banner

MARIA BONITA




Severino Coelho Viana
 Por Severino Coelho Viana*


 No final do século XIX houve grupos de bandidos que lutavam contra a opressão dos coronéis no Brasil: o cangaço. No Nordeste, a miséria assolava. As secas eram duradouras, tornando o alimento escasso. As disputas por terra eram violentas e a ordem controlada por coronéis e seus bandos, já que a lei não valia no sertão. Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, liderou o bando contra a ditadura dos coronéis. Ao lado de sua companheira, Maria Bonita, roubava de ricos e
enfrentava a polícia, espalhando o medo por onde passava.
Nascer e morrer são os polos extremistas da vida, intermediados pela existência. Neste meio termo, cada um tem um diferencial: se é o destino ou se podemos mudar o seu percurso. Se não temos escolhas, é o destino; se podemos mudar, é escolha e atitude. De qualquer modo, não deciframos os mistérios e vivemos no campo dos caminhos ora diretos, ora tortuosos.
Assim MARIA GOMES DE OLIVEIRA, depois entrando na história com o nome guerreiro de “Maria Bonita”, nasceu no dia 08 de março de 1911, numa pequena fazenda Malhada da Caiçara, distrito de Santo Antônio da Glória do Curral dos Bois, Município de Paulo Afonso, Bahia, filha de pais humildes: José Gomes de Oliveira (conhecido por Zé de Felipe) e Maria Joaquina Conceição Oliveira ou Maria Joaquina de Jesus (conhecida popularmente por Dona Dea), casou-se muito jovem, aos 15 anos, com José Miguel da Silva, conhecido por Zé Neném. (Fonte: Cangaceiros de Lampião, Bismark de Oliveira).
No pertinente à data de nascimento de Maria Bonita, cuja data anterior se firmava somente baseada na prova testemunhal, não é a verdadeira, uma vez que surgiu prova em contrário, sem que houvesse contestação, segundo o autor Archimedes Marques: recentemente, na cidade do Crato – CE, no dia 22 de setembro de 2011, o sociólogo e pesquisador Voldi Moura Ribeiro, apresentou oficialmente aos estudiosos do cangaço e ao público em geral o seu trabalho de pesquisa, com muitas explicações e evidentes documentos culminando com a prova documental, UMA CERTIDÃO DE BATISMO, dando conta de que a mesma na verdade nasceu EM 17 DE JANEIRO DE 1910”. (Lampião – Contra o Mata Sete, p. 431).
Com apoio nos argumentos trazidos pelo autor, Roberto Tapioca, falando sobre a relação sexual do casal afirmou categoricamente: “Mas Maria não vivia satisfeita. Ela sempre reclamava à sua mãe que o Zé ‘não dava no couro’ e ela era uma mulher jovem para ter uma vida dessas, que vinha a cada dia entristecendo-a”. (Lampião – O Mito, p. 32).
Vejamos a versão descrita pelo autor acima referenciado sobre a tomada de Maria Bonita na frente do marido:
“Lampião ficou curioso em querer conhecê-la, principalmente quando soube que ‘Zé Neném’ não cumpria com sua obrigação de marido. Resolveu ir até lá. Ao chegar se deparou com o sapateiro e com sua linda mulher onde foi logo fazendo uma encomenda de um par de sandálias, com o pretexto de se achegar e iniciar uma conversa”. “Lampião que não era de meias palavras, olhou para Maria e foi perguntando:
__ É você que quer vir comigo?
Ela respondeu prontamente:
__ Quero sim.
Zé continuava sentado, de cabeça baixa, esperando o desfecho da conversa.
Lampião então concluiu:
__ Arruma as tuas coisas que vamos embora agora.
E continuou:
__ Zé, não to roubando tua mulher. Ela quer vir comigo por sua própria vontade”.
Maria estava usando aquele vestido vermelho de bolinhas que tanto gostava. Foi lá dentro, pegou as suas coisas que não eram muitas e disse:
__ Estou pronta.
Saiu que nem olhou para trás montando na garupa do cavalo de Lampião rumo ao acampamento. Lampião – O mito, p. 32).
