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TRIBUTO AO REI DO BAIÃO

FRANCISCO VIEIRA* Treze de dezembro de 2008, dia em que a Igreja Católica reverencia Santa Luzia – a protetora dos olhos – que segundo a história fez votos de virgindade perpétua. Neste mesmo dia se comemora o aniversário de nascimento de Luiz Gonzaga – O Rei do Baião – que se vivo fosse estaria completando 96 anos. Portanto, há quase duas décadas a música popular brasileira vive sem o seu expoente maior. Há praticamente vinte anos, o forró, o xote e o baião, reclamam com saudades a ausência desse gênio nascido no dia 13 de dezembro de 1912, na Fazenda Caiçara na Serra do Araripe, zona rural de Exu – Pernambuco, lugar que ele exaltou na música “Pé de Serra”, sua primeira composição. Luiz Gonzaga do Nascimento era seu nome de batismo. Manifestou muito cedo vocação para a música. Desenvolveu seu talento com a orientação de Januário, seu pai, que além de grande tocador de acordeão era também exímio no conserto do instrumento. Ambos eram bem familiarizados. Havia entre eles íntima ligação. Assim, ainda criança, já se apresentava tocando nos bailes, forrós e feiras da região. Lula ou Lua, como era também conhecido, teve que forçosamente abandonar sua terra natal. Por conta de um amor proibido ausentou-se poupando a própria vida. Houve que, tendo se apaixonado por uma jovem chamada Nazarena, filha do Coronel Raimundo Deolindo, rico e poderoso fazendeiro da região, este, se manifestando contrário ao casamento o ameaçou de morte. Devido sua insistência, seus pais, Januário e Santana, lhe surraram, pois não queriam ver o sangue do filho derramado em nome de um amor impossível. Diante da desfeita, revoltado, Gonzaga fugiu para a cidade do Crato – Ceará, onde ingressou no exército brasileiro, dando baixa nove anos depois, em 1.939, e se transferindo para o Rio de Janeiro para se dedicar a arte musical. No Rio de Janeiro, então capital brasileira e maior vitrine artística do país, começou sua carreira tocando inicialmente na zona do baixo meretrício. A princípio limitava-se ao solo de acordeão de gêneros musicais da época, como: choros, sambas, Fox e outros. Na verdade seu repertório era composto de ritmos estrangeiros que apresentava sem sucesso, inclusive em programas de calouros, muito em evidência nesse tempo. Finalmente apresentou-se com aplausos no programa do exigente Ari Barroso, tendo executado a música “Vira e mexe”, a primeira gravada por ele em 78 rotações que se trata de um samba de sua autoria e com a cara do nordeste. Foi uma apresentação triunfante que lhe abriu as portas para o sucesso, pois firmou o primeiro contrato com a Rádio Nacional. Foi realmente uma glória, pois a Rádio Nacional significava no cenário artístico o que a TV Globo representa nos dias atuais. Portanto, ratificando, era motivo de júbilo – conquista tão sonhada. Assim, iniciou sua brilhante carreira, tendo gravado em 1.945, na RCA Victor, a primeira música como cantor: a mazurca “Dança Mariquinha”, composta em parceria com Saulo Augusto Silveira. Lula teve no mesmo ano um romance com a cantora Adaléia Guedes, que trazia no ventre uma criança de quem Luiz assumiu a paternidade e dando-lhe o nome de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior – ninguém menos que Gonzaguinha – que fora criado pelos padrinhos com assistência financeira do pai adotivo. A ele fora dispensado todo o carinho e afeto, pois ali estava o filho que ele não podia ter, visto que era estéril. Gonzaga, embora sofresse de arteriosclerose, faleceu no dia 02 de agosto de 1.989, vítima de parada cardio-respiratória, no Hospital Santa Joana na capital pernambucana. A sua morte foi causa de tristeza e comoção em todo Brasil e alvo das maiores homenagens em todo país. Foram inúmeras as manifestações de reconhecimento prestadas pelo seu imensurável valor. Aí se destaca a manifestação espontânea do povo durante o cortejo no trajeto entre o hospital e o aeroporto, no Recife. Era enorme a multidão que seguia seu corpo até o aeroporto cantando entre choros e lágrimas suas principais canções. E, como uma devoção ao líder religioso Padre Cícero Romão, seu corpo foi velado em Juazeiro do Norte – Ceará e em seguida transportado para Exu – Pe, seu torrão natal, onde foi sepultado com todas as honrarias maçônicas, pois era Mestre Maçom e membro ativo da Loja Maçônica Paranapuã - Ilha do Governador - Rio de Janeiro. Sintetizando, Luiz Gonzaga foi o mais autêntico defensor e representante da cultura nordestina através da música. Se não bastasse sua luta pela difusão do forró o que lhe concedeu com justiça o título de Embaixador Sonoro do Sertão, criou ainda o baião, consagrando-se seu Rei. A música ASA BRANCA, composta em 1.947, em parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira, tornou-se