O lado triste do Natal
Hermes C. Fernandes |
Por
Hermes C. Fernandes*
Há algo perturbador no relato de natal
feito por Mateus. Talvez muitos não tenham se detido ali, pois afinal, o
nascimento de Jesus é de tal grandeza que acaba por ofuscar qualquer outro
acontecimento periférico. Porém, trata-se de um genocídio perpetrado por um
monarca furioso que se vê ameaçado pelo nascimento de uma criança.
Geralmente, consideramos Estêvão o
primeiro mártir da fé cristã. Porém, muito antes de ele ser apedrejado,
milhares de crianças de apenas dois anos para baixo, tiveram suas vidas ceifadas
sem ao menos saberem pelo que morriam. Essas, sem dúvidas, poderiam ser
consideradas os primeiros mártires da fé. Se eu fosse católico, sugeriria que o
Papa promovesse a primeira canonização coletiva e
Por que Deus não evitou aquilo? Por que
não enviou anjos para avisar a todos os pais a fim de que fugissem para o
Egito, como fizeram José e Maria?
Deveríamos considerar aquela matança
como ‘efeito colateral’ indesejável?
Seria apenas para cumprir uma agenda
profética, conforme lemos em Mateus 2:16-18?
“Então se cumpriu o que foi dito pelo
profeta Jeremias, que diz: Em Ramá se ouviu uma voz, Lamentação, choro e grande
pranto: Raquel chorando os seus filhos, E não querendo ser consolada, porque já
não existem.”
Enquanto Maria e José viajavam incólumes
pelo deserto, milhares de mulheres choravam em alta voz enchendo as ruas de um
lamento jamais ouvido.
O que aquelas crianças fizeram para ter
tal destino?
Durante a celebração natalina, muitos
sofrem a ausência de familiares queridos. Aqui mesmo em casa, sentimos imensa
saudade de minha sogra, falecida às vésperas do natal de 2009.
Fiquei sobremodo sensibilizado ao ler
agora a pouco, no mural do facebook de um pastor amigo um triste depoimento em
que confessa que antes ele era 100%, mas que agora, após a partida de sua
filhinha, ele era apenas 75%. Não consigo mensurar a dor do coração daquele
pai. Ao ler isso, tive vontade de abraçá-lo e oferecer meus ombros como altar
em que pudesse derramar suas lágrimas.
Por que perdemos pessoas queridas? Nada
mais antinatural do que um pai enterrar o próprio filho. Se Deus sabe o quanto
dói, por que permite que aconteça?
Como celebrar o natal com a mesma
alegria de antes se a pessoa a quem tanto amamos nos deixou?
Por isso, muitos preferem não celebrar o
natal. Preferem dormir mais cedo. Recusam convites, enclausurando-se em seu
mundo melancólico.
Não me atrevo a oferecer uma resposta
simples diante de tanta dor. Entretanto, gostaria de sugerir uma reflexão que,
queira Deus, traga algum consolo.
De acordo com o relato de Lucas,
enquanto Jesus percorria a via-crucis, algo inusitado aconteceu:
“E seguia-o grande multidão de povo e de
mulheres, as quais batiam nos peitos, e o lamentavam. Jesus, porém, voltando-se
para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por
vós mesmas, e por vossos filhos. Porque eis que hão de vir dias em que dirão:
Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não geraram, e os peitos que não
amamentaram!” Lucas 23:27-29
Pouco antes deste fatídico episódio,
Jesus já havia alertado aos Seus contemporâneos que aquela geração estava
destinada a ser receptáculo do juízo divino. Agora, mesmo trazendo nas costas
uma pesada cruz, Ele interrompe a caminhada para dizer àquelas mulheres que
choravam por Ele: Não é por mim que vocês deveriam estar chorando, mas por
vocês mesmos e por seus filhos.
Há choros que nos poupam de outros
choros. Aquelas crianças, cujas vidas foram tão precocemente ceifadas por
ocasião do nascimento de Jesus, foram poupadas da triste sina que aguardava Jerusalém
ainda naquela geração. Uma tragédia as poupou de outra muito maior.
Maria, por exemplo, foi poupada de ter
seu filho morto em seus braços pela espada de Herodes, mas assistiu à Sua
execução na cruz. Já lhe havia sido profetizado que uma espada lhe penetraria o
coração, e isso se deu ao ver seu filho ser fincado no madeiro.
De uma coisa podemos estar certos,
aqueles que nos foram tirados estão em situação infinitamente melhor do que
nós. E só Deus sabe de que teriam sido poupados, e de que nós mesmos teríamos
sido poupados com a sua partida precoce.
À luz disso, não deixemos de celebrar o
natal, mesmo que isso nos traga à lembrança da dor da perda. Foi por Jesus ter
sido poupado da espada de Herodes que Ele pôde cumprir toda a justiça de Deus e
por fim, dar Sua vida pela redenção da criação.
Graças a isso, um dia reencontraremos
todos os que nos deixaram e juntos celebraremos uma festa que ofuscará qualquer
celebração natalina.
Feliz Natal à todos, mesmo os que não
veem motivo para celebrar.
*Hermes C.
Fernandes - Conferencista, autor, formando em Psicologia, doutor em Ciência da
Religião, presidente da REINA, Rede Internacional de Amigos.
O lado triste do Natal
Reviewed by Clemildo Brunet
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12/22/2016 07:43:00 AM
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