Uma grande polêmica que existe no meio dos estudiosos do cangaço é quanto ao apelido de MARIA BONITA. Uns afirmam que este apelido só surgiu depois da extinção do bando de Lampião. Por lado, há a versão de que fora Lampião que colocara este apelido logo que a apresentou ao bando. Recorremos mais uma vez ao autor, Roberto Tapioca: “chegando lá, foi apresentada ao grupo:
__ Pessoal, esta é Maria. É bonita como quê!
Maria ficou espantada com tudo que via e com o respeito e atenção que todos lhe dispensaram. Olhou para Lampião e com um sorriso nos lábios comentou:
__ Você me chama de bonita?
Lampião orgulhoso com a sua conquista retrucou:
__ Você é sim, Maria. Você é MARIA BONITA”. (Idem autor e obra, p.p. 32/33)
Ela foi uma criança típica do lugar onde nasceu e tinha brincadeiras um pouco diferentes das que você conhece hoje: brincava nas lagoas, fazia bonecas de sabugos de milho – os cabelos do sabugo viravam os cabelos das bonecas–, andava a cavalo com o pai José Gomes de Oliveira e até ajudava a plantar milho e feijão. Seus maiores companheiros nas brincadeiras foram seus irmãos. E ela tinha 11! Segundo Roberto Tapioca cita nominalmente: (Ananias, Benedita, Francisca, Antônia, Arlindo, Isaias, José Oseias, Nana, Dozinha, Deusinha e Dondon no livro Lampião – O Mito – p.32 ). Mas, como a casa onde moravam era grande, com muitos quartos, tinha espaço para todo mundo. E tinha também um pomar, onde dava para brincar de casinha, de esconde-esconde e de cabra-cega.
Primeira mulher a entrar num bando de cangaceiros, chamada de “Dona Maria” pelos cangaceiros, quando lhe dirigiam a palavra, ou “a mulher do Capitão”, quando se referia na condição de participante do bando, enquanto que de forma carinhosa Lampião a chamava de “Santinha”.
A figura da mulher, dona de casa e prendada, que vivia somente para dar o apoio material, o vestir de roupas simples, depois de ingressar no cangaço, modificou completamente o seu estilo de vida: mudou totalmente sua maneira de vestir. Passou a usar roupa de brim, chapéu redondo de abas, cabelos bem arrumados presos com várias presilhas, um lenço de seda vermelho de três ângulos amarrado no pescoço, alpercatas baixas, bem resistente”. (Lampião – O Mito, Roberto Tapioca, p. 33). Acrescentamos, o banho de rio ou de riacho, o uso de perfume que fazia com seu aroma incendiar a caatinga e a floresta..
 Na visão de Ronaldo Pelli: “Maria Gomes de Oliveira foi uma mulher polêmica. De temperamento forte, foi pioneira no seu métier. Isso lhe trouxe fama e uma série de histórias controversas, além de um apelido que assustava as pessoas: Maria Bonita”. (A Vida nem Sempre Bela de Maria Bonita – artigo publicado em 07/06/2011).
O casal não teve filhos, pois Zé Neném era estéril. Seu casamento desde o início foi muito conturbado, ele vivia às turras com Maria. A cada briga do casal, Maria Bonita refugiava-se na casa dos pais. Falava-se até que houve um briga porque certo dia ela encontrou no bolso de suas vestimentas um pente com a marca de outra mulher. E foi, justamente, numa dessas “fugas domésticas” que ela reencontrou Virgulino, o Lampião, em 1929. Ele e seu grupo estavam passando pela fazenda da família. Virgulino era antigo conhecido da família Oliveira. Esse seu trajeto era feito com frequência, uma espécie de parada obrigatória do cangaceiro.
Os pais de Maria Bonita gostavam muito do “Rei do Cangaço”. Ele era visto com respeito e admiração pelos fazendeiros, incluindo Maria. Sem querer a mãe da moça serviu de cupido entre ela e Lampião. Como? Contando ao rapaz a admiração da filha lhe devotava. Dias depois, Lampião passava pela fazenda e viu Maria. Amor à primeira vista. Com um tipo físico bem brasileiro: baixinha, rechonchuda, olhos e cabelos castanhos Maria Bonita era considerada uma mulher interessante. A atração foi recíproca. A partir daí, começou uma grande história de companheirismo e (por que não!) amor.
