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TRIBUTO A GARRINCHA - O ANJO DAS PERNAS TORTAS.

Prof. Vieira (Foto)
Por Francisco Vieira*
Foi-se o tempo em que nossos ouvidos vibravam com a boa música. De forma similar, foi-se também o futebol arte. Deu adeus a era que nos deleitávamos ante a geniosidade dos nossos jogadores. Mais do que craques eles eram artistas da bola. Talentosos e donos de habilidade ímpar, com suas jogadas, inebriavam nossos olhos, satisfaziam nosso ego e nos proporcionavam momentos de raro prazer. Era como instantes de volúpia, tal qual êxtase. Com suas qualidades muitos se tornaram mundialmente conhecidos, ganharam fama e fizeram desse esporte nossa maior referência, patrimônio e orgulho.
O mundo da bola tem suas peculiaridades. A título de exemplos destacam-se os apelidos dos jogadores, dados conforme as características de cada um. Assim foi que Pelé (Santos F.C), foi cognonimado O Rei do Futebol, título honroso que faz jus pelas qualidades técnicas que o fizeram de fato o melhor do mundo. Também Ademir da Guia (Palmeiras) – O Divino, devido seu talento e habilidade jogava como um ser divinal; Nilton Santos(Botafogo) – A Enciclopédia – em matéria de futebol era um professor - sabia de tudo e mais um pouco; Jairzinho(Botafogo) – O Furacão: como uma força avassaladora rompia qualquer esquema defensivo; Paulo César(Botafogo) – O Craque da Moda: vestia-se conforme a moda; Gerson(Botafogo) – O Canhotinha de Ouro: seus lançamentos eram tão valiosos quanto o metal mais precioso; Quarentinha(Botafogo): fazia lançamentos de 40 jardas; Amarildo(Botafogo) – Papagaio: em campo falava demais; Dida(Fla) – O malabarista, ~Vavá – O leão, Clodoaldo – O corró, Leônidas da Silva – O diamante negro, Zagalo – O formiguinha etc. E, numa época mais recente destacamos: Zico – O galinho, Roberto Dinamite, Sócrates: O doutor, Romário: O baixinho, Ronaldo: O fenômeno e muitos outros, todos interessantes e bem sugestivos.
Assim foi também com Garrincha, um dos maiores jogadores do mundo ao lado de Pelé. Manoel Francisco dos Santos era seu nome de batismo, o Mane Garrincha ou simplesmente Garrincha, apelido que herdara de sua irmã em alusão a um pássaro muito comum na região serrana. Nasceu em Pau Grande, distrito de Macaé-RJ, no dia 18 de outubro de 1933, onde viveu sua infância ao lado de uma família composta de quinze irmãos.
Garrincha era de origem humilde tendo enfrentado grandes dificuldades antes da fama. Devido uma poliomielite na infância adquiriu uma distrofia física a qual lhe deixara como herança as pernas tortas. Tal defeito lhe fizera driblar a medicina que lhe julgara incapacitado a prática do futebol. Portanto, como num desafio a ciência notabilizou-se pelos seus dribles desconcertantes que se tornou sua marca registrada. Parece até que as pernas tortas contribuíam facilitando seus dribles que faziam dos marcadores motivo de chacota. Todo marcador parecia uma marionete e por isso eram chamados de “João”.
O BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS foi o clube onde se projetou e jogou a maior parte da vida, tornando-se seu maior ídolo e orgulho dos torcedores. Seu teste no “Alvinegro da Estrela Solitária” deu-se depois de várias decepções pelos clubes do Rio de Janeiro que lhe negaram qualquer chance devido seu biótipo que não era favorável. Embora não se tenha a certeza de quem o levou para o Botafogo, sabe-se que seu teste aconteceu depois de muita insistência tendo finalmente lhe oferecido uma oportunidade. Talvez para justificar sua dispensa foi marcado por ninguém menos que Nilton Santos, que já era jogador renomado, no qual aplicou sucessivos dribles impressionando a todos. Contam que o próprio Nilton Santos, que mais tarde viria a ser seu melhor amigo e compadre, aconselhou sua contratação. Percebeu de pronto suas características de craque, portanto, tê-lo como adversário seria um desconforto. Contam inclusive, em tom de gracejo, que ele disse: “contrata logo, pelo amor de Deus, senão eu nunca mais vou poder dormir sossegado”. O certo é que a partir daí o sono dos seus marcadores nunca mais foi tranqüilo e passou a ser verdadeiros pesadelos.
Garrincha defendeu o Botafogo de 1953 até 1965, onde jogou 614 partidas e marcou 245 gols. Conquistou três títulos de campeão carioca, dois do Rio-São Paulo e seis internacionais. Na seleção brasileira teve grandes participações, sendo campeão nas copas de 58 e 62, quando viveu o auge de sua carreira. Foi o grande responsável pela conquista do Bi-campeonato, pois Pelé que já era consagrado fora afastado definitivamente devido forte contusão logo no segundo jogo. Conquistou ainda a Taça Bernard O!Higgins – 55- 59 e 61; Oswaldo Cruz – 58-61 e 62 e a Copa Rocca em 60. Participou de 60 jogos e marcou 17 gols, tendo perdido apenas uma partida e vencido todas as que jogou com Pelé. Até mesmo na seleção Garrincha mostrou-se irreverente, pois nunca abandonava seus dribles, chegando a repetir a jogada desnecessariamente. Parecia até brincava. Contudo, irritava a comissão técnica, humilhava os adversários e colocava a torcida em delírios que lhe aplaudia de pé.
