A MARIZEIRA DA ROÇA DE GODÔ É TESTEMUNHA VIVA DA MINHA INFÂNCIA
Jerdivan Nóbrega de Araújo |
Jerdivan Nóbrega de Araújo*
Hoje me veio a
lembrança, em meus devaneios pelos caminhinhos percorridos por eu moleque, pés
descalços nas ruas e becos de Pombal nos meus verdes anos, o corredor do rio da
Rua de baixo, e a velha marizeira da roça de Godô. Aquela árvore vive em mim
como uma fotografia viva, um livro aberto em uma página amarelada do meu
passado, contando as histórias que não são só minhas.
A Marizeira (Calliandra
spinosa) é uma árvore leguminosa característica da caatinga. Possui caule com
casca esbranquiçada e
Conhecida, dependendo
da região por outras denominações: Umari, marizeiro, umarizeiro ou mari que
significa na língua nativa Árvore que chora. Essa denominação dá-se pelo fato
desta planta verter tanta água pelos brotos, que chega a molhar a terra. Os
sertanejos consideram o fato como excelente indício de inverno abundante.
Na década de 1960
morávamos a pouca distância das margens do rio, acho que não mais de quinhentos
metros, de forma que nas cheias do rio éramos obrigados a deixar nossa casa e
procurar um lugar mais alto para nos abrigarmos, até o retomo das águas ao
leito natural.
Na minha infância o meu
pai, ao final da tarde, costumava ir com os galões(duas latas amarradas por uma
corda em um pau, através das quais fazia-se o transporte de água), e no cominho
ele contava histórias do seu bisavô, que mesmos ele não chegando a conhecê-lo,
o tratava respeitosamente de “Pai Benigno” e que era proprietário de uma vasta
faixa de terras a leste da cidade.
Com a sua morte as
terras, que iam de onde hoje é o hospital Distrital até o “Alto da Favela”
foram distribuídas com as suas filhas, e com a morte dessas com os netos, e
assim por diante. Houve casos também que os coronéis, do alto das suas
arrogâncias, simplesmente cercavam as nossas terras, delas se fazendo donos.
Do corredor do rio,
lado direito as terras eram chamadas de “Roça de Mila”, que era irmã da minha
bisavó, filha de Pai Benigno, Ana Benigno. Depois “do rio as terras era a “Roça
de Ana” Benigno”.
Ainda seguindo o
corredor do Rio a esquerda, tínhamos a “Roça de Godo”, que era casado com dona
Enedina, que por sua vez era filha de Onofre Benigno Cardoso, irmão de Ana
Benigno Cardoso.
Portanto, as terras
onde estar ainda hoje a velha marizeira pertenciam a nossa família desde meado
do século XIX.
Lembro que o rio
passava bem a frente da marizeira, acho que há uns trinta metros, e a cada
cheia o rio mudava o seu curso, de forma que as raízes chegaram a ficar no
leito do rio, onde caiam os frutos que eram levados pelas águas.
Era no final do
corredor, a sombra da marizeira que os aguadores (vendedores de água em
ancoretas carregadas no lombo de jumentos), colhiam a água que distribuíam
pelas residenciais da cidade. Era também na sombra da marizeira que os
canoeiros, nos tempos de estiagens, guardavam suas canoas
até a chegada da
próxima cheia do rio. E nos tempos de cheia era ainda na sombra da marizeira
que se fazia o cargo e descargo das pessoas que usavam os serviços dos
canoeiros para atravessar o rio de uma margem a outra.
A cada viagem que o meu
pai percorria com o galão para abastecer a nossa casa, nós o seguíamos em
algazarra. Chegando ao rio pulávamos nas suas águas firas em um divertimento
sem igual. Na última “viagem” para buscar a água, o nosso pai enchia uma outra
vasilha com o fruto do marizeiro, que era cozido e consumido na boa prosa do
início de noite ali na nossa residência na Rua de Baixo.
O velho Marizeiro do
corredor do rio vai resistindo as intempéries e ganância humana atravessando a
linha do tempo. Muitos que um dia aproveitaram seus frutos e a sua boa sombra
já se foram, mas, ele, persistentemente estar ali imponente como testemunha
silenciosa da nossa história. Eu arriscaria a dizer que aquela velha árvore já
se aproxima de um século de existencial. Digo isso por que o meu pai, nas
nossas prosas, costumava contar histórias do seu tempo de menino às sombras
daquela velha árvore.
Que
viva para sempre para que pessoas como eu possam lembrar-se dos seus
antepassados que tiveram de alguma forma, uma ligação com aquela imponente, e
talvez centenária árvore.
*Escritor e
pesquisador pombalense
A MARIZEIRA DA ROÇA DE GODÔ É TESTEMUNHA VIVA DA MINHA INFÂNCIA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/20/2016 06:54:00 AM
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