O famoso autor norte-americano, Billy Jaynes Chandler, explicou na sua obra literária sobre como se deu o entrosamento de Lampião e Maria Bonita: Foi a mãe de Maria, conforme disse um dos cangaceiros do bando, quem contou a Lampião que sua filha tinha uma grande admiração por ele. Um dia, Maria veio para a fazenda quando Lampião estava lá, e o cangaceiro sentiu por ela amor à primeira vista. Alguns dias depois, quando o bando foi embora, Lampião a levou também, com o consentimento e as bênçãos da mãe” .(Lampião – O Rei dos Cangaceiros, p. 203).
Outra versão divergente levantada pelo autor, Anildomá Willians de Souza sobre o início do romance entre Lampião e Maria Bonita, dessa forma se expressou: correndo pra cima e pra baixo, chegando nas vilas, povoados e cidades, irradiando justiça, medo, certeza e perspectiva de dias melhores, chega Lampião num final de tarde em Santa Brígida, na Bahia e vai direto a casa do sapateiro José Neném (José Miguel da Silva) procurar uma encomendas que dias antes havia encomendado a um coiteiro. Precisava de alpargatas novas, consertar algumas e receber uns couros para os bornais e bandoleiros. No meio da conversa percebeu Lampião que a mulher do sapateiro não tirava os olhos de cima dele e ficava o tempo todo soltando laços de fita. A princípio não deu atenção, mas depois soube que a dona Maria de Neném (seu verdadeiro nome era Maria Gomes de Oliveira, nascida no dia 08 de março de 1911, na fazenda Caiçara, era filha de José Gomes de Oliveira e Joaquina Conceição Oliveira) viva em constantes desentendimento com o marido. Foi a brecha que o Comandante das Caatingas precisava para o seu coração e sua alma se entrelaçarem nas garras do ‘feitiço atrativo do amor...’ Poucos dias depois ele saiu daquele vilarejo poeirento com a Maria Bonita na garupa do seu cavalo, seguido por dezenas de cangaceiros. Era 1930”. (Lampião – O Comandante das Caatingas, p. 111)
Em entrevista o escritor João de Sousa Lima deu a seguinte versão sobre quem alcovitara o romance dos dois: “Ela conheceu Lampião em 1929. Foi apresentada pelo tio Odilon Café e estava separada do antigo marido havia 15 dias. Com o cangaceiro, teve quatro filhos: dois abortos, a Expedita e o Ananias, o qual morreu no ano passado tentando provar esta paternidade - o resultado do DNA corre em segredo de justiça”. (Reportagem RHBN de maio 2011 – Fascinantes Facínoras). E continua o desdobramento do raciocínio: Ela não se tornou símbolo do feminismo brasileiro, ela se tornou sinônimo de mulher corajosa, decidida, que rompeu parâmetros de uma época para seguir um grupo comandado por um homem que vivia à margem da lei. Pode ter se tornado exemplo para algumas outras mulheres, porém não foi intencional, ela foi para o cangaço apenas por ter se apaixonado por Lampião”. A dissertação traz mais um reforço: “Maria Bonita era uma mulher corajosa, decidida, acima de tudo apaixonada pelo homem que ela decidiu seguir. Foi menina, criança, amiga, companheira e mãe. Tomou banho de chuva, se molhou em biqueiras e barreiros, fez bonecas de pano e de milho, correu, caiu levantou, amou, sofreu, sorriu, chorou, colheu flores, sentiu o calor causticante do sertão, divisou o verde em certos momentos, foi amada, ferida, feliz e sofrida, foi mulher sertaneja, de brio, forte, serena, severa, amamentou, partiu, voltou, tombou crivada de balas, uma mulher comum, porém com uma história diferenciada de todas as outras de sua época e de seu convívio”.
 Na ótica da neta de Lampião contando a história do romance: Foi de passagem pela propriedade dos coiteiros: Zé Filipe e Dona Deia, no povoado de Malhada da Caiçara, em Paulo Afonso, que Lampião se engraçou no final de 1929 por Maria "da Deia", filha do casal de 18 anos que estava de volta à casa dos pais após mais uma briga com o marido, o sapateiro Zé Nenê. A aproximação de Lampião foi forjada por meio de uma "encomenda": segundo os parentes de Maria Bonita, Lampião solicitou que ela e suas irmãs bordassem as iniciais "CV" (Capitão Virgulino) em quinze lenços de seda, com a promessa de que em menos de um mês voltaria para buscá-los. "Minha família conta que ele demorou bem mais do que o prometido, mas, quando voltou, teve início o namoro com minha avó", diz Vera Ferreira, historiadora e neta de Lampião e Maria Bonita que vive hoje na cidade de Aracaju, em Sergipe, coautora do livro Bonita Maria do Capitão, uma coletânea de relatos e imagens da avó. Ela conta que somente após seus bisavós decidirem mudar para Alagoas após serem perseguidos por dar guarida a Lampião, que Maria Bonita tomou a decisão de ingressar no cangaço”.(Bonita Maria do Capitão – Vera Ferreira e Germana Gonçalves).
