AS LUTAS E AS AGRURAS VIVIDAS POR UM GUERRILHEIRO POTIGUAR
EM CORDEL DO POETA
POPULAR MANUEL DE AZEVEDO
José Romero A. Cardoso |
José
Romero Araújo Cardoso*
Integrando a Coleção Queima-Bucha de
Cordel, publicado em Mossoró (Estado do Rio Grande do Norte) no mês de novembro
de 2005, encontramos homenagem ao guerrilheiro potiguar Glênio Sá, cuja atuação
política na clandestinidade levou-o a lutar nas selvas do Araguaya ao lado de
ícones da esquerda radical, a exemplo de João Amazonas, Maurício Grabois, João
Carlos Haas Sobrinho e Osvaldo Orlando da Costa, o lendário Osvaldão, entre
outros.
Composto por 57 estrofes, o interessante
cordel, intitulado Um Guerrilheiro Potiguar no Araguaia, de autoria de Manuel
de Azevedo, professor, músico e poeta, nascido no ano de 1962 em Santana do
Matos (Estado do Rio Grande do Norte), sintetiza primorosamente os anos
difíceis vividos por boa parte do povo brasileiro, principalmente quando da
vigência dos anos de chumbo da ditadura militar no País, logo após a decretação
do AI-5, liberdades individuais e coletivas foram cerceadas de forma
extraordinária e
injustificável.
Glênio Sá era natural de Caraúbas
(Estado do Rio Grande do Norte), nascido no dia 30 de abril de 1950. Destaca o
cordelista que a situação delicada propiciada pela repressão desmedida dos
militares fez com que Glênio Sá se rebelasse e partisse para a luta armada.
Em 1968, conforme os versos do cordel de
Manuel de Azevedo, Glênio Sá chegou a Fortaleza (Estado do Ceará), sendo preso
no ano seguinte, quando veio a consagrar-se comunista a partir da leitura dos
clássicos do Marxismo-Leninismo e, a partir de reflexões sobre as condições da
revolução proletária no Brasil, abraçou a guerra popular como forma de derrubar
o regime das baionetas instalado no País em primeiro de abril de 1964.
Em reunião clandestina ocorrida em São
Paulo, ficou definido que a área compreendida pelo Araguaia-Tocantins serviria
de palco para a verdadeira revolução que pretendia libertar, do campo à cidade,
todos que estavam submetidos à opressão do regime militar a serviço da
burguesia brasileira e transnacional.
Conforme Manuel de Azevedo, Glênio
encontrou Genoíno em Anápolis (Estado de Goiás), rumando para o Maranhão.
Pretendiam chegar em São João do Araguaia (Estado do Pará), alcançando o
objetivo e determinando a fixação a fim de trabalhar as bases da revolução
popular com o campesinato da região.
A estrofe 20 do cordel de Manuel de
Azevedo revela, provavelmente, fruto de conversas mantidas com o próprio Glênio
Sá, de quem o autor era amigo, pois destacou que fizeram uma picada para o Rio
Gameleira, abriram uma capoeira, uma roça bem plantada, com muito inhame e
batata, escondida lá na mata, outra casa levantada (AZEVEDO, 2005, p. 06).
O único contato com a civilização
acontecia através das ondas do rádio, pois os guerrilheiros escutavam
diariamente a BBC (Inglaterra), Guaíba, Havana (Cuba), Bandeirantes e Tirana
(Albânia).
Livros como A Batalha de Stalingrado e o
Diário de Che Guevara eram lidos com o intuito de adquirir experiência teórica
sobre estratégias militares, enquanto no campo prático destacavam-se
treinamentos diários entre os quais estavam incluídos o rastejo, fustigamento,
tática anti-guerrilha, embocada, armadilha, deslocamento, tiro ao alvo,
camuflagem, vantagem e desvantagem.