No final da carreira, Garrincha, já em plena decadência atuou sem sucesso pelo Corinthians, Flamengo, Olaria, Alecrim e Atlético da Colômbia, pendurando as chuteiras em 1972. Garrincha para sobreviver chegou a fazer exibições pelo interior, tendo inclusive jogado nas cidades de Patos e Cajazeiras. A prova disso está nas fotos tiradas com Admilson e Amauri Leite. A propósito o que eu também gostaria de ter feito. (Não diria uma frustração, mas tenho saudade do que eu não fiz)
A vida pessoal de Garrincha foi bastante conturbada. O craque desde cedo se manifestou ligado à farra. Dedicou parte de sua vida a noitadas amorosas sempre recheadas de bebedeiras, prática que afetou sua vida profissional. Não sabia ele que estava deixando se levar pelo alcoolismo, doença que se tornaria seu adversário invencível e que o levaria ao fracasso e a morte. Casou-se muito cedo com Nair, namorada de infância, com quem teve oito filhas. Entretanto, seu grande amor foi a cantora Elza Soares, cujo relacionamento iniciou na copa de 58, na Suécia e durou quinze anos de transtornos. Desse casamento nasceu um filho que recebeu o nome do craque e faleceu aos nove anos, vítima de acidente automobilístico. Teve ainda um romance com uma jovem chamada Iraci, com a qual teve também um filho apelidado por Neném. Coincidência ou não, também morreu de acidente aos 28 anos de idade.
Garrincha, “O anjo das pernas tortas”, como chamou o poeta Carlos Drumond de Andrade, faleceu no Rio de Janeiro no dia 20 de janeiro de 1983, vítima de alcoolismo. Ele que foi protagonista do filme “Alegria do Povo”, que encantou e ainda encanta todas as torcidas com jogadas exclusivas de gênios. Ele que fez vibrar a todos, até mesmo os que confessam aversão ao futebol; que driblou os mais duros laterais tornando todos iguais, não conseguiu driblar seu implacável marcador – o alcoolismo, pelo qual foi vencido. Enfim, faleceu Mané Garrincha, fazendo silenciar todos os estádios do mundo. Ouvi-se ainda hoje um eterno e uníssono murmurar de todas as torcidas que ainda choram inconformadas sua perda irreparável. Com certeza a camisa sete que se tornou referência para o torcedor brasileiro e de forma particular um orgulho para o botafoguense, jamais terá alguém a sua altura.
Foi-se Mané Garrincha e com ele a alegria do povo. Ele que ao lado de Pelé fora considerado pela crônica esportiva o maior jogador do mundo em todos os tempos. Perguntado, a propósito, a Nilton Santos, qual seria realmente o melhor do mundo, sabiamente respondeu: são os dois, sendo cada uma na sua posição. Seria, pois injusto apontar o melhor. Melhor mesmo para nós brasileiros que temos a maior e melhor dupla de futebolista do mundo em todos os tempos. É mais que um privilégio, é uma dádiva divina.
Garrinha, portanto, viveu os dois lados da vida, os dois extremos. Conheceu o ápice e a base, o côncavo e o convexo, o positivo e o negativo, o bem e o mal. Garrincha experimentou os ares da glória e o sabor amargo da decadência. Ele que fora homenageado no carnaval de 1982, pela Estação Primeira de Mangueira, já num estado bastante deprimente, enfim, morreu pobre e solitário. E, o que é pior, foi inclusive desprezado pelo próprio Botafogo, time que defendeu muitas vezes sob o efeito de aplicações que eram ministradas para suportar as dores nos meniscos, a fim de cumprir os compromissos milionários do clube. É que sua presença multiplicava o valor do contrato. Por incrível que pareça, o Botafogo, num gesto de ingratidão, negou a família a edificação de seu túmulo em Pau Grande, onde o craque fora enterrado. A construção do seu mausoléu deve-se a Nilton Santos, que fizera com recurso próprio, depois de várias tentativas inúteis junto à diretoria do alvinegro de General Severiano, o que lhe causara intensa revolta.
Contudo, em que pese todas essas qualidades, é provável que Garrincha não tivesse espaço nos dias de hoje. É possível que “o craque das pernas tortas” não sobrevivesse ante a mediocridade de tantas “pernas de pau”, que praticando o chamado “futebol de resultados”, se utilizam da violência, subestimando a arte, o que é belo e bom. Com essa visão, os clubes pagam salários milionários a jogadores sem talento, portanto, peças descartáveis que tão pouco iniciam a carreira já integram o rol dos esquecidos. De fato, num futebol ordinário onde prevalece a violência, realmente, não existe espaço celebridades.
Bem, vou parar, pois entendo que é impossível dizer tudo de Garrincha. Tudo o que podia ser dito a seu respeito se resume em parte da crônica de Carlos Drumonnd, que assim descreveu: “se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo que alimento o sonho”.
A mim, tê-lo como ídolo, é bastante. E, ainda mais, por ter jogado no meu clube do coração. Ai se justifica a minha reverência, o meu tributo a GARRINCHA – O ANJO DAS PERNAS TORTAS.
Pombal, 04 de novembro de 2.009.
*Professor, Ex Diretor da Escola Estadual "João da Mata" e Ex Secretário de Administração.
TRIBUTO A GARRINCHA - O ANJO DAS PERNAS TORTAS. TRIBUTO A GARRINCHA - O ANJO DAS PERNAS TORTAS. Reviewed by Clemildo Brunet on 11/05/2009 02:48:00 PM Rating: 5

Um comentário

Novo disse...

Caro Prof. Vieira.
Extraordinárias recordações desse grande ídolo, não só dos botafoguenses, mas de toda uma nação.
Parabéns pelo belo artigo que resgata para a juventude atual os nossos ídolos da fase áurea de nosso futebol. Atualmente estamos carentes desses talentos de outrora, mas vamos auferindo nossas conquistas.
Continue a nos brindar com essas boas recordações.
Antonio D. Maniçoba

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