Um ano depois de conhecer Maria, Lampião chamou a “mulher” para integrar o bando. Nesse momento, Maria Bonita entrou para a história, como primeira mulher a fazer parte de um grupo do Cangaço. Depois dela, outras mulheres passaram a integrar os bandos. Maria Bonita conviveu durante oito anos com Lampião. Teve uma filha, Expedita, e três filhos que nasceram mortos ou teve abortos. Como seguidora do bando, Maria foi ferida apenas uma vez. No dia 28 de julho de 1938, durante um ataque ao bando um dos casais mais famosos do País foi brutalmente assassinado. Segundo depoimento dos médicos que fizeram a autópsia do casal, Maria Bonita foi degolada viva.
A presença das mulheres exigiu a criação de novas regras para definir o papel delas no bando. Mesmo não participando diretamente nos combates, tinham que aprender a atirar para se defender. "Em geral, elas portavam revólveres de calibre 28 e 32 e pequenos punhais para proteção", diz Germana Gonçalves de Araújo, coautora do livro Bonita Maria do Capitão. Além disso, nenhuma mulher podia entrar no bando sem já estar atrelada a um cangaceiro. Casos de traição costumavam ser punidos com execução, e há relatos até de viúvas que, não conseguindo mais se unir a outro cangaceiro, foram executadas para não se tornarem um fardo para o grupo ou presas fáceis pela polícia. As crianças que nascessem no cangaço tampouco poderiam permanecer no bando, tendo que ser entregues para outras famílias.
Com a entrada de mulher no cangaço as regras de convivência grupal foram alteradas, inclusive, havendo abrandamento no modo de agir e na forma de punição dos desafetos. Além disso, a presença de mulheres em meio a cabras armados tornou-se uma ameaça constante de conflitos em casos de ciúme e traição. Quanto ao motivo místico em torno da presença da mulher, estava a crença de que elas abriam "o corpo fechado" do cangaceiro. "Homem de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e seu corpo fica como uma melancia, qualquer bala atravessa", já dizia o cangaceiro Balão em depoimento transcrito no livro Guerreiros do Sol, do historiador Frederico Pernambucano de Mello.
Sinhô Pereira, cangaceiro lendário que havia chefiado Lampião, se disse surpreso com a novidade: "Fiquei muito admirado quando soube que Lampião havia consentido que as mulheres ingressassem no cangaço. Eu nunca permiti. Nem permitiria". Ou seja: mais do que a decisão de Maria Bonita, foi a permissão de Lampião do ingresso da baiana no grupo que mudou o cotidiano do cangaço. "Com a entrada de Maria para o bando, os outros cabras puderam juntar suas mulheres ao grupo", diz a historiadora Isabel Lustosa, autora de De Olho em Lampião.
De acordo com o relato de cangaceiros e historiadores, a presença de Maria Bonita e de outras mulheres deu início a uma fase menos violenta do bando de Lampião, cujas ações passaram a ser mais seletivas e centradas na coleta de dinheiro (os resgates como garantia de que não tomariam de assalto uma cidade ou propriedade). Além de ações mais estratégicas, semelhantes às de organizações mafiosas, há relatos de que Maria Bonita intercedeu mais de uma vez pela vida de pessoas capturadas pelo bando. "Lampião costumava atender seus pedidos de clemência e, de resto, tanto pela idade dos cangaceiros quanto pelo ambiente doméstico que as mulheres trouxeram para os acampamentos, houve uma redução da violência de suas ações", diz Isabel Lustosa. "A presença de Maria Bonita e outras mulheres inibiu os casos de estupros", aduziu João de Sousa Lima, pesquisador da vida de Maria Bonita. "Até porque os relatos daqueles que conviveram com o bando são unânimes quanto ao respeito que a presença dela inspirava no grupo." Como mulher do rei do cangaço, o respeito incluía o direito a uma espécie de guarda e secretário particular, conhecido por Sabonete. "Polia-lhe as joias, ocupava-se dos seus recados, de suas finanças, farmácia, armas e tudo mais da esfera pessoal, desfrutando nessa curiosa função de mordomo das caatingas do agrado de sua rainha e do capitão, seu rei", confirmou Pernambucano de Mello.
