíram de suas tendas, o fogo abriu. Apesar dos 20 minutos de tiros e rajadas
de metralhadoras, somente onze cangaceiros morreram. Outros 40 conseguiram
escapar. Quando um dos volantes confirmou que "o
cego também morreu", em referência à Lampião (que usava óculos sem grau para
disfarçar um ferimento em um olho), e que Maria Bonita havia caído com ele, o
tenente Bezerra presumiu a sua entrada para a história. Para encerrar o
episódio, faltava apenas um último ritual: decepar as cabeças para provar que,
dessa vez, não se tratava de uma notícia falsa como há de 12 anos. De acordo
com exames de medicina legal realizados pelo Instituto Nina Rodrigues, em
Salvador, Maria Bonita estava viva quando teve a cabeça decepada.
Após
a exposição macabra percorreram várias cidades do Nordeste, as cabeças
embalsamadas foram levadas ao Instituto Nina Rodrigues, onde ficariam até 1962
- quando parentes dos cangaceiros exigiram o sepultamento delas. Com o fim do
bando, pensava-se que o cangaço estava com os dias contados. Esperava-se o seu
capítulo final com a morte de Corisco, que tentou suceder Lampião. Ele foi
morto em uma emboscada em 1940, quando estava prestes a se entregar após Vargas
promulgar lei concedendo anistia aos cangaceiros que se rendessem. No entanto,
hoje, percebemos que o cangaço nunca acabou, mudou a forma e o estilo de
atuação dos modernos cangaceiros.
Um
ano após a morte de Lampião, o mundo entraria na Segunda Guerra, o Brasil se
industrializaria e as histórias de Lampião e Maria Bonita ficaram como pilares
indicadores para um novo aperfeiçoamento de métodos, recebendo a ajuda do
processo tecnológico que facilita para a prática de delitos e dificultam os
seus desdobramentos. A essência do banditismo não morrerá
A nosso
sentir, a história do cangaço no Nordeste brasileiro ainda tem muitos fatos e
mistérios a serem desvendados, apesar de já se ter pesquisado muitos
acontecimentos, mas a sociologia e a história ninguém fecha um assunto na sua
plenitude, além de depender da ótica, direcionamento, posicionamento ideológico
do autor. A história deve ser analisada com um grau de relatividade, pois
certeza absoluta não é o caminho aconselhável para quem busca a checagem do
conhecimento. A cada dia aparece um fato novo e uma interpretação diferente.
Todavia,
as histórias de Lampião e Maria Bonita influenciariam a cultura na música,
cinema, teatro, artesanato, moda - Maria Bonita é hoje nome de grife em
desfiles concorridos do país. Como as cangaceiras usavam saias até o joelho,
era necessário o uso de meias elásticas e perneiras de couro ou de tecido
grosso. Bordados.
João Pessoa, 28
de janeiro de 2015.
*Escritor pombalense e Promotor de Justiça em João Pessoa-PB
MARIA BONITA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/28/2015 12:20:00 PM
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