emblemática. Contudo, segundo o próprio artista, a TRISTE PARTIDA, de Patativa do Assaré, lhe agradava mais, pois retrata melhor a vida do nordestino. Gonzagão em sua carreira gravou em torno de 600 canções dos mais renomados compositores, entre os quais se destacam: Humberto Teixeira, Zé Dantas, Onildo Almeida e de poetas famosos como Patativa do Assaré e Zé Marcolino. Na verdade sua bagagem musical chega a aproximadamente 1.600 canções, isto é, se levarmos em conta as diferentes versões de uma mesma música. O título de REI DO BAIÃO lhe foi outorgado com muita justiça. Sabe-se que hoje, o ritmo que reconhecemos como baião, deve-se a ele e a Humberto Teixeira a sua criação. Seguramente o baião não existia antes deles. Foi na verdade uma inteligente criação que surgiu da mistura de ritmos nordestinos que ambos conheciam muito bem, tornando-se sucesso nos anos quarenta e cinqüenta. Portanto, negar a sua autoria seria ignorar sua origem. Seria desconhecer a importância e grandeza dos ritmos nordestinos para a cultura brasileira. Luiz Gonzaga foi mais que um cantor; foi um cantador. Ele cantou o sertão, o nordeste e o Brasil. Suas composições refletem a vida do sertanejo, que mesmo sofrido não se abate. Seu sofrimento se mistura a fé. É na verdade um conjunto de sentimentos inexplicáveis, porém capazes de superar os efeitos da seca tão decantada em suas composições. Aí, se justifica o pensamento de Euclides da Cunha, quando sabiamente exaltou o nordestino afirmando que “o sertanejo é antes de tudo um forte”. Além de tudo o que representa para o mundo artístico, Luiz Gonzaga, tornou-se ainda sinônimo de respeito para os seus conterrâneos – um líder. Graças a essa influência conseguiu o que parecia impossível - a sonhada pacificação entre as famílias Sampaio e Alencar - em Exu, sua terra, as quais viviam há anos em conflito tendo ceifado dezenas de vidas. Certamente, se Luiz Gonzaga vivo fosse, estaria hoje no mínimo decepcionado com o desrespeito à música popular brasileira, inclusive ao forró, que também não foi poupado dos vis interesses econômicos que banalizaram a boa música. Com certeza, o Rei do Baião, estaria revoltado ou no mínimo estarrecido com a vulgarização do que temos de melhor em nossa cultura. De fato, além de espantoso é revoltante, ter que conviver com a degradação da nossa verdadeira música. É melancólico, vê-la perder a originalidade e se apresentar desnuda da menor criatividade intelectual. É sombrio, vê-la revestida de péssima qualidade melódica e letras recheadas do mais alto índice pornográfico, portanto, desprovidas da menor inspiração e que somente contrariam os bons costumes, a ética e a moral, qualidades sempre preservadas pelo sertanejo. Músicas assim, não exprimem nossos sentimentos, não retratam os costumes e tradições do nosso povo. Povo sim, pobre, sofrido e maltratado, porém, de uma inteireza de caráter ímpar. Diria que, vítima da desigualdade social ainda reinante em nosso país. Segundo o escritor mineiro João Guimarães Rosa, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Nisso eu concordo. Luiz Gonzaga é a confirmação desse pensamento. É que a arte imortaliza o artista. Eles se eternizam em nossas lembranças. Entretanto, contrariando, o Brasil muitas vezes vira às costas aos grandes artistas. É uma atitude ingrata que certamente não acontecerá em relação à Gonzagão que será eternamente lembrado. Suas músicas e sua voz inconfundível ressoarão ativas em nossos pensamentos. A sanfona branca, o chapéu de couro e demais adereços de sua indumentária típica do vaqueiro nordestino, fiéis e inseparáveis companheiras das estradas percorridas em sua longa e brilhante carreira, jamais serão esquecidas. Gonzaga será sempre lembrado, pois artistas como Dominguinhos, Alcimar Monteiro, Flávio José, Fagner, Elba Ramalho e outros, todos discípulos do Rei e escudeiros de nossas tradições musicais continuarão lutando e defesa do autêntico forró.Enquanto isso, Lua estará ao lado de Jackson do Pandeiro, Sivuca e outros no conservatório do céu colaborando harmoniosamente com a felicidade e a paz no Reino de Deus. O prêmio por uma coisa bem feita é tê-la feito. Reconhecer e exaltar são deveres de justiça. Aí se justifica este meu artigo que deve ser considerado como uma homenagem justa merecida ao mais importante defensor da nossa música. Todo aquele que escreve sua história sem desprezar os erros cometidos, mas fazendo deles lições, não cairá no rol do esquecimento. Este é o meu tributo ao maior expoente da música nordestina.
SALVE O FORRÓ. SALVE LUIZ GONZAGA – O ETERNO REI DO BAIÃO.
*PROFESSOR.
TRIBUTO AO REI DO BAIÃO TRIBUTO AO REI DO BAIÃO Reviewed by Clemildo Brunet on 12/20/2008 08:48:00 PM Rating: 5

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