A presença das mulheres exigiu a criação de novas regras para definir o papel delas no bando. Uns autores já afirmaram que Maria Bonita teve participação ativa em tiroteio, quando saiu baleada; outros, que não havia participação diretamente nos combates, elas tinham que aprender a atirar para se defender. "Em geral, elas portavam revólveres de calibre 28 e 32 e pequenos punhais para proteção", expôs Germana Gonçalves de Araújo, coautora do livro Bonita Maria do Capitão.
Anildomá William de Souza narrando o episódio do último tiroteio de Angicos mostrou que Maria Bonita participou do tiroteio com palavras cristalinas: “apavorados, os cangaceiros viram Lampião sacudir-se rápido como um choque elétrico, com o tiro que lhe atingira a cabeça. Logo depois, outro tiro no peito fazia rodopiar e cair brutalmente no solo, jogando longe a caneca de café que tinha na mão. Foi como se o inverno desabasse. Rajadas de metralhadoras e tiros de fuzis se confundiam com os gritos e palavrões dos bandidos, que corriam para todo lado procurando abrigar-se. MARIA BONITA EMPUNHOU A PISTOLA e correu na direção de Lampião”... “Chorando feito louca, MARIA BONITA, ATIRANDO A ESMO, gritou para Luiz Pedro: - Luiz, você garantiu que nunca abandonaria seu compadre Lampião! Por Deus, nos ajude! Aí Luiz Pedro Estancou. Jogando-se junto ao corpo de Lampião e começou a atirar até que uma bala varou-lhe as costas”. (Lampião – O Comandante das Caatingas, p.p. 121/122/123).
 0 caso de Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita,nascera no dia 13 de setembro de 1932, debaixo de um pé de umbu numa fazenda em Porto da Folha, Sergipe, Estado em que ainda reside prestes a completar 81 anos de idade. Entregue ao casal de vaqueiros Aurora e Severo Mamede, com quem foi criada até os 8 anos como uma das 11 filhas do casal, Expedita recebia sempre que possível a visita dos pais famosos. "Os encontros com minha mãe se davam na fazenda, e ao menos em uma ocasião no meio da caatinga", contou Vera Ferreira, neta dos cangaceiros. "Num desses encontros, minha mãe conta que foi a fisionomia do pai que mais lhe marcara." Ainda que não se metessem diretamente nas ações, as mulheres não estavam imunes aos combates. Três anos após o nascimento de Expedita, Maria Bonita foi baleada pelas costas após um ataque comandado por Lampião na Vila Serrinha do Catimbau, próxima da cidade de Garanhuns, em Pernambuco. Alvo fácil da artilharia por estar usando vestido branco, ela teve que ser levada às pressas para um local de difícil acesso na caatinga para ser tratada pelo grupo.
O amor de Lampião e Maria Bonita, fogoso e arriscado, podemos assim chamá-lo de verdadeiramente: AMOR BANDIDO, tomado do primeiro esposo, embrenhou-se no meio da caatinga, com altivez transformou-se na rainha de homens suados, queimados do sol, brilhantina nos cabelos e perfumes de forte olor, armados de revólver, pistola, fuzil e valentes feitos feras bravias.
Relatos de cangaceiros confirmaram que o casal tinha o que se pode chamar de uma convivência harmoniosa. "Nunca ouvi reclamarem. Eles se acostumavam. Nem faziam futuro, nem pensavam em morrer, porque eles sabiam que a qualquer momento podia acontecer, daí o que viesse estava bom", disse em 2009, em depoimento, o cangaceiro Vinte e Cinco. De acordo com o pensamento dele, esse clima quase romântico, de foras da lei, enfrentando seu destino sem muita preocupação, se estendia ao resto do grupo. "Chegasse o momento em que podíamos dançar, nós dançávamos; na hora de correr, nós corríamos; na hora de brigar, brigávamos; e a gente queria terminar aquele negócio logo, era matar ou morrer."
