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CRUELDADE DO TEMPO QUE PASSOU E DOS QUE NOS RESTA

Jerdivan N. de Araújo
Jerdivan Nóbrega de Araújo*

“Eu desisto não existe essa manhã que eu perseguia, um lugar que me dê trégua ou me sorria, uma gente que não viva só pra si”. Um lugar onde o badalar do sino da minha idade silencie para não me lembrar que o tempo transformou o mundo em algo tão monótono, sem objetivo e sem graça.

Eu quê fui de ônibus até o Rio de já Janeiro só para ouvir Dr Ulisses, carreguei “pirulitos” em memoráveis passeatas pelas “Diretas Já”, “Fora FMI”, a “Petrobrás é Nossa”, e até chorei ao ouvir a noticia da morte de Tancredo, jurei votos de silencio eterno por Elis e Tom Jobim, estive presente nos dez anos do PT em Curitiba só para ver Lula de perto. Trajei, sobretudo e boina tal o guerrilheiro Che Guevara, fui “fiscal do Sarney” e pintei faixas e rostos pelo “Fora Collor”, me indignei com os jardins da Casa da Dinda, enquanto os urubus passeavam no meu quintal, corri do exercito e até de índios acivilizadados em Porto Seguro, nos 500 ano do Brasil, agora, sinto que me falta papel em branco para continuar a escrever novas páginas da minha história.

Um segredo que queria levar ao tumulo, mas, hoje faço questão de revelar, é que há anos, talvez cinqüenta, não recordo bem, recebi de presente uma máquina do tempo que me leva ao futuro a cada segundo e, só segundo por segundo. Uma inútil, perseverante e impiedosa máquina que tenho vontade de desinventar ou, pelo menos, reverter seus efeitos para ter de volta os tempos das boas músicas de Cartola, Taiguara, Raul Seixas, Gonzagão, Milton e Chico Buarque. Tempo dos carnavais das machinhas e da inocência dos beijos roubados, das serenatas em soleiras de janelas, das notícias vindas do Vietnã ou das músicas boas nascidas no Beco das Garrafas.

-Até Let it be me fazia chorar...

A banda vai passando em disparada, mas, meu caminho é de pedra como posso andar? Como possa caminhar e cantar sem tropeçar no passado, se a máquina do tempo só me leva, segundo a segundo, para um futuro sem volta, sem perspectiva de vida sob esse sublime torrão, onde soldados armados “amados ou não” pisam com suas botinas as flores das quais eu não ousei falar?

Este mundo novo não me permite sequer olhar para trás sem ser criticado por uma geração que acredita que “As viagens de Gullver” é história nova criada por roteiristas de Hollywood, que Zé Américo é apenas nome de rua e Valdir Sclia foi um cara que a globo disse que morreu na semana passada.

É cruel viver num mundo onde o que não pode ser escrito em 140 caracteres é longo de mais e impossível de se ler. O que não se pode teclar e depois deletar simplesmente não existe e, até os filmes bons e as boas músicas são as que, um mês depois, não lembramos sequer do titulo.

Não quero que a máquina do tempo, que anuncia a minha extinção, perturbe os ouvidos dos que escutam iPod com suas boas letras de “tarrachinhas” e “Minha mulher não deixa”. Tambem não é meu desejo que minha existência ofusque a visão dos que usam óculos 3D.

O meu tempo é o ontem e o deles é apenas o agora, o já. Os meus passos e olhares enfraquecidos, não renegam o novo. Também não trata se está absoleto para esse mundo que se constrói em micro ondas e se desfaz rápido assim como flashes de luz. O que “eu não queria é a juventude assim perdida, eu não queria andar morrendo pela vida”, apenas quero lembrar que existiu um tempo em que o entardecer trazia noites enluaradas em chuvas de prata, as manhãs eram ensolaradas e, nas tardes de domingos, cruzavam as ruas da minha cidade apenas Jipes, kombis e Rurais.

“Se existe alguém na linha se tem alguém no ar, por favor, responda agora não me faça esperar, há uma certa urgência por informação. A aqui to eu sozinho, do outro lado não sei não”, alguém que esteja me ouvindo ajude-me a achar a última peça para compor essa ópera do juiz final até que a minha máquina do tempo, que só me leva ao futuro e que torna o meu mundo um outono sem primavera, seja concluída mesmo que em um suspiro final, para dizer ao tempo que se ele quiser começar tudo de novo pode contar comigo, pois sempre “vai valer a pena ter me rebelado ter me debatido ter me machucado ter sobrevivido ter virado a mesa ter lhe conhecido”.

“Tempo, tempo, tempo és um senhor tão cruel...”

Twitter não é coisa nova. Há cinco mil anos Deus passou 12 para Moisés. E depois se calou para sempre.

*Escritor Pombalense
CRUELDADE DO TEMPO QUE PASSOU E DOS QUE NOS RESTA CRUELDADE DO TEMPO QUE PASSOU E DOS QUE NOS RESTA Reviewed by Clemildo Brunet on 3/08/2011 05:24:00 PM Rating: 5

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