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LOUCOS DAS RUAS DE POMBAL NOS ANOS 70

Por Jerdivan Nóbrega de Araújo*
Cabelos vermelhos enlaçados em bobes coloridos, batom escarlate, unhas pintadas e muito pó de arroz no rosto, sapato alto, branco em contraste com uma bolsa chanel em verniz vermelho trajando saia plissada, Luzia Carne Assada é a síntese da deselegância e desce, a passos rápidos, pela Rua do Comércio resmungando palavrões. Atrás, uma procissão de moleques a segue como se seguisse a um carro alegórico. Com sua "verbagem" imprópria, ela não deixa por menos e solta os mais apropriados palavrões.
Bisel jura que não tomou o vinho do Padre Oriel... Mais do que um hábil sacristão que não se esquece de tocar o sino acompanhando a Sagrada oferta, ele é a própria imagem de São Sebastião, sendo diariamente flechado pelas línguas dos que não se conformam em vê-lo, passar em direção à Matriz com o seu “cassete” em punho exibindo seus lábios leporinos, para auxiliar na missa.. Bisel do Padre, Casco de Burro e muitos outros apelidos o têm acompanhado fazendo eco pelas ruas de Pombal.
Bihino e Mussun foram casados e batizados com a fumaça e a cachaça barata dos botecos do Cabaré de Love, onde ele, quando jovem era sanfoneiro, tocando um fole de oito baixos. Mané Doido ou Mané do Chicote é mais respeitado. A sua arma é presença de espírito que não deixa seus algozes sem a devida resposta. Por este particular, é preferível deixá-lo seguir seu caminho em paz, a ter uma resposta mais sã do que a provocação.
Por não ter residência fixa e “mora” nas imediações do Mercado Público. Certa vez, observava atento o cartaz do Cine Lux, exposto ao lado do Mercado Público, enquanto rasgava saborosamente, com os seus dentes podres, um belo pedaço de pão. Vendo aquela cena e não querendo desperdiçar a oportunidade de soltar pilhéria, o Neném da Farmácia, provocou: — Mané doido, comendo pão no meio da rua? O filósofo louco, mais que de imediato, respondeu: —E o senhor quer que eu alugue uma casa só para comer um pão? O velho louco e filósofo quando via duas ou mais pessoas jogando conversa fora, deduzia que estavam mentindo e, como forma de entrar na conversa, chegava bem no meio dos “confabulantes” e dizia: — A conversinha e essa e o bode de Maria de Deca não aparece... Ninguém sabia que bode de Maria de Deca era esse que não aparecia, mas, a máxima tornou-se popular de forma que muita gente passou a usá-la quando queria dizer que pessoas estão falando da vida alheia.
Clóves sabe que o bicho pode ser de águia a vaca e se você insistir pode ser até que seja “a rapariga da sua mãe”. “Nina Pata Choca” acredita que “nessa cidade de fio da puta” só Dr. Avelino é homem de bem”.
“Barrão 70 ganhou este apelido ainda nos anos sessenta; é, entre todos, o mais violento”. Expedito doido e Gerinha são mais pacientes, não são muito de responder aos seus agressores. — Que horas são? — Não sei. O relógio da Coluna Hora nunca tem a hora certa quando se precisa. — Mas quem a terá?
Baixinho, gordo para o sofrimento que carrega sempre vestido com seu completo e surrado terno escuro, com algumas bugigangas dependuradas e apoiando seus quase setenta anos numa refulgente bengala, Zé Capitula mais parece um personagem fugido das histórias de Ariano Suassuna.
Seguido por uma penca de moleques, vem ele lentamente. Se alguém pergunta as horas, e muitos o fazem, ele coloca o anel contra o sol, e diz.... E se você realmente tem um compromisso, não tenha a menor dúvida que ele acertou cada minuto. Como? É a pergunta que fazia em Pombal.
Quando mais novo Zé Capitula era vendedor de água. Cortava Pombal com seus cinco jumentos oferecendo o precioso líquido para os que tinham o prazer de ser seus fregueses. Só vendia água a “doutores” Conta-se que ele era o vendedor de água mais confiável da cidade, no que se diz respeito à higiene e qualidade do produto que se propusera a comercializar, portanto. Sua clientela ela selecionada.
Xica Pavi vende água e bolo na “pedra da estação de trem”. O caneco é amarrado a um cordão. Se o trem parte ela arranca o caneco da boca do cliente de um só puxão, o que nem sempre dá certo... — Fio duma puta: cortou o cordão e levou meu caneco... Bença padim Tonhim me dê uma quarta de café. Nonato só tem respeito mesmo por Tonhim da bodega. Não é agressivo e caminha rápido pelas ruas e avenidas de Pombal como se vivesse sempre atrasado e como as mãos juntas como se dedilhasse um Rosário. Leva e trás recados para Terezinha de Nathan. Às vezes o pego parado por horas a fio, olhando a estrada de ferro que se perde no horizonte, como se naquela estação fosse um dia chegar o seu consciente. Embucharam Maria Buchim mais uma vez, e, mais uma vez, não se sabe quem é pai do rebento. Já Maria do Menino jura que seu filho é a cara de Padre Gualberto. Não tenho noticias de Gerinha faz dias. Bode Véi fede mais que pai de chiqueiro, daí o apelido oportuno. Parrela é cobra de Farmácia, conservado no álcool e Bico Doce continua a enterrar os infelizes defuntos de Pombal.
Talvez seja o sol quente. Talvez seja a ociosidade e a cachaça de graça. A verdade é que Pombal é bem provida de loucos. Cada cabeça um mundo ou cabeças em nenhum mundo. Não sei. São nossos Dom Quixotes em busca de moinhos de vento ou Napoleões e Joanas D’Arcs caídos dos seus cavalos nessa aventura não menos louca que é viver numa cidade esquecida no meio do sertão paraibano nos anos sessenta.
*Escritor Pombalense.
LOUCOS DAS RUAS DE POMBAL NOS ANOS 70 LOUCOS DAS RUAS DE POMBAL NOS ANOS 70 Reviewed by Clemildo Brunet on 4/20/2009 09:28:00 AM Rating: 5

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