O RIO DO PAÍS DE MOSSORÓ
Tomislav R. Femenick |
TOMISLAV
RODRIGUES FEMENICK*
Cortando o chão seco, pedregulhento e
quase sempre gretado pelo calor do sol da zona oeste, corre o rio
Apodi-Mossoró. Ele tem um papel determinante na existência dos seres que
habitam nas cercanias de sua bacia hidrográfica, que ocupa 28,5% da superfície
do Estado, sendo a maior da Província, com cerca 18.100 km². É o segundo em
extensão do Estado, com aproximadamente 164 quilômetros. Nasce na serra de Luís
Gomes, no sudoeste do Rio Grande do Norte próximo à divisa com a Paraíba,
percorre em 51 municípios e
Na sua forma natural é um rio de regime
temporário, não perene. No seu percurso alimenta alguns reservatórios naturais
– neles se destacando a Lagoa de Apodi, circundada por terras de boa
fertilidade –, corta a cidade de Mossoró no sentido sudoeste-nordeste,
apresentando-se sinuoso nessa região e com várias lagoas nas proximidades de
suas margens. Sua várzea apresenta larguras apreciáveis, da ordem de 500 a 1000
metros, porém vez ou outra se estreita, formando gargantas por onde, nas
cheias, a água corre com mais violência.
Segundo Câmara Cascudo, na geografia há
referências sobre o rio que datam desde os primórdios do Brasil colônia. Nesse
caso estariam o Mapa de Nicolo (Nicolay) de Canerio Januensis, elaborado em
1505, que apresenta uma foz, como sendo do rio Sta. Maria da Rabida; as Cartas
Marear de Pedro Reinel e Jorge Reinel, de 1516 e 1519, apresentam-no como o Rio
de São Miguel (Sam Miguell); o Padrão Real de Alonso Chaves, de 1536, como o
rio grande de Sainet Migiel, e o “Tratado” de Gabriel Soares de Souza, também
dá o nome de São Miguel “a um rio volumoso que só pode ajustar-se ao
Apodi-Mossoró”. Cascudo diz ainda que “O topônimo Mossoró não aparece ainda na
cartografia do século XVII. O Rio popular é o Upanema, Opanama, Opunamà, o
Ywmanim, Ipanim, Ipiuim, Wapanem, Iwypanema dos mapas holandeses seiscentistas
[…]. Verdade é que surge um rio ‘Murggeron’ e ‘Mouggerou’ (Johannes Jansson,
1653, de [Frederick de] Wit, 1871, o mapa que acompanha a ‘Descrition des Indes
Occidentales’, de [Joannes de] Laet, 1625, 1640) que poderia ser um ‘Mossoró’
deturpado e confuso. Mas não creio ratar-se do topônimo. O nome não era vivo
nesse tempo”.
O francês Guillaume de Delisle, em sua
“Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du Pays des Amazones dressé sur
les Descriptions de Herrera de Laet, et des PP. d’Acunã, et M. Rodriguéz et sur
plusieurs relations et observations posterieures” (Provavelmente retirada do
“Atlas Geographique & Universel avec la Géographie
Ancienne & Moderne”), de 1720, faz
referência ao Ywipanem rio Ipanen. José Monteiro de Carvalho (?-1780), no “Mapa
dos confins do Brasil, com as terras da Coroa de Espanha na América
Meridional”, cita Ipanenin. No “Mapa de Todo o vasto Continente do Brasil ou
América Portuguesa com as Fronteiras respectivamente constituidas pelos
Dominios Espenhões adjacentes”, publicado em 1778 por Penalva do Castelo,
encontramos o “Rio Ipanema ou das Salinas”.
Em 1810 o Rio ainda era mais conhecido
com “Panema” ou “Upanema ou Salinas”, como citado por Koster (1942, p. 153 e 2ª
prancheta). Sete anos depois, em 1817, Aires de Casal (1947, vol. II, p. 212;
1976, p. 279) cita e descreve o rio com o nome de Rio Apodi somente:“…ao qual
dão quarenta léguas de curso, noutro tempo Upanema, nome que hoje se apropria
a outro menor, que se lhe une pela margem direita, três léguas acima da
embocadura, corre quase sempre por terreno plano, onde há várias lagoas, que
pouco a pouco lhes restituem as águas, que suas cheias lhes introduziram. Tais
são entre outras a denominada Apanha-peixe, que tem uma légua de circuito;
Paco, um pouco menor; a da Freguesia das Varges, que tem seis milhas de
comprido, e pouca largura. Todas secam nos anos que não são chuvosos. Grandes
canoas sobem até o Arraial de Santa Luzia, situado sobre a margem esquerda,
seis léguas longe do Oceano. Deste sítio para baixo, estão as famosas salinas
de Mossoró, cujo sal é alvo como a neve, e faz que aquelas paragens sejam
vistosas e povoadas, e o rio visitado por grande número de embarcações, que o
transportam a diversas partes”.
O Rio Mossoró ou Apodi-Mossoró somente
se firmou com o nome atual em 1857, quando a marinha realizou o primeiro estudo
importante das costas brasileiras ocorreu, fazendo o levantamento hidrográfico
entre a foz do rio Mossoró e a foz do rio São Francisco. Esse trabalho foi
elaborado pelo capitão de fragata Manoel Antônio Vital de Oliveira, em 1862.
Em 1917, Pedro Ciarlini projetou e
dirigiu a construção de sete barragens submersíveis no município. No final dos
anos 30 e começo dos 40 do século passado, o padre Mota, então prefeito,
iniciou o processo de canalização do rio, pela sua margem esquerda, na região
urbana central da cidade. Também na sua gestão foi construída a primeira ponte,
a ponte Jerônimo Rosado. Depois vieram as outras pontes e Dix-huit rasgou o
braço que abraça a ilha de Santa Luzia, a sua direita.
Hoje o rio é uma grande cloaca para onde
vai toda espécie de dejetos, domésticos e industriais. Esgotos não tratados,
águas servidas, os rejeitos das empresas de carcinicultura, salineiras e de
outros setores, lixo, todo é jogado no seu leito. E aguapé (eichornia
crassipes), muito aguapé. O aguapé encontra na água do rio uma rica fonte de
nutrientes (esgotos sem tratamento etc.), o que favorece a sua reprodução com
rapidez. É uma questão de falta de saneamento básico e consciência da
população. Enquanto o problema existe, a Secretaria dos Recursos Hídricos do
governo estadual divulga que “se não fosse tão poluído, o rio Mossoró poderia
ser cartão postal da cidade”. Por sua vez, a Federação das Indústrias do Estado
diz que “a poluição atualmente existente no
Rio Mossoró é um obstáculo importante à
consolidação da cidade como polo turístico e às intervenções destinadas a criar
um Parque Linear às suas margens”.
E a solução para esse problema? Isso é
coisa que os governos do município, do estado e do país não veem.
*Mestre em
Economia, pela PUC-SP, com extensão de Sociologia e História; pós-graduado em
Economia Aplicada para Executivos, pela FGV-SP e bacharel em Ciências
Contábeis, pela Universidade Cidade de São Paulo.
O RIO DO PAÍS DE MOSSORÓ
Reviewed by Clemildo Brunet
on
12/09/2015 06:47:00 AM
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