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QUEM ARRANCOU A BOTIJA DE JOÃO CAPUXU?

Jerdivan Nóbrega de Araújo
Jerdivan Nóbrega de Araújo*

João Capuxu, que vem a ser meu tetravô materno, era um comerciante de Pombal, estabelecido na Rua do Giro, que na voz do povo era conhecida como Rua Estreita. Mais tarde, essa rua foi batizada pela Lei Municipal com o nome de Rua João Capuxu, em homenagem ao seu mais próspero morador, muito embora na Rua do Giro, na mesma época, o meu tetravô paterno, José Tavares, também teve um armazém de Secos e Molhados: os dois eram concorrentes.
João Capuxu era casado com dona Isabel e tinha vários filhos e filhas, entre estes, Cesário Capuxu, Celina Capuxu, Francisca Capuxu e Joaquina Capuxu, sendo a última a minha bisavó.
O casal viveu até o final de década de 1880 e
encontram-se sepultados em um túmulo muito bem cuidado por Eudóssia e por minha mãe, últimas descendentes do casal João e Izabel Capuxu, ainda residindo em Pombal.
Eudóssia é neta de João Capuxu, filha de Francisca Capuxu. O túmulo dos “Capuxu” está localizado à esquerda de quem entra no Cemitério Nossa Senhor do Carmo, em Pombal.
Naqueles tempos, o sertão estava tomado por aventureiros e saqueadores, e grupos de homens armados conhecidos como cangaceiros. Não existia a segurança dos bancos. As riquezas acumuladas pelo trabalho eram armazenadas em cofres muito bem escondidos. Os mais precavidos tratavam de enterrar suas fortunas em locais secretos, mas sempre nas imediações da residência, de forma que ficassem longe da ganância dos bandoleiros, porém, próximos da sua visão. Acredita-se que foi isso que aconteceu com João Capuxu, que enterrou em algum lugar no seu casarão, na Rua do Giro, onde um dia funcionou a movelaria de Seu Zuca, uma bela “botija” repleta de moedas de ouro e prata, muitas joias, brilhantes e, dizem, até libras esterlinas.
João Capuxu e Isabel
— Mas, quem arrancou a botija de João Capuxu?
Seu Meira era um pescador vizinho meu e contador de lorotas. Adianto para vocês que ele tinha a fama de ser bastante mentiroso, me contou a seguinte história: Vanvan (assim ele me chamava), certa vez eu sonhei com um homem alto e muito bem-vestido, inclusive usando um relógio de ouro, cuja corrente saía do bolso do paletó e caía elegantemente a minha vista. Ele me disse nesse sonho que morava onde hoje é a movelaria de Zuca, e que lá enterrou um pote com muitas riquezas. Contou-me direitinho o local onde o enterrou e mandou que eu fosse arrancá-lo. Acontece que, eu confesso a você, sou muito medroso. Você não vai acreditar no que eu já vi quando pescava ali no “Araçá” e na “Panela”. Então, eu contei o sonho a Filemon (que era meu tio e casado com a irmã de Meira), que também não era muito corajoso e chamou Chico de Ernesto que, esse sim, era metido a valente, para fazer o serviço, que aceitou na hora.
Em certa tarde, fomos os três até a Movelaria de Zuca, como quem não quer nada, para eu apontar o local onde Chico de Ernesto deveria escavacar. Naquela mesma noite, fomos arrancar a botija.
Filemon e eu ficamos do lado de fora e Chico entrou pelo portão de trás. Não se passaram quinze minutos, quando Chico de Ernesto começou a gritar e rezar uns “pai-nossos” e algumas “ave-marias” e chamar pelo meu nome feito um desesperado. Eu não contei conversa: sai em disparada. Quando olhei para trás, vi Filemon e Chico de Ernesto também nas carreiras. Só no dia seguinte é que eu soube o que houve: Chico de Ernesto contou que na primeira picaretada jogaram nele um pacote de farinha de trigo, que o deixou branco. Ele pensou que fosse brincadeira nossa, limpou o rosto e voltou a cavar. Quando levantou os olhos viu dezenas de pacotes de farinha cair na sua cabeça, e logo as máquinas da serraria começaram a funcionar sozinha. Foi aí que ele se ajoelhou e começou a rezar. Como não parava de cair farinha na sua cabeça, ele saiu em disparada. Chegando à Coluna do Relógio, ele parou e esperou Filemon, que vinha mais atrás em disparada. Nesse momento, ele passou a mão no rosto e viu que estava apenas suado da carreira e não tinha nada de farinha de trigo na sua cara. Também disse que nunca mais voltaria lá.