A morte viria de barco pelo Rio São Francisco no raiar do dia 28 de julho de 1938, na Grota de Angico, em Sergipe, no trecho do rio que faz divisa com o Estado de Alagoas. Vinda da vizinha cidade alagoana de Piranhas, na outra margem, de onde partiu na véspera o tenente João Bezerra da Silva, acompanhado de 45 homens e três metralhadoras, com a determinação de exterminar o bando mais famoso do país.
Depois de prenderem o coiteiro Pedro Cândido, receberam a informação do esconderijo de Lampião. As forças policiais atravessaram o rio em direção ao acampamento, cercado de vegetação espinhenta - o local hoje faz parte da trilha do cangaço, um dos passeios oferecidos aos turistas que partem do litoral de Alagoas ou Sergipe em direção aos belos cânions do Rio São Francisco. Por ser um refúgio com uma única saída, o esconderijo era visto com maus olhos por quase todos os outros cangaceiros. Corisco, por exemplo, já tinha alertado Lampião de que considerava o local uma "cova de defunto". O líder do bando, no entanto, ignorou todos os conselhos e resolveu pernoitar ali.
Antes do nascer do sol, os volantes se dividiram em quatro grupos para cercar o acampamento. Assim que o dia começou a clarear e os primeiros cangaceiros saíram de suas tendas, o fogo abriu. Apesar dos 20 minutos de tiros e rajadas de metralhadoras, somente onze cangaceiros morreram. Outros 40 conseguiram escapar. Quando um dos volantes confirmou que "o cego também morreu", em referência à Lampião (que usava óculos sem grau para disfarçar um ferimento em um olho), e que Maria Bonita havia caído com ele, o tenente Bezerra presumiu a sua entrada para a história. Para encerrar o episódio, faltava apenas um último ritual: decepar as cabeças para provar que, dessa vez, não se tratava de uma notícia falsa como há de 12 anos. De acordo com exames de medicina legal realizados pelo Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, Maria Bonita estava viva quando teve a cabeça decepada.
Após a exposição macabra percorreram várias cidades do Nordeste, as cabeças embalsamadas foram levadas ao Instituto Nina Rodrigues, onde ficariam até 1962 - quando parentes dos cangaceiros exigiram o sepultamento delas. Com o fim do bando, pensava-se que o cangaço estava com os dias contados. Esperava-se o seu capítulo final com a morte de Corisco, que tentou suceder Lampião. Ele foi morto em uma emboscada em 1940, quando estava prestes a se entregar após Vargas promulgar lei concedendo anistia aos cangaceiros que se rendessem. No entanto, hoje, percebemos que o cangaço nunca acabou, mudou a forma e o estilo de atuação dos modernos cangaceiros.
Um ano após a morte de Lampião, o mundo entraria na Segunda Guerra, o Brasil se industrializaria e as histórias de Lampião e Maria Bonita ficaram como pilares indicadores para um novo aperfeiçoamento de métodos, recebendo a ajuda do processo tecnológico que facilita para a prática de delitos e dificultam os seus desdobramentos. A essência do banditismo não morrerá
A nosso sentir, a história do cangaço no Nordeste brasileiro ainda tem muitos fatos e mistérios a serem desvendados, apesar de já se ter pesquisado muitos acontecimentos, mas a sociologia e a história ninguém fecha um assunto na sua plenitude, além de depender da ótica, direcionamento, posicionamento ideológico do autor. A história deve ser analisada com um grau de relatividade, pois certeza absoluta não é o caminho aconselhável para quem busca a checagem do conhecimento. A cada dia aparece um fato novo e uma interpretação diferente.
Todavia, as histórias de Lampião e Maria Bonita influenciariam a cultura na música, cinema, teatro, artesanato, moda - Maria Bonita é hoje nome de grife em desfiles concorridos do país. Como as cangaceiras usavam saias até o joelho, era necessário o uso de meias elásticas e perneiras de couro ou de tecido grosso. Bordados.
João Pessoa, 28 de janeiro de 2015.
*Escritor pombalense e Promotor de Justiça em João Pessoa-PB

MARIA BONITA MARIA BONITA Reviewed by Clemildo Brunet on 1/28/2015 12:20:00 PM Rating: 5

Nenhum comentário

Recent Posts

Fashion