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O POETA SUBIU


Severino Coelho Viana

Por Severino Coelho Viana

A vida é uma simples sombra que passa (...); é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa. William Shakespeare 

O planeta Terra abalou-se com o soneto de tristeza, que fez ecoar a lira dos arcanjos no céu, anunciando a chegada de um sonhador que rimava nas noites de luar. Após o abraço paternal com o Todo Poderoso foi à vez do reencontro entre mestre e discípulo, entre o poeta com o poeta, entre Augusto dos Anjos e Ronaldo Cunha Lima que declamaram em versos sonoros perante a festividade celestial. 

Uma crônica literária não passa de um pequeno espaço para descrever a vida e a obra literária de RONALDO CUNHA LIMA: menino pobre que vendeu jornal e trabalhou como garçom em restaurantes; o aluno que custeava os seus próprios estudos e ajudava nas despesas familiares; o estudante que foi presidente do grêmio escolar e tornou-se um ativista político; o acadêmico de direito enfrentando as lutas estudantis e o brilhante advogado militante que deixou nas lides forenses o exemplo de grande jurisconsulto; o promotor de justiça que foi um intransigente defensor da lei; o vereador, o prefeito, o deputado estadual, o deputado federal, o governador do estado, o senador da república; o poeta que cantou a vida na sonoridade das noites; o orador talentoso que fez do palanque uma noite de serenata com seus versos comovedores que eram aplaudidos pelas multidões nos longínquos rincões da Paraíba. 
Recordo o tempo que conheci, pessoalmente, Ronaldo Cunha Lima. Era acadêmico de direito, numa sexta-feira à noite, depois das aulas, e nós, uma patota de amigos estudantis, fomos para o antigo bar Drive-in, em João Pessoa, eu, Cássio Cunha Lima, Delosmar Mendonça Jr, Ubiratan Delgado, Paulo, Expedito, este último de posse de um violão, que por sinal tocava muito bem. Quando estávamos no auge da brincadeira chegou Ronaldo Cunha Lima acompanhado de seus amigos, sentando-se numa mesa próxima a nossa, avistou Cássio, veio cumprimentá-lo, e ali, imediatamente se enturmou com todo mundo, logo se transformando no centro das atrações. Quando percebeu que tinha deixado a sua turma, disse com firmeza: __ Eu vou dar uma satisfação aos amigos que vieram comigo, mas logo depois, eu venho para o meio da juventude!

Não demorou, retornou a nossa mesa, começou a contar seus “causos” na militância jurídica, os anos obscuros da cassação dos direitos políticos e a dor que sentira por dez anos que ficou afastado da vida política, uma carreira frustradas por um ato arbitrário do período de autoritarismo militar. Certo momento, ele começou declamar Augusto dos Anjos. E eu me lembro de que, quando ele declamou o primeiro verso de “Versos Íntimos”, eu declamei o segundo verso, ele disse o terceiro e eu respondi com o quarto, e, finalmente, chegamos ao final do soneto, que terminou com uma estronda de gargalhada. 

A nossa passagem pela militância política só fez aumentar a nossa aproximação e nossa amizade, além de sermos Promotor de Justiça, pertencentes à mesma família do Ministério Público do Estado da Paraíba. Um dia estava trabalhando com afinco, usando um grande poder de concentração, o celular tocou que inesperadamente me assustou, era Ronaldo Cunha Lima na linha e assim se expressava: Coelho, quero fazer você Senador da República: __ Como é que isto pode acontecer. Há tempo que deixei a militância política e não sou filiado a nenhum partido? __ Mais eu quero você Senador. __ Diga-me como vai ser esta mágica? __ Coelho, amigo, é um grande favor que quero de você. Eu quero que você vá me representar, na cidade de Pombal, no lançamento do livro da poetisa, Aparecida Carneiro, que será realizado na Academia de Letras de Pombal. __ Eu não sou a pessoa ideal, mas não posso recusar um convite seu, Ronaldo! __ Eu sei quem estou escolhendo, não vou ser decepcionado. Ah! Sim, eu não disse que ia fazer você Senador da República! O convite foi cumprido! 

No círculo de nossa intimidade, vale até mesmo para as pessoas que moram distante e estão longe do nosso convívio habitual, nós queríamos que elas não partissem rapidamente e permanentemente ficassem no nosso habitat, mas a morte não tem escolha, os seus desígnios são indecifráveis, o chamamento é implacável, mas felizes os que deixaram bons frutos que serão semeados no decorrer do tempo de toda à posteridade. Esta vida terrena é marcada por chegadas e partidas. Ninguém escolheu o dia em que chegou a este mundo, e não é possível saber o dia em que seremos chamados a deixar tudo o mais para trás e partir, a embarcar na Grande Viagem de caminhos desconhecidos. 

Assim conta a lenda filosófica: 
Num consultório localizado perto da residência de um médico, um homem bastante doente falou, em desespero: Doutor, tenho medo de morrer! Diga-me, o que há do outro lado desta vida? Calmamente, o médico disse: __ Eu não sei!... Nunca estive lá. __ Você não sabe? __ E fala com essa tranquilidade? Neste momento, ouviram o ruído de arranhões e ganidos do outro lado da porta fechada. Quando o médico abriu a porta, um cachorro entrou e pulou, alegremente, sobre ele. Virando-se para o paciente o médico disse: __ Este é o meu cachorro. Ele nunca esteve nesta sala; não sabia o que havia aqui, apenas sabia que o seu dono estava... No entanto, quando a porta se abriu, ele entrou sem medo algum. __ Não sei quase nada do que há depois desta vida. Mas, sei de uma coisa: __ Eu sei que o meu SENHOR está lá! E isso é suficiente! 

O arremate de despedida fica por conta de Olavo Bilac, no poema intitulado de: A Um Poeta Morto. Quando a primeira vez a harmonia secreta De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira, - Dentro do coração do primeiro poeta Desabrochou a flor da lágrima primeira. E o poeta sentiu os olhos rasos de água; Subiu-lhe â boca, ansioso, o primeiro queixume: Tinha nascido a flor da Paixão e da Mágoa, Que possui, como a rosa, espinhos e perfume. E na terra, por onde o sonhador passava, Ia a roxa corola espalhando as sementes: De modo que, a brilhar, pelo solo ficava Uma vegetação de lágrimas ardentes. Foi assim que se fez a Via Dolorosa, A avenida ensombrada e triste da Saudade, Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa Dos órfãos do carinho e da felicidade.

Recalcando no peito os gritos e os soluços, Tu conheceste bem essa longa avenida, - Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços, Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida. Teu pé também deixou um sinal neste solo; Também por este solo arrastaste o teu manto... E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo, Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto. Mas tua alma ficou, livre da desventura, Docemente sonhando, as delícias da lua: Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura, Guardando na corola uma lembrança tua... O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra, Se imortalizará, pelas almas disperso: - Porque purificou a torpeza da terra Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso. 

João Pessoa, 08 de julho de 2012.

SEVERINO COELHO VIANA
scoelho@globo.com   
O POETA SUBIU O POETA SUBIU Reviewed by Clemildo Brunet on 7/08/2012 09:56:00 PM Rating: 5

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