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VIVÊNCIAS DE UM JUIZ - I

Onaldo Queiroga
Onaldo Queiroga*

Pelas mãos de um Juiz passa o julgamento das ações de interdição.

Quando Juiz da 2ª Vara de Sousa, muitas vezes para interrogar o interditando tive que me deslocar até a sua residência, no mais das vezes localizada na zona rural. Nos dias aprazados para as audiências, saíamos pela manhã e só retornávamos à noite, ou seja, eu, o Promotor de Justiça, o defensor público, um oficial de justiça e um escrevente, acompanhados de uma máquina de datilografia, fazíamos um verdadeiro rali pelas estradas empoeiradas da psiquiatria, interrogávamos oligofrênicos, epilépticos, esquizofrênicos, paranóicos e psicopatas.

Certo dia, saímos pela estrada que dava acesso à cidade do Lastro, paramos num sítio, onde interrogamos um jovem com características de um débil mental profundo. Depois fomos em direção ao Distrito de São Pedro, Município de Santa Cruz. Num sítio, havia um homem com seus 40 anos que vivia trancado numa espécie de jaula. Era violento. Sua mãe, uma senhora de seus setenta anos, magrinha, disse: “- Doutor ele já vive nesse local há mais de vinte anos, pois solto é um perigo, agressivo e pode fazer mal até a mim.” Nos aproximamos, e, com cautela, perguntei ao pobre homem: “-Você mora aqui, trabalha aqui?” Ele, então, respondeu, de forma áspera: “Eu sou prefeito de São Paulo. Cheguei de avião agora de madrugada. Vim para atender o senhor, seja rápido, não sou de muita conversa, pois quero voltar para a prefeitura”. Fizemos outras perguntas e partimos.

Na Casinha do Homem, situada entre S. Cruz e Lagoa, chegamos à boca da noite. Logo visualizei um ancião com seus 70 anos, em pé, de calça e camisa da cor verde. Quando desci do carro, o velho veio do terraço, se pôs, em pé à minha frente, posição de sentido, bateu continência e me indagou: “-O senhor veio me alistar na guerra civí ou mundiá?” Nessa hora respondi, indagando: “-Quero saber para qual guerra o senhor deseja ir?” Ele, retrucou: “-Já servi na 1º e na 2ª Guerra Mundiá, por isso, quero ir para 3ª.” Fomos até a sala da casa, onde posicionamos a máquina de datilografia, como se estivesse fazendo um cadastro dele, continuei a interrogá-lo. Atrás da residência havia um enorme Cruzeiro, que me chamou atenção, por isso, resolvi indagá-lo sobre o mesmo. Sua resposta foi rápida: “-Coronel, o senhor não sabe, mas esse Cruzeiro foi colocado aí por São Pedro. Todas as pessoas que morrem nessa região, para subir ao céu, depois da meia noite, passam por esse Cruzeiro, é um barulho danado, uns choram, outros gritam, o vento balança toda mata e São Pedro vai mandando uns subir para o céu e outros para inferno.”

Concluído o interrogatório, voltamos para Sousa, com a certeza de que a loucura é intrigante, aflige diante de ações inesperadas, violentas, de isolamento e transforma humanos em seres desassistidos e sofridos.
*Pombalense, Juiz da 5° Vara Cível de João Pessoa - PB.
VIVÊNCIAS DE UM JUIZ - I VIVÊNCIAS DE UM JUIZ - I Reviewed by Clemildo Brunet on 8/04/2011 01:20:00 PM Rating: 5

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