1969: A RUA DE BAIXO TAMBÉM NÃO FOI À LUA
Jerdivan
Nóbrega de Araújo*
Já passava da meia-noite de 20 de
julho de 1969 quando na terceira janela, da esquerda para a direita, na casa de
seu Godo; como acontecia todas as noites um velho Rádio, fiel companheiro de mestre Álvaro, era o centro das atrações
dos que por ali se aglomeravam. Soprava um vento frio e o céu estava estrelado
como estreladas são todas as noites de Pombal.
Não mais do que duas televisões
existiam em toda a cidade (ainda em testes), mas, mesmo assim, era bem melhor
continuar com o velho rádio como companheiro do que “ficar olhando aquela caixa
de abei-as, como costumava dizer
Biinha”.
Todas as noites, “A Voz do Brasil” era
disputada pelos ouvintes atentos, na busca de notícias vidas do Planalto
Central. Naquela noite em especial,
havia mais ouvintes na plateia, e até uma garrafa de cachaça, umas piabas na
farofa e uns pitus cozidos, os quais Tinha, filha de seu Godô, providenciou
para agradar ao pai..
Há meses que o assunto da Voz do Brasil era, entre uma e outra
homenagem à “Revolução”, a viagem do homem à Lua. Uns queriam ouvir para desmentir; outros
ouviam apenas porque nas noites da Rua de Baixo, quando não se estava jogando
baralho e tomando cachaça, estava-se de orelha colada no rádio e tomando
cachaça. Somava-se a isso a motivação e a alegria pela classificação da Seleção
brasileira para a Copa do Mundo do México, no ano seguinte.
De olhar fixo no céu, os rádios
ouvintes não queriam perder um só lance do que, para aquele povo, não passava
de uma grande mentira. Até que de repente, na voz do repórter vem a contagem
regressiva e lá estão os três heroicos americanos Armstrong Collins, e Aldrin,
subindo em direção à Lua.
Pelo menos foi assim em outras
localidades mas, não na Rua de Baixo.
Ali o narrador até que se esforçava
para convencer a plateia incrédula, numa comovente narração que deveria
convencer, sem sombras de dúvidas, a toda a humanidade, que os americanos são
capazes de tudo e que a democracia americana havia vencido mais uma vez os “comunistas”,
vindos já de dois fracassos na tentativa de ser o primeiro país a colocar um
ser humano na face da lua.
O repórter era incansável em sua
narração. Afinal, se era bom para os Estados Unidos, deveria ser bom para o
Brasil. - já havia dito Kennedy, numa outra oportunidade.
“— E
seguem estes bravos americanos para uma aventura sem igual na história da
humanidade. Um Foguete de 23 metros, batizado de Apolo XI, vai levá-los nessa
histórica aventura”. Narrava emocionado o locutor de A Voz do Brasil.
Porém, no chão enlameado
da Rua de Baixo a história não era bem assim.
Cândido se contorcia em sua cadeira de balanço e jurava que era tudo
mentira.
— Ora, basta olhar para cima para se ver
que é mentira: nem Lua tem esta noite! ——Resmungava o incrédulo ouvinte.
— Seu Cândido tem razão. E mesmo se a
lua estivesse no céu, como um foguetão de vinte e três metros vai pousar numa
coisa do tamanho de uma bolacha peteca? — Retrucou Joãozinho de Chica.
— Eu acho que esses americanos querem
ser é Deus, mas, na verdade, o que falta neles é a presença de Deus... aleluia!
Aleluia! Aleluia! Falou em tom de pregação Genésio de dona Dôra, já de Bíblia
aberta em mãos.
Zé de Dozim e João Rapadura, mais
espertos, tomavam a cachaça sem dar muita atenção à viagem cósmica dos
americanos ou aos comentários dos descrentes pares.
— Gente, será que isso não é cavilação
de seu Raulino? - Resmungou Birô de
Onofre.
— Mas, me diz uma coisa: esse foguete
tem mesmo 23 metros? - Indagou Cisenandro.
— Foi o que disse o rádio de mestre Álvaro.
—
defendeu seu Godo, que, em seguida, chamou Tana e mandou que ele fosse
até a casa do Pedreiro Natércio, pegar
um escala para poder projetar as
medidas do foguete, visualmente.
Logo que a escala chegou, a procissão
de cambaleantes e incrédulos bêbados seguiu pela Rua Benigno Cardoso, medindo o
chão, até chegar aos vinte e três metros. Atrás de todos, Chico de Godo,
Crocodilo e Chico de Ernesto disputavam
o último gole de aguardente.
Medido os vinte e três metros,
seguiu-se um silêncio, que foi quebrado pelo comentário de Zé da Viúva:
—Vige seiscentos diabos, agora lascou!
Como é que um foguetão do tamanho da chaminé da Brasil Oiticica vai subir até a
Lua? Se for assim eles vão encontrar a
lua cheia de “foguetão” soltada por seu Inácio e, Pedro Corisco na Procissão do
Rosário.
— Eu quero é que eles levem um coice
do cavalo de São Jorge para deixar de se meterem com o que tá quieto. E vocês, seus cachaceiros
fi de uma puta, que não têm o que fazer, vão fazer barulho na porta da
puta que pariu. Onde já se viu a gente num poder dormir por conta de um bocado
de desocupados? — Falou seu Joaquim, já
irritado com o barulho.
Mestre Álvaro, um homem da ciência,
que até aquele momento não se pronunciara, pois estava concentrado na voz do
locutor, por fim deu seu parecer:
—Enquanto vocês acreditam ou deixam de
acreditar se os americanos foram à Lua, eles estão chegando lá e vão trazer o
foguete cheio de ouro.”
—Conversa besta, seu Álvaro. Se a lua
é de prata como eles vão trazer ouro? ” — corrigiu Cachorra Veia.
A noite foi curta. O Rádio Alto
Piranhas, já havia saído do ar. Pedro Jaca e Zé Capitula já haviam passado com
suas jumentas para buscar água no rio, porém, a discussão ainda continuou
madrugada a dentro.
Outras garrafas de cachaça haviam sido
providenciadas, de forma que ninguém sabia mais se o homem estava viajando para
a Lua, Marte ou o diabo que o carregue, como gritou de lá Valderir
eleletricista.
De vez em quando, alguém ainda se
lembrava de olhar para o céu sem luar e resmungar um balbucio, sempre na
esperança de ver um ser vivente ou, quem sabe, um foguete de vinte e três
metros que venha prová-los que os americanos realmente estavam a caminho da
lua.
Foi a primeira grande conquista
espacial do homem, porém, como disse godo, o mais descrente:
— Sabe de uma coisa? O homem foi à Lua
assim como dona Poncher, sogra de seu Valderir eletricista, viu discos voadores
sobrevoar a Rua de Baixo.
*Pesquisador
e Escritor*
1969: A RUA DE BAIXO TAMBÉM NÃO FOI À LUA
Reviewed by Clemildo Brunet
on
7/20/2019 05:29:00 PM
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Um comentário
Não é todo dia que temos a oportunidade de saborear um texto tão bem humorado como este...kkkkkkkkk
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