A construção da rodovia Transamazônica
tem destaque, frisando que Médici em sua ambição, só fomenta a bandidagem, com
jagunços e grilagem, rumo à colonização, ressaltando o papel assumido pelos
pistoleiros com o apoio dos grileiros na invasão de Igarapé dos Perdidos, cuja
população camponesa é expulsa.
No dia treze de abril de 1972, Gameleira
foi invadida, começando de fato as tormentas dos despreparados e inexperientes
guerrilheiros frente ao poder incontestável que fazia a vantagem dos militares
frente ao movimento popular desencadeado entre os Estados do Pará, Maranhão e
Tocantins, região de conflitos históricos, conhecida como Bico do Papagaio.
Os presos começaram a ser amontoados,
entre os quais estavam incluídos padres, freiras, camponeses, etc., enquanto a
repressão mostrava-se cada vez mais feroz dentro da selva, à procura dos
guerrilheiros do PC do B, delatados pelos Bate-Paus. A ordem de Brasília foi clara,
não deixar pedras sobre pedras.
Há de ressaltar que o caso da
guerrilheira Helenira instigou os militares a agir com truculência inaudita,
pois baleada nos primeiros combates, acabou matando dois militares que tentavam
socorrê-la. Comenta-se que ela ainda gritou: Podem me matar, os companheiros me
vingarão. Uma filha do líder seringueiro Chico Mendes tem seu nome em homenagem
à valente guerrilheira do PC do B na campanha do Araguaia.
Enquanto a selva abrigava os quadros do
PC do B e seus colaboradores, o exército, cujo efetivo estava calculado em mais
ou menos quatro mil homens, ocupava Marabá (Estado do Pará), São João (Estado
do Pará) e Araguatins (Estado do Tocantins, atualmente. Estado do Goiás, na
época), desde lá do Tocantins até o sul do Pará.
Perdido na selva há mais de um mês,
sofrendo os efeitos da malária que adquiriu, Glênio Sá foi traído por um
Bate-Pau na Gameleira, sendo instigado por Genoíno a se render, caso quisesse
ficar vivo. A repressão tornava-se a cada dia que passava mais brutal, desumana
e avassaladora.
A prisão em Xambioá (Estado do
Tocantins), as torturas ignominiosas e a transferência para Brasília, onde as
sevicias monstruosas tiveram continuidade, o poeta popular destaca que a
acareação entre Glênio e Genoíno deu ênfase, conforme a estrofe 54, que a
guerrilha foi traída pelo militante cearense.
Em 1974, transferido para o Forte de
Santa Cruz, localizada no Estado do Rio de Janeiro, onde foi novamente
torturado por agentes do DOI-CODI, Glênio recebeu a visita do pai e do irmão, encontrando
a liberdade, finalmente, no ano seguinte. Glênio Sá faleceu vítima de acidente
automobilístico, em companhia de Alírio Guerra, quando, no dia 26 de julho de
1990, encontravam-se em campanha eleitoral no Estado do Rio Grande do Norte.
Estavam a caminho de Jaçanã (Estado do Rio Grande do Norte), vindo de Currais
Novos (Estado do Rio Grande do Norte) quando o fusca em que encontravam-se foi
abalroado por veículo conduzido irresponsavelmente por motorista embriagado.
Glênio, que na ocasião disputava o cargo de Senador, morreu militando no PC do
B.&n bsp;
Estruturado impecavelmente em métrica e
rima, o cordel de autoria de Manuel de Azevedo sintetiza de forma simples e
objetiva, como deve estar sempre direcionada a poesia popular, homenagem a um
dos grandes lutadores pela liberdade no Brasil.
*José Romero
Araújo Cardoso - Geógrafo
(UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em
Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia
Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste,
temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e
articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do
Oeste Potiguar (ICOP).
AS LUTAS E AS AGRURAS VIVIDAS POR UM GUERRILHEIRO POTIGUAR
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/05/2016 06:30:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário