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OS NOTÍVAGOS DE ANTIGAMENTE

Ignácio Tavares
IGNÁCIO TAVARES*

Quando residia na terrinha, no decorrer da semana, habitualmente costumava estudar até meia noite e meia, depois saia à procura de amigos para um bom papo acompanhado de alguma coisa mastigável.

Sabia muito bem onde encontrá-los depois da meia noite para uma boa conversa. O boteco de Beliscada era um dos lugares, onde sempre podia encontrar um ou mais amigos notívagos como eu. Havia ainda o café de Joaquim do Grude que passava a noite aberto a espera dos habituais fregueses da madrugada.

Outro ponto era a birosca de seu Ignácio, localizada quase em frente ao sobrado de Joaquim Assis, nas proximidades da antiga agencia do Banco do Brasil. Neste local, àquelas horas da noite, com certeza encontraria os amigos Epitácio Queiroga, Rubens Medeiros, Joaquim Assis, entre outros amantes da noite.

A conversa era boa. Rubens, não bebia, mas era um versátil conversador. Gostava de um bom papo. Sábio, de inteligência aguçada, por isso, valia a pena escutá-lo, mesmo que não estivesse a concordar com as idéias embutidas nos relatos a que costumava fazer.

As suas estórias podiam ser interessantes, mas, ao concluí-las, no meu modo de pensar, provocavam mais duvidas do que certezas. Isso porque ideologicamente navegávamos em mares diferentes e o amigo tinha consciência dessa divergência no nosso modo de pensar.

É tanto que à todo momento que o amigo estava a expor suas idéias, com certa frequência fixava-me o olhar a espera de uma reação. Como não estava a fim de alimentar discussões ideológicas, preferia ficar calado, pois no momento o que mais me interessava era degustar a saborosa farofa de torresmo de seu Ignácio.

Era isso mesmo, pois a minha presença àquelas horas da noite na birosca de seu Ignácio devia-se dos cocrantes torresmo de tripa com farinha, além do prazer de conversar com amigos. O papo era diversificado, mas, às vezes concentrava-se entre os que mais falavam.

Epitácio Queiroga gostava de provocar Rubens opondo-se às suas argumentações eivadas de idéias políticas conservadoras. Rubens ficava possesso com as colocações de Epitácio contra suas idéias. A conversa alongava-se até altas horas, qual uma cantilena sem fim.

Eu e Joaquim observávamos a conversa dos dois, sem emitir qualquer opinião para ver quando iam parar. Entre uma conversa e outra, seu Ignácio trazia mais um prato de tripa torrada com farinha, acompanhada de meia garrafa de Pitu. A noite já era uma criança, mas as conversas, muitas vezes, estavam apenas começando.

Para mudar o rumo do papo, a gente insultava Epitácio pra que ele cantasse a música Nancy do repertório de Francisco Alves. O amigo tinha uma voz bonita e afinada. Conhecia quase todos os clássicos do Chico Alves, o rei da voz. Passado esse momento, mais uma vez Rubens provocava Epitácio para mais uma conversa infindável. Mais uma vez eu e Joaquim procurávamos desviar atenção de Rubens.

Mesmo assim Rubens insistia. A nova conversa passou a girar em torno da obra que havia sido concluída na Praça Getúlio Vargas. A prefeitura instalou novos bancos e mudou o piso em toda extensão da Praça. Rubens teimava com Epitácio, que em toda obra havia sido posto exatos, 12 mil pisos do tipo mosaico.

Epitácio desafiou Rubens pra apostar alegando que não havia 12 mil pedras ao longo de toda praça. Pra acirrar a discussão, num calculo fajuto, estimou que no máximo 9.500 pedras haviam sido postas em toda extensão da praça. Rubens concordou em apostar que realmente foram assentados 12.000 mosaicos, nem mais, nem menos.

A aposta foi feita, não me lembro o que foi que valeu. Rubens se dispôs a contar todos os mosaicos a fim de dirimir as dúvidas. Começou pela coluna da hora e seguiu praça acima. Nesse meio tempo todo mundo se evadiu e Rubens, sem sentir a ausência dos amigos continuou o seu penoso trabalho.

O dia já estava perto de amanhecer. Mané Capitula tangia seus jegues adestrados em direção o rio pra apanhar a água da sua freguesia. Enfim, Rubens terminou a contagem. Olhou em direção a birosca de seu Ignácio, não viu ninguém. Aí percebeu que todo mundo havia ido embora, apenas ele se encontrava na praça, naquelas horas da manhã.

Por volta das onze horas do dia seguinte, horário que Epitácio chegava à farmácia, Rubens apresenta-se com um pedaço de papel abarrotado de números. Falou: ô Epitácio, ninguém acertou a quantidade de mosaicos postos na praça. Foram exatamente 10 250.

Epitácio, gozador como sempre, ostenta um sorriso maroto e fala pra Rubens: ótimo! Neste caso ninguém ganhou a aposta. Mas, confesso que mantenho as minhas dúvidas, portanto acho que deve ser feita uma recontagem. Retrucou Rubens: concordo, mas, desta vez, você é quem vai recontar. Risos.....

Na noite seguinte, no mesmo lugar estávamos todos a conversar miolo de pote, noite à dentro, até o momento em que Mané Capitula passasse, novamente, com sua tropa de burros em direção ao Piancó.

Como notívagos displicentes, os chocalhos dos jegues de Mané Capitula era a referência que nos levava a entender que a noite já estava a findar. Só nos restavam partir em direção às nossas respectivas casas, a fim de nos rendermos ao sono dos justos.

Que saudades dos amigos que já não estão entre nós. Que saudades do tempo que a gente podia conversar até altas horas da madrugada sem medo de ser feliz, não é? Tempo! Tempo, por que tanta perversidade?

João Pessoa, 24 de Fevereiro de 2012

*Economista e Escritor pombalense.
OS NOTÍVAGOS DE ANTIGAMENTE OS NOTÍVAGOS DE ANTIGAMENTE Reviewed by Clemildo Brunet on 2/24/2012 09:23:00 AM Rating: 5

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