Descompromisso explica seca
Rinaldo Barros |
Rinaldo Barros*
Em
nosso tempo, a cidade amplia cada vez mais seus horizontes, integra-se ao
mundo, universaliza-se, expande-se desordenadamente, rebela-se contra toda
tentativa de ordenação do seu crescimento. Sem, contudo, deixar de ser o
habitat do homem moderno, o espaço da vida, da cultura, da arte, do lazer, do
desenvolvimento e
da civilização.
As cidades são a chave para a compreensão do
atual processo de desenvolvimento. O século XX presenciou um processo de franca
urbanização em todo o mundo, consagrando como modo de vida dominante a vida
citadina. A urbanização quase que total dos espaços habitados pelo homem
praticamente anula modos de vida alternativos. Não resta, portanto, dúvidas
quanto ao predomínio das cidades no terceiro milênio.
Daí porque a qualidade de vida nas cidades é
tema obrigatório dos fóruns internacionais e a preocupação central dos líderes
políticos, pelo menos dos que têm uma visão bem informada sobre as tendências
em curso.
O Brasil vive perigosamente, e tem encontro
marcado com a tragédia todos os anos na estação chuvosa. A natureza não vai
amenizar suas explosões de energia; e uma estiagem histórica atinge
principalmente o Sudeste. Por quê?
Os estudiosos explicam que há uma variação no
clima da Terra provocada por um ciclo natural no Oceano Pacífico e no
Atlântico. O oceano passa por fases em que está retirando energia da atmosfera
e absorvendo-a em suas águas profundas. Isso tem impacto em todo o planeta. Uma
zona de alta pressão se forma no Atlântico e impede a entrada das frentes
frias, uma espécie de bloqueio atmosférico, impedindo a formação de nuvens de
chuva.
Para complicar ainda mais, os modelos da
Meteorologia não permitem mais fazer previsões confiáveis. As séries históricas
não estão mais valendo. As mudanças climáticas estão alterando todos os
padrões. Não adianta mais olhar os valores históricos e imaginar que
continuarão a se repetir no futuro. Ninguém sabe quando a seca vai terminar.
Por outro lado, o descaso com a ocupação e
destruição de áreas de proteção ambiental, matas, margens de rios e topos de
morros; hoje pode ser explicado pelo baixo lucro eleitoral de medidas
preventivas e saneadoras.
O governo federal nunca esteve presente
antes, nem está presente durante e, provavelmente, não estará depois da
tragédia; notadamente quando se trata de regiões habitadas por pobres, sem
poder de pressão.
Fiquemos apenas na questão do sistema
Cantareira, que abastece São Paulo.
A seca é produto de um conjunto de fatores.
Primeiro, o aumento da temperatura associado ao aquecimento global (que, ao
contrário do que diz o ministro Aldo Rebelo – é assustadoramente real) gera
mais evaporação nos reservatórios.
Para piorar, o descaso permitiu que a região
sofresse com a destruição da vegetação natural.
Acreditem, na área do Cantareira, só restam
11% (onze por cento) da cobertura florestal. A água da chuva bate no solo,
escorre e evapora; não infiltra no solo para alimentar o lençol freático nem
para alimentar as represas e nascentes. Constata-se um déficit de mais de 32
mil hectares de vegetação, protegida por Lei.
O descaso permitiu o desmatamento irregular,
tanto nas margens dos rios quanto nos topos dos morros, onde estão as nascentes
dos cursos d’água.
Só não vê quem não quer: se a vegetação
estivesse lá, não faltaria água.
Tanto que, em Extrema, na mesma região do
Cantareira, onde ainda há vegetação nas nascentes, a água já voltou a fluir com
as poucas chuvas que caíram.
Uma informação, apenas para comparar: a
cidade de Nova Iorque - onde não existe descaso - comprou áreas montanhosas na
região dos mananciais próximos. Pagou bem para os fazendeiros de a região reflorestar
e preservarem. Hoje, Nova Iorque tem segurança no abastecimento hídrico.
Nem vou citar o exemplo de Israel que, no
meio do deserto, tem água em abundância.
Mas, no patropi, o cenário é diferente. O
Brasil está – temporariamente - dominado pelo improviso, pelo descompromisso,
pelo jeitinho, pela propaganda política enganosa, pelo instituto da reeleição a
qualquer preço, pela malandragem e pela corrupção destruidora de valores
necessários à construção do futuro com dignidade.
Resumo: a fúria da mãe Natureza, reforçada
pelo descompromisso, explica à seca.
*Rinaldo Barros é
professor – rb@opiniaopolitica.com
Descompromisso explica seca
Reviewed by Clemildo Brunet
on
2/05/2015 04:47:00 PM
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