Maringá: Hino oficial de um Senador da República
Romero Cardoso |
José
Romero Araújo Cardoso(*)
Quando Ruy Carneiro inspirou
no ano de 1932 o médico e compositor mineiro Joubert Gontijo de Carvalho a
compor “Maringá”, a mais bela e emocionante ode ao sertão e a um povo sofridos
e castigados com a inclemência das estiagens, instintivamente procurava uma
forma de suprir musicalmente a saudade atroz que o atormentava nas distantes
plagas brasileiras, em razão da necessidade de dar ênfase às suas funções
públicas e privadas fora da Paraíba e, principalmente, longe de sua amada
Pombal, terra natal que palmilhou e conhecia como ninguém, tanto em sua
geografia física como humana.
“Maringá” teve a
peculiaridade de salientar as emoções incondicionais que atrelavam Ruy Carneiro
a cada paisagem do seu torrão natal, tanto natural como antrópica, tendo em
vista que é exatamente isso que sua canção predileta revela em cada acorde
mágico, pois a essência magistral e
telúrica de um povo forte que ama de forma
irresoluta a terra estorricada do semiárido, que não esconde vantagens e
desvantagens para quem o habita, encontra-se de forma plena neste grande
sucesso do cancioneiro nacional.
Ruy Carneiro era um boêmio
inveterado, apaixonado pelos acordes de um sonoro violão e pelas vozes
privilegiadas dos seus conterrâneos adeptos de serenatas sem locais prévios de
realização, pois era em Pombal que o grande tribuno se sentia feliz, ao lado de
sua gente, por quem tanto lutou e empenhou de forma estoica a grandiloquência
de sua palavra a fim de buscar garantir qualidade de vida enquanto referendo às
suas lutas e determinações irreversíveis.
Ruy Carneiro |
Na companhia de inúmeros
amigos que cultivavam a boemia, Ruy Carneiro marcou indelevelmente, de forma
positiva, o imaginário do povo da sua terra, pois as diversões profanas e as
serenatas eram consideradas coisas de malandros e não prática cultural para um
homem formado em Direito que chegou aos altos escalões da administração pública
no País. Ruy conseguiu, com muito esforço, reverter essa concepção errônea,
legado de um processo de formação patriarcal marcado pelo profundo autoritarismo
presente na sociedade sertaneja agropastoril, bem como nas demais estruturas
sociais espalhadas pelo País.
Ficaram famosas as serenatas
patrocinadas por Ruy Carneiro e seu particular amigo Juscelino Kubstchevsky.
Ruy, lembrando Pombal, cantando com toda emoção “Maringá”, chegava às lágrimas
facilmente, recordando as inúmeras vezes em que se recostou no cruzeiro que
marca a passagem do século XVIII para o XIX, de frente à igreja do Rosário, de
cuja festa fazia questão de participar levando o andor de São Benedito. Pombal
era seu tesouro mais precioso, sua razão de vida, seu encanto e testemunho
maior dos momentos mais felizes que passou quando o sertão era seu lar, seu
habitat. Com “Maringá”, Ruy teve condições de perpetuar de forma mais enfática
cada filete de água serpenteando o velho Piancó, os inúmeros pick-niks às
sombras das oiticicas e ingazeiras, a fartura dos arrubacões tradicionais,
imprescindível em qualquer manifestação artístico-musical imemorialmente
realizada ao longo dos três grandes cursos d´água que, em tese, poderiam
beneficiar Pombal de maneira mais abrangente e racional, mas que, graças a
falta de compromisso, de iniciativa, de empreendedorismo, perdem-se em direção
ao Oceano Atlântico sem nenhuma perspectiva mais inteligente de aproveitamento.
Para a emoção ser mais
tangível, mais forte, mais presente, Ruy sugeriu a Joubert de Carvalho inserir
refrão de aquilatado valor sentimental em “Maringá”, pois as pessoas que
testemunharam o Senador da República cantando seu Hino Oficial garantiram que
era forte demais vê-lo se desmanchar em lágrimas, com lábios trêmulos, tentando
concluir a canção em cujos versos finais enfatizam que antigamente uma alegria
sem igual, dominava aquela gente da cidade Pombal, mas veio a seca, toda chuva
foi-se embora, só restando então as lágrimas dos olhos quando choram.
Sentindo que Ruy Carneiro
encontrava-se imerso em reminiscências abissais, JK tomava-lhe o violão e
dedilhava os acordes de sua canção predileta – o Peixe-Vivo – hino oficial de
um povo heroico de cuja porção setentrional tanto lembra as condições naturais
do sertão que Ruy Carneiro amou brilhantemente e incondicionalmente.
“Maringá”, hino oficial de
um Senador da República, poesia sublime que retrata os dramas das secas,
documento musical ímpar que elevou um município paraibano à necessidade do mais
profundo instante de reflexão sobre os problemas humanos oriundos com as
estiagens e com os descasos dos homens da terra, perpetuar-se-á, pela beleza da
composição, aos séculos sem fins por todos que cultuam a beleza artística das
produções humanas mais sensíveis à alma e ao coração.
(*) Geógrafo. Professor-adjunto da UERN.
Maringá: Hino oficial de um Senador da República
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/02/2012 05:14:00 PM
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