MORRI EM VÁRIOS FILMES
W.J.Solha |
Por
Waldemar J. Solha*
MORRI EM VÁRIOS FILMES – De bala, em “O
SALÁRIO DA MORTE”; de bala, em, “SOLEDADE”; de bala, em “A CANGA”; doente, em
“LUA CAMBARÁ”; originariamente de faca, na filmagem de “O SOM AO REDOR”; de
bala, depois, na montagem. Em “EU SOU O SERVO” fui fuzilado. Sem falar que em
“Era uma vez eu, Verônica”, tive a morte anunciada para logo depois do The End.
Talvez a Morte se tenha dado por satisfeita comigo, com essa série de falsas
visitas, pois me poupou muitas vezes, na vida real, que se tornou bem longa.
-PRIMEIRA VEZ – Pombal, 1969. Saímos do
clube onde ensaiávamos minha montagem de “A Canga” – que daria origem a meu
livro homônimo e
-SEGUNDA VEZ – Brasília, anos 90. No dia
seguinte ao do casamento de minha sobrinha, tive, pela terceira vez, a sensação
de uma punhalada pelas costas, no pulmão direito – que o médico, em João
Pessoa, dissera ser apenas consequência de gases. “Com essa intensidade?!” ,
duvidei, e com razão. Fui à CASSI do Distrito Federal e, depois de uma chapa de
raios-x, ao voltar ao consultório, ouvi, do doutor, que me sentasse, pois tinha
uma notícia muito ruim pra me dar. “Pode dizer”, “Você teve uma nova e violenta
tromboembolia pulmonar.” “Tromboembolia? O que vem a ser isso?” “Novo coágulo
passou pelo seu coração e partiu para o pulmão direito, onde, ante a
ramificação das artérias, saiu rasgando tudo, formando esta caverna” –
mostrou-me a mancha negra na chapa. Você pode morrer a qualquer momento, se não
for medicado logo”. Medicou-me e, na volta, no ônibus, novo ataque,
obrigando-me a viajar apoiado ao encosto do banco da frente. Foi um mês de
cama, lendo romances policiais. E nunca mais tive aquilo.
-TERCEIRA VEZ – Pombal de novo, mesma
época da cena anterior. Meu filho Dmitri, ainda menino, apresentou sinais de
ser geno valgo – o problema dos joelhos juntos e pés afastados – pelo que Ione
foi com ele pra casa dos pais dela, em Fortaleza, a fim de consultar um
ortopedista. Eu era subgerente da agência do BB em Pombal e tinha contatos
diários com a empresa Brasil Oiticica, que recebia toda semana o apoio da sede,
na capital do Ceará, através de um teco-teco. “Quando quiser dar um pulo até
lá, – ofereceram-me - é só dizer”. “Ótimo!” – respondi, realmente satisfeito,
pois vinha a calhar. Passados alguns dias, querendo visitar a mulher e o filho,
consegui que me marcassem uma viagem, mas – na véspera da data – disseram-me
que, infelizmente, um motor da fábrica tinha dado pane e teriam de levar as
peças danificadas pra Fortaleza. “OK” – aceitei. No dia seguinte, a tragédia:
nada de pane em motor: tinham cedido a minha carona pra Afonso Mouta, o dono do
Cine Lux – único do lugar – cliente muito querido, na agência, e, claro, na
Brasil Oiticica. Quando ele passou diante do aparelho, pra entrar nele, no
entanto, fora sugado pela hélice, que lhe abriu o ventre, matando-o.
QUARTA VEZ – O encenador Fernando
Teixeira passou a tarde conversando comigo, em minha casa. Como gosta muito de
café, acompanhei-o também nisso. Assim que ele se foi e reentrei, tive uma dor
poderosa no coração, como se forte mão o apertasse. Parei no meio da sala,
esperando cair morto. Aí a mão se abriu e meu braço esquerdo começou a
formigar. Chegou o maestro Kaplan, e, ante o tradicional “Tudo bem?” Falei-lhe
do que houvera, alarmou-se: “Vamos a um hospital, ver o que é isso!” “Amanhã
cedo, se o formigamento continuar”. Continuou. Disse-me o Doutor Kumamoto que a
causa fora o excesso – a que eu não estava habituado - de café. Algum tempo
depois, um ecocardiograma mostrou que eu tivera um enfarte. Foi bom: a cena da
sala repassei-a pra meu personagem Zé Medeiros, no romance “Arkáditch”.
-QUINTA VEZ – Fiquei sabendo que havia
um avião disponível em Cajazeiras, para aluguel. Através de um colega do BB,
radioamador, fiz contato com Monsenhor Abdo – de lá - e, através dele, com o
dono do monomotor. Como a viagem era muito cara, fui pra Fortaleza de ônibus.
Aí, a notícia: no primeiro voo depois daquela conversa, o aparelho caiu e o
piloto morreu, bem como seu passageiro.
-SEXTA VEZ – JOÃO PESSOA, 1974. Com os
originais de meu primeiro romance – “Israel Rêmora” – nas mãos, mais um belo
comentário sobre ele, do jornalista Antonio Barreto Neto, fui ao Hospital
Napoleão Laureano, oferecer o livro para a campanha de arrecadação de fundos
que estava sendo feita pela Sociedade Feminina de Combate ao Câncer. O
presidente do Laureano era – e ainda é – o Doutor Antônio Carneiro Arnaud, que
era de Pombal, mas eu não o conhecia pessoalmente. Conhecia, no entanto, o
dentista do Hospital, Dr Raminho – também da cidade onde eu vivera oito anos.
Pronto – era tentar chegar ao chefe, através dele. Agendei o encontro, fui lá,
mas a secretária me disse que esperasse um pouco no pátio em frente, enquanto
ele terminava o trabalho com um cliente. Fiz isso. E foi minha salvação. Lendo
os cartazes que havia nas paredes, vi um deles alertando: “Cuidado com manchas
duradouras nos lábios”. Ao ser recebido, disse ao amigo que – antes da conversa
que tinha agendado – queria lhe dizer que vira o tal cartaz e, “olha esta
mancha clara, circular, aqui”, mostrei-a no lábio inferior. E ele: “Ih, tem de
tirar isso imediatamente, ou vai ter um câncer aí!” No dia seguinte fui
operado. Lembro-me de que a anestesia não pegou, o doutor me perguntou se
poderia ir em frente, eu disse que sim, senti o corte do bisturi. Aí o amigo
tirou algo de dentro de meu lábio e me mostrou: era um cartão muito alvo,
surpreendentemente espesso.
ESTÁ PARA ACONTECER MINHA SÉTIMA MORTE
FILMADA. Será parte do espetáculo "Édipo no Terceiro Milênio", em que
Jorge Bweres - numa adaptação livre de meu romance "A Angústia de
Édipo" - me põe como o rei Laio sendo morto pelo célebre filho.
*W.J.Solha: Cineasta, Ator, Teatrólogo, Escritor, Paulista de Nascimento e Pombalense de
Coração.
MORRI EM VÁRIOS FILMES
Reviewed by Clemildo Brunet
on
4/07/2016 05:40:00 AM
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