Eu não sei por quê
Ricardo Ramalho |
Ricardo Ramalho*
No ano mágico de 1968, estudava em Jundiaí, colégio
agrícola, localizado nas cercanias de Natal. Em férias, no meio do ano, segui
para Pombal. O inverno havia sido generoso e o ânimo da população se encontrava
elevado. Efervescência no ar, na pele, nos corações, nos hormônios. A juventude
descobria suas potencialidades, se arremessava, discutia política, arte,
relacionamentos e, sobretudo, aparecia. Que época! Que momentos ricos de saber
e paixão pela vida!
Dois grandes acontecimentos sociais se entrelaçavam: a
tradicional vaquejada e a Semana Universitária. Naqueles dias, tudo acontecia e
a cidade se repletava de música, esporte, teatro, debates e muita diversão. A
ebulição política do mundo e do país dominava o espírito das comemorações, mas,
não esfriava o clima de ‘’paquera’’ e namoro que permeava, em todos os eventos
e situações.
Sempre ligado em música, consegui comprar, com muita
economia das mesadas, dois “compactos duplos”, como eram denominados os discos
fonográficos que continham quatro composições, duas em cada lado. Um era dos
Beatles e o outro dos Incríveis. Reproduzidos em “radiolas”, faziam sucessos
nas diversas ocasiões festivas.
Havia terminado um namoro, iniciado no último carnaval
e interrompido pelo semestre de aulas, no longínquo local dos estudos que não
me permitia vir a Pombal, exceto nas férias. Precisava me firmar com outra,
rapidamente. Afinal, o tempo seria restrito e, novamente, retornaria ao
colégio. Mas, se tornaria difícil, pelos vínculos de amizade entre as garotas
de então. Uma das convenções era uma espécie de respeito a um período de “quarentena”
aos ex-namorados. Fútil e oferecida se atribuía aquela que, nos dias seguintes
ao desfecho, aceitasse o namoro e poderia sugerir traição, mesmo depois do
término.
Busquei, insistentemente, resolver essa questão.
Havia, ainda, a necessidade de demonstrar ter superado o final do namoro
recente. Falhei na primeira tentativa. A pretendida correspondia meu desejo,
mas, alegou ser muito amiga da ex-namorada e necessitava de tempo para tal
decisão. A segunda, invocou, argumentos semelhantes e, igualmente, me
dispensou, pelo menos, por enquanto. Não poderia esperar mais. No baile, à noite, decidi que procuraria
outra, quem sabe de fora da cidade, uma vez que existiam muitas visitantes, atraídas
pelas festas. Uma delas me chamou atenção, particularmente, uma vez que estava
hospedada na mesma rua em que morava. O Clube, estava super lotado. Descobri,
no turbilhão de gente, a jovem, meiga, atraente e muito bonita, que aceitou
dançar comigo. Soube que era de Campina Grande. Dançamos muito, mas, o barulho
dominante e minha timidez, não consentiram que, sequer, conversasse com ela. De
repente, a música é interrompida e se inicia o odiado intervalo. Então, seguiu
para a mesa de seus amigos e me perdi na multidão. Não repeti a ousadia de
voltar a dançar com a mesma. Quem sabe, temia sofrer um ‘’corte’’, como se
denominava, à época, a negativa de dançar. No dia seguinte, frustrado,
constatei que havia retornado ao local de sua residência. Esvaíram-se, assim,
minha esperança de ‘’emplacar’’ um novo relacionamento.
Com a conclusão das férias, segui de volta para o
colégio agrícola. Passaria por Campina Grande e dali a Natal. Já, na conhecida
rodoviária, um rádio de lanchonete, transmitia, em volume alto, um programa
musical. O locutor anunciava: música nova do Beatles, Hello goodbye! E o som
ecoou, com as vozes do quarteto de Liverpool a cantar: hello, hello, I don’t
know why you say goodbye, I say hello (Olá, olá, eu não sei por que você diz
adeus e eu digo olá). Uma música de letra fácil e pueril a me dizer tanto,
naquele instante. Senti a presença daquela garota ‘’quase sonho’’ que nunca
mais vi.
*Cronista pombalense radicado em Maceió Alagoa
Eu não sei por quê
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/24/2017 06:52:00 AM
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