Passado alguns dias, continuou, nós contamos a história a Mané Dourado e João Fagundes que eram metidos a corajosos. João Fagundes dizia que a coisa mais comum era ele ver alma andando dentro da Cadeia velha, onde era carcereiro. “Só me aparece almas de preso liso, que num tem nada pra oferecer, dizia”. Já Mané Dourado falava que se se encontrasse uma alma saía nos tapas com ela.
Fizemos da mesma forma: fomos até a movelaria com Mané Dourado para mostrar o local a ser cavado. Só que na noite marcada, Filemon e eu ficamos na Coluna da Hora, e os dois seguiram para fazer o serviço. Passado meia hora, lá vem os dois nas carreiras se maldizendo da vida e falando que nunca mais pisava na Rua Estreita.
Eles começaram a cavar a botija, quando um pacote de farinha de trigo veio do nada e caiu no meio dos dois. João Fagundes mandou que a “alma safada fosse se lascar pra lá” e continuou a cavar, enquanto Manel Dourado segurava a lanterna. De repente, uma das máquinas da movelaria ligou sozinha, mas eles continuaram a cavar. Mané Dourado sentindo um chute nas costas, pegou um pedaço e pau e disse  “se você vier vai apanhar tanto que vai voltar para o inferno de onde nunca devia ter saído”. Foi aí que eles notaram que haviam tocado em alguma coisa. Abriram e viram que era um pote de barro cheio de carvão. Você sabia, comentou, que antes de chegar à botija tem um sinal? O dono da botija coloca esse sinal para saber que enterrou naquele lugar, ou para enganar os escavadores que, encontrando o “sinal”, desistem achando que o ouro virou carvão, pedra, roupas velhas, cal, ou seja, lá o que ele colocou e vão embora decepcionados. Mas, não se engane, o ouro tá mais embaixo. João Fagundes sabia dessa artimanha e continuou a cavar. Foi aí que pareceu um bando e cachorros, cada um mais feio que o outro. Tinha um deles com duas cabeças, foi o que ele disse. Os cães partiram para cima dos dois com dentes afiados e espumando feito cachorro doido. Mané Dourado gritou: Chico, farinha de trigo e chute na bunda, dá pra aguentar, mas, cachorros doidos não. A correria dos dois foi grande. No meio da correria Mané Dourado olhou para trás e viu que, até a esquina do Bar Junqueira ainda tinha cachorro nos seus calcanhares.
No dia seguinte, quando a movelaria abriu, tava lá o buraco: alguém terminou o serviço e levou a botija. O pior é que Chico de Ernesto espalhou o boato de que Filemon e eu tínhamos arrancado e queria a parte dele. Que parte, ora?
Foi preciso eu levá-lo na casa de Mané Dourado para que ele contasse o ocorrido na noite anterior.
— Mas, se alguém foi lá naquela mesma noite e arrancou, vocês souberam quem foi? Perguntei.
— Dizem que foi Frederico Roque. Ele viu o rebuliço, nas duas noites anteriores e desconfiou. Ele morava em uma casa que tinha vista para o portão dos fundos da movelaria: foi lá e cavou o resto que faltava e levou a botija pra casa. Mas isso pode ser só boato. Não tem como dizer com certeza. Certo é que no outro dia ele foi embora da cidade. Você sabe, né? Quem arranca uma botija tem que sair da cidade, do contrário, o ouro desaparece no vento feito pó. Não posso afirmar que foi ele, mas que foi estranho isso foi.
Assim seu Meira concluiu uma das suas histórias de arrancador frustrado de botija.
Dias depois eu me encontrei com meu tio, Filemon, e ele confirmou a história e ainda me contou de outra botija, em que ele tentou arrancar no pé de uma enorme de canafístula que dividia as terras de Ana Benigno, minha bisavó, e as terras de seu Olinto, na “Outra Banda”. Ele contou que foi arrancar durante a luz do dia e por isso não teve êxito.

*Escritor e pesquisador da nossa história
QUEM ARRANCOU A BOTIJA DE JOÃO CAPUXU? QUEM ARRANCOU A BOTIJA DE JOÃO CAPUXU? Reviewed by Clemildo Brunet on 11/13/2015 05:35:00 PM Rating: 5

3 comentários

Unknown disse...

Muito interessante esses causos de botija, lá em outra banda eu já tinha ouvido falar, meu tio Cícero (Luis Marcelino) in memórian plantava nessa outra banda, e lembro muito de Dona Ana, gostava muito dela, gostei dessa narrativa!

Unknown disse...

João Capuxu era meu bisavô. Sou neto de Cesário Capuxu.

Unknown disse...

Minha mãe contava histórias assim sobre botija que o avô dela tinha deixado, e contava sobre os capuxu, acho são parentes de minha mãe
(Dora)..

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