Os Piratas de Sá Ana...
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares de Araújo*
Esta é mais uma estória acontecida na
minha adolescência, entre tantas outras que vez por outra me afloram na
memória. O cenário do acontecido são as águas barrentas do Piancó,
principalmente nos anos de transbordo de suas calhas. Isso mesmo, a barragem de
Mãe D’água ainda não havia sido construída por isso as cheias do Piancó
aconteciam com mais frequência, portanto, bastava uma chuva grande à montante
da bacia do Açude de Coremas, para que o rio transbordasse, invadindo a Rua de
Baixo (Rua benigno Ignácio Cardoso D' Arão), às vezes a Rua do Comércio (Rua
"Coronel" João Leite).
Logo cedo aprendi a nadar nas águas do
Piancó. Godô (Godofredo Bispo) costumava me chamar de a "Piaba de
Loúrdes", tanto era a minha habilidade para nadar com desenvoltura. Embora
ainda criança, não hesitava desafiar o nosso rio, com seus remansos
traiçoeiros. A meninada da rua do comércio e adjacências, por ocasião das
grandes cheias, entrava em estado de esfuziante alegria, justo porque, quanto
mais cheio o rio, maior era a festa. Para nós, naquela época, nadar nas águas
do Piancó era a melhor diversão. Os lugares mais frequentados eram a pedra da
sedan, a pedra redonda e
Dão, primo e amigo, era o companheiro de
aventuras por ocasião das grandes enchentes. Fazíamos nossas incursões rio
abaixo, escanchados em possantes cavaletes, feitos de raiz de Timbaúba. Era
isso mesmo, pois eu devia ter cerca de doze anos e o primo dezoito, ambos com
muita energia para enfrentar o Piancó. O meu irmão Felix não era muito de
desafiar as correntezas do Piancó, a não ser de canoa. Nunca foi um bom
nadador, por isso evitava enfrentar os remansos ao longo do trajeto até o sitio
da minha avó.
Assim sendo, ao lado do primo Dão, cada
um no seu cavalete desafiava as águas do rio, principalmente quando estava a
invadir a Rua de Baixo (Rua Benigno Ignácio Cardoso D' Arão). Quanto mais cheio
estivesse maior era a emoção de enfrentar as correnteza temidas por todos que
tinham seus plantios no outro lado do rio. Os riscos não eram poucos, posto que
a velocidades da águas rio abaixo, ameaçavam a nossa segurança. Tinha mais, os
balseiros que desciam nos preocupavam, pois, quase sempre havia cobras ávidas
de um porto seguro para desembarcar.
Eu e o primo enfrentávamos os desafios
como podíamos. A gente conhecia os melhores caminhos através dos quais era
possível chegar ao sítio da minha avó, entre outros lugares, sem o risco de
afogamento ou mesmo de sermos picados por cobras peçonhentas a espreitas nos
entulhos passavam ao nosso lado.
Na época das grandes enchentes, nem
mesmo o mais habilidoso dos canoeiros aceitava enfrentar a fúria das
corredeiras do Piancó. Isso era muito bom pra a gente, porque somente nós dois
podíamos chegar ao outro lado do rio. Ficávamos por dono de tudo. Passávamos
pela roça de Dozinho, fazíamos uma limpeza nas pinhas maduras. Na roça de tio
Marcionilo, o que havia de melancia, melão, a gente passava as mãos.
Quando o Rio baixava todo mundo tomava
seus lugares. Marcionilo ao chegar à ilha, onde estava situada a sua roça,
sentia a falta das melancias e dos melões. Ao se encontrar com a gente
reclamava: ¨ô Dãozinho, nesses dias que o rio estava cheio, passaram na minha
roça e comeram as melhores melancias e os melhores melões. “Ah, danadinhos”!
Continuava: “não sei dizer quem fez
aquele estrago, porem uma coisa me chama atenção: foram duas pessoas, um adulto
e um menino. Não quero dizer que tenha sido você e Inacinho de Loúrdes, que
sempre lhe acompanha nas caminhadas pela beira de rio, por ocasião das
enchentes. Agora, os rastros dão certinhos com os pés de vocês. Que
coincidência, não é Dãozinho”?.
Dão dava uma boa gargalhada ante a
desconfiança de Marcionilo. Apesar da nossa negação, sabíamos que o velho tinha
certeza de que fomos nós os autores do estrago. Na calçada da casa do tio
Cândido, onde todos se reuniam pra conversar, sobre coisas do dia-a-dia,
Marcionilo queixava-se dos piratas de Dona Ana. Uma referencia a nós dois.
Nossas traquinices não se restringiam
tão somente as roças de Dozinho e Marcionilo. Às vezes a gente descia até ao
sitio Cajarana, ao poço do redondo e visitávamos a roça de Jorge Bispo e Antero
na busca de pinha madura. Éramos os reis do Rio. Quanto mais águas melhor pra a
gente. Enfrentávamos remansos perigosos, corredeiras, mas a nossa habilidade na
condução dos cavaletes nos deixava muito a vontade para enfrentarmos situações
adversas.
Quando o Rio voltava ao leito normal acabava
a nossa brincadeira. Ficávamos a aguardar outras oportunidades pra começar tudo
de novo. Agora, vale lembrar que no decorrer das enchentes só havia um lugar
que a gente evitava nadar até lá porque o percurso era perigoso demais.
Refiro-me ao o encontro do Piranhas com o Piancó. Isso mesmo, essa junção
acontece lá na forquilha de dona Vitalina, matriarca da família Lacerda e
Junqueira. Quando queríamos assistir ao grande espetáculo do encontro das águas
do Piranhas com o Piancó, muito antes deixávamos nossos cavaletes e íamos a pés
até o local. Valia a pena porque era uma luta espetacular cujo vencedor era o
Rio com o maior volume d’água.
Assim terminava as nossas aventuras
naqueles bons tempos que a estação invernosa era mais generosa, - o que com
certa frequência fazia o Piancó transbordar além da sua calha - para o deleite
de dois ousados jovens que faziam das águas do rio o caminho que os permitia
chegar são e salvo à roça de Sá Ana, nossa saudosa avó, entre outras
localidades. Bons tempos, velhos tempos...
*Economista e
Escritor pombalense
Os Piratas de Sá Ana...
Reviewed by Clemildo Brunet
on
5/07/2017 07:21:00 AM
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