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"PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES"

MACIEL GONZAGA (Foto)

MACIEL GONZAGA*

Escrita e interpretada pelo paraibano Geraldo Vandré, a canção também conhecida por “Caminhando” foi classificada em segundo lugar no Festival Internacional da Canção de 1968. Aquele foi um ano de grandes manifestações e marcos para a história, não só no Brasil, mas também na Europa, nos Estados Unidos, Tchecoslováquia e México. Tudo acontecia quase que ao mesmo tempo: a Guerra no Vietnã, a Primavera de Praga, o assassinato de Martin Luther King e Robert Kennedy, o decreto do AI-5, a Tropicália, o Festival de Cinema de Cannes, etc. O sexo não era mais visto como “um horror” e ”pecado” e as mulheres não queriam mais ser um objeto do homem, surgia a mini-saia.

Logo a seguir, a música teve sua execução proibida durante anos, pela ditadura militar brasileira, usando como pretexto a "ofensa" à instituição contida nos versos "Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam antigas lições / de morrer pela pátria e viver sem razão".

Estes dias, ouvindo a música de Geraldo Vandré, recordei os velhos tempos – e parece que foi há tanto tempo! As recordações têm o efeito do saudosismo. A verdade é que os jovens de hoje tendem a não valorizar a Política e nem a democracia. Eles não têm a experiência das lutas pelas liberdades democráticas e estão mais predispostos a adotar uma postura individualista e apática ou a construírem um aparato conceitual doutrinário que desconhece a própria história dos embates dos movimentos sociais pela democracia, ainda que restrita ao seu aspecto liberalizante.

O conformismo, a tecnologia, e várias outras novidades que surgiram após 1968, impedem que estudantes despertem em si os mesmos desejos de mudança. Muitos jovens não conseguem imaginar que existiu um tempo em que não havia internet, DVD, CD, TV em cores e muito menos TV a cabo, shopping centers, big brother, MSN, orkut, entre outras coisas.

Pertenço a uma geração que, na cidade de Campina Grande, aprendeu a fazer política na Igreja, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nas sociedades de amigos de bairros, em clubes de futebol amador de bairros, etc. Ali, aprendíamos a desconfiar das organizações burocráticas, a desconfiar da institucionalidade burguesa, da política eleitoralista e parlamentar e também dos limites da gestão do Estado; mas também aprendíamos a jogar o jogo e, na verdade, muitos da nossa geração se adaptaram bem aos corredores e ambientes das instituições políticas. Eu fui um deles!

Aprendemos e erramos muito. Não obstante, a Política fazia sentido. Acreditávamos que poderíamos mudar a nossa vida e o Brasil – e muitos mudaram apenas as suas vidas e hoje é difícil reconhecer certos companheiros daquela caminhada.

Acreditávamos que construíamos a nova sociedade. A utopia da sociedade justa e igualitária se concretizava a partir das pequenas conquistas, das coisas mais simples. Queríamos a democracia e esta significava tanto o direito de eleger nossos representantes, quanto a possibilidade de praticá-la nos diferentes espaços em que convivíamos (comunidades eclesiais de base, pastorais, reuniões e assembléias sindicais, etc.).

Com o tempo aprendemos que a política expressa os diversos interesses sociais, isto é, seu fundamento é a desigualdade na base da sociedade; que o direito de voto, tinha que ser uma conquista. Dessa forma, aprendemos a valorizar a democracia. Para Aristóteles, o cidadão é aquele capaz de governar e ser governado. A política é, portanto, a atividade própria dos homens livres e é a condição de proprietários que fundamenta o status de cidadão. Porém, a conquista de direitos civis e políticos não garantem o usufruto de direitos sociais. Se o Estado reconhece os direitos políticos, isto é, a inclusão dos trabalhadores, inclusive dos mais pobres, à qualidade de cidadãos, escamoteia a desigualdade social real e individualiza os direitos. Vivemos numa democracia sem cidadania social.

Por último, mesmo depois de 40 anos, essa composição de Geraldo Vandré ainda pode nos expor a importância da luta pelos nossos objetivos, desejos e ideais, mas principalmente de como o conhecimento dos próprios direitos e deveres é imprescindível para que se construa uma sociedade melhor e democrática, além de ser o nosso principal dever como cidadão.

*Jornalista, Advogado e Professor. Natal RN.

"PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES" "PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES" Reviewed by Clemildo Brunet on 5/04/2010 09:52:00 AM Rating: 5

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