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O APITO DO TREM ASA BRANCA E A SIRENE DA BRASIL OITICICA

Jerdivan N. Araújo
Jerdivan Nóbrega de Araujo*

— Escutei um apito!

O trem acaba de chegar na Ponte de Vermelha do Xiquexique. Não tardará a aparecer na curva do Rói Couro.

A Pombal do inicio dos anos sessenta ainda não conhecia a Televisão, que veio chegar por aqui em mil novecentos e sessenta e oito. Nas janelas e corredores do trem anônimos artistas se acotovelavam numa coreografia mal ensaiada. Chegando ou partindo, é na pedra de uma estação de trem que se conhece o povo: seu jeito, seus sonhos e esperanças. Partem e chegam com o apito do velho trem da REFFESA. A velha estação é um ponto de encontros e de desencontros do povo da minha terra.

Os vendedores de “mangai” disputavam os clientes como se cada um fosse o último.

— Quem quer comprar uma fatia de bolo, um copo d’água; um cafezinho ou uma tapioca?

— Água fria e gostosa a dez centavos a caneca. Pague antes de beber e devolva o copo que tem mais gente com sede.

- Se não beber agora só vai beber a água barrenta de Arruda Câmara.

E segue de janela em janela, “Lamparina sem Pavi” vendendo água. De repente um moleque a chama pelo apelido, ela dispara tamanhos palavrões que faz a freguesa desavisada se engasgar com a água que acabara de comprar.

O copo de alumínio é amarrado a um cordão. O pagamento é adiantado: se o trem partir antes do cliente tomar a água, “Lamparina Sem Pavi” puxa o cordão sem piedade, não se importando em molhar o freguês.

— “Fio duma puta miseravo”: Cortou o cordão e levou a caneca!

Os carregadores disputam o frete enquanto que as madames, vindas também de Fortaleza, desfilam com suas “Frasqueiras” novas. Seu Raimundo de Castro, o Chefe da Estação, se acha tão importante quanto o Padre, o Juiz e o Prefeito, desfilando para um lado e outro, vestido a caráter, dando ordens a um e a outro ajudante, de forma a deixar claro a todos o seu poder naquele território limitado.

Madrinha Eudócia, elegantemente conduzindo sua frasqueira azul, última palavra em bolsa feminina, desce do vagão, chegando de Iguatú, onde fez compras de tecidos e outras necessidades femininas para negociar em Pombal

Mal o trem chega e já vai saindo, serpenteando e soltando seus gritos agourentos pelo estreito caminho de ferro.

Um dia esse trem vai partir deixando a velha estação perdida no meio do nada, com suas vendedoras de café, tapioca e água gritando suas mercadorias para uma freguesia fantasma que não mais sente fome. Um dia aquele velho Chefe de Estação vai perder seu olhar no horizonte à espera de um trem que não vem. O único registro dessa época talvez sejam algumas tomadas do filme Fogo, que Waldemar Solha continua gravando na “pedra” da estação. Estas ficarão para sempre.

Os vagões tanques se perdem de vista fazendo manobras na Rua do Guindaste para entrar na Brasil Oiticica. Eu sempre acho que ele não vai conseguir passar pelo estreito portão e se colocar entre a caixa d‘água e a caldeira para recolher o óleo quente que ali é fabricado pelos operários retintos da felugem que é expelida pela chaminé de barro que aponta em súplica para os céus de Pombal.

A fila de caminhões carregados com amêndoa de oiticica atravessa toda a Rua Nova, e segue fazendo a volta em torno do Mercado Publica. É festa, é emprego e é fartura na mesa do trabalhador.

Professora Marinete ensina aos filhos dos operários numa sala de aula ali mesmo dentro da fábrica. Nonato Doido passa em correria e sem destino certo. E Assim o mundo vai girando nas ruas de Pombal.

Logo mais a sirene vai tocar para a saída dos operários.

—Um dia essa sirene tocará pela última vez! Um dia esse trem é fantasma na memória de poucos filhos de Pombal. ( Do livro 'Sob o Céu Estrelado de Pombal”

*Pesquisador da história de Pombal e Escritor
O APITO DO TREM ASA BRANCA E A SIRENE DA BRASIL OITICICA O APITO DO TREM ASA BRANCA E A SIRENE DA BRASIL OITICICA Reviewed by Clemildo Brunet on 10/05/2011 05:21:00 AM Rating: 5

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