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Vênus

Ricardo Ramalho
Ricardo Ramalho*
                                                                Estudava em Macaíba, uma cidade bem perto de Natal, no Colégio Agrícola de Jundiaí, a cerca de três quilômetros que, comumente, percorríamos a pé, nos fins de semanas. Havia pouca diversão para uma idade esfuziante de adolescente. Além dos passeios nas ruas centrais, os bailes no clube local atraiam os estudantes do Colégio, quase em sua totalidade, do gênero masculino. Assim, a disputa pelas garotas era renhida. Nos bailes, entretanto, a oferta aumentava com a vinda de natalenses.
            Anunciou-se um baile. Um conjunto musical da capital animaria a festa. Com antecedência, armávamos as estratégias de arranjar dinheiro para beber e
e entrar no Clube. Que expectativa! No dia, a ornamentação e a sensação do momento: a luz negra que deixava indumentárias e pessoas mais atraentes e bonitas, as cores claras brilhavam, os olhos faiscavam! Como seriam esses efeitos? Seriam mágicos, transformadores? Esse clima dominava a atenção de todos.
            A chamada “música jovem” imperava no repertório. Vênus, interpretada pelo grupo musical Shocking Blue, da Holanda, estava no top das “paradas de sucessos”. Um solo inusitado de guitarras e um coro repetitivo afinado marcavam a canção. O salão de dança lotava quando era executada. Pouquíssimos, inclusive eu, entendia a mensagem em inglês da música. Estava longe o recurso à internet. Contudo, compreendiam o sentimento que expressava em seus acordes. Iniciava com: a goodness on a mountain top (uma deusa no topo da montanha), it’s burn like a silver flame (queima como uma chama de prata) e arremata: she’s got it, yeah baby she’s got it (ela está, yeah babby, ela está), well I’m your Venus, (quando sou sua Vênus) I’m your fire and desire (eu sou seu fogo e seu desejo), repetia a banda.
            Consegui, junto com um grupo de companheiros, entrar no Clube, depois de longas negociações para diminuição no preço dos ingressos. Antes já havíamos bebido cachaça com coca cola, nos botecos mais barateiros. Desta forma, economizávamos as despesas com bebidas, no baile. Depois disso, a verdadeira caça às damas. Vislumbrei uma bela pretendente que me olhava. Chamei-a para dançar. Enlaçamo-nos ao som de Vênus e inebriados pela luz negra. Os colegas, certamente invejariam minha conquista. Provavelmente, seria uma moça de Natal, como tantas outras que participavam do evento. Minha timidez de então, não permitiram qualquer conversação. Também não havia necessidade. Bastava a sensação da música, da dança, do momento.
Mas, surge o inesperado intervalo. A banda para, as luzes se acendem e o sonho acaba. A magia da luz negra se esvai, a moça não era tão jovem, nem bonita como se supunha e tampouco oriunda de Natal. Os comentários nos bastidores indicaram que, na verdade se tratava de uma conhecida “coroa” que trabalhava no Cartório da cidade. Decepcionado com a situação não mais dancei naquela noite de Vênus, da luz negra, mas, a melodia não saiu da mente... she’s it got, yeah baby she’s got it...

*Cronista pombalense radicado em Maceió-Alagoas
Vênus Vênus Reviewed by Clemildo Brunet on 9/20/2015 04:08:00 AM Rating: 5

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