O golpe. E a vaca fardada
Nonato Guedes
nonaguedes@uol.com.br
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é jornalista. Colunista político, atuou nos principais jornais da
Paraíba e no Estado de São Paulo. Foi superintendente de A União. Lançou em
2012 o livro "A Fala do Poder", com discursos de governadores eleitos
da Paraíba. É diretor de Redação do REPORTERPB. E-mail para contato:
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O golpe. E a vaca
fardada!
31/03/2013
No transcurso, hoje, dos 49 anos do movimento revolucionário de março de
1964, também conhecido como golpe ou quartelada, ocorre-me a lembrança de um
desabafo do general Olympio Mourão Filho, proferido a jornalistas paraibanos no
Hotel Tambaú. Como comandante da IV Região Militar, sediada em Juiz de Fora,
Minas Gerais, Mourão cometeu a precipitação de botar as tropas na estrada, a
caminho do Rio de Janeiro, enquanto outros chefes militares e o governador
Magalhães Pinto aparentemente vacilavam quanto à deflagração do “putsch”.
Consta que Mourão sonhava com uma promoção em alto estilo. Desejava, mesmo,
ocupar o ministério da Guerra, ou do Exército, como prêmio por ter sido
precursor da articulação golpista.
Restou-lhe a presidência da Petrobras. De mais a mais, Mourão era tido
como um militar de limitação intelectual, o que o colocava distante de
promissoras ambições com que sonhara. Foi, por assim dizer, a primeira vítima
da “Revolução”, não no sentido de ser perseguido ou torturado, como aconteceu
com ativistas de esquerda e
com meros militantes da causa da liberdade, não
necessariamente atrelados a organizações subversivas, como rezava o jargão da
época. Furioso com a preterição, ele veio dar com os costados em João Pessoa.
E como não era homem de meias palavras, ao ser indagado por jornalistas
da terra sobre sua visão do golpe, entregou os pontos: “Eu sou uma vaca
fardada”. Foi posto na compulsória. Da farda e do silêncio.
Não se pode agradar a todos, evidentemente. E a História está repleta de
casos em que aventureiros de primeira hora de quaisquer insurreições acabam
ficando para trás por falta de espaço. Os heróis passam a ser os que aparecem
na fotografia oficial, ou que enfeixam o poder. Figuras como Mourão entram
inapelavelmente no folclore. As honras, em alto estilo, vieram para o general
Humberto de Alencar Castelo Branco, que conspirava em silêncio, depois para o
general Arthur da Costa e Silva, e, na seqüência, para outros militares que
fizeram o rodízio da ditadura até 1985, quando a cidadela foi vencida e o poder
devolvido aos civis.
Quase 50 anos de uma quartelada que poderia ter sido evitada se não
houvesse a gana de tomar o poder a todo custo, dele desalojando os legítimos
representantes, carimbados pelo voto popular, pela manifestação democrática das
urnas. No princípio, era para ser passageiro o “putsch”. A ordem pública,
teoricamente ameaçada, seria restabelecida, e, com ela, o Estado Democrático de
Direito. É possível que Castelo Branco tenha acreditado nessa pantomima. Era um
militar respeitado, com passagem por academias de conceito. Cumpria,
disciplinadamente, a delegação que lhe fora atribuída. Mas o poder é traiçoeiro,
sobretudo quando em volta dele orbitam os oportunistas, interessados em tirar
proveito.
De Costa e Silva, comenta-se que teria tentado revogar o Ato
Institucional número cinco, um édito que foi a senha para a violência
institucionalizada, para o breu nas tocas. Dessa versão dá ciência o jornalista
Carlos Chagas, que foi seu secretário de Imprensa. Repetiu-a numa palestra em
João Pessoa, no auditório da Associação Paraibana de Imprensa. Chagas atribuía
a pressões da “linha dura” a manutenção do AI-5 e jurava ter visto gestos de
Costa e Silva, já acometido de trombose, sinalizando na tentativa de angariar
forças para extinguir um ato discricionário que ceifou personalidades de
expressão, adeptas, inclusive, da nova ordem que se instaurara. Carlos Lacerda,
ninguém há de contestar, apostava fichas na redemocratização imediata e
ajeitava o paletó para ser candidato a presidente da República, no vácuo de
líderes que haviam sido cassados como Juscelino Kubitscheck e João Goulart.
Deu-se que num listão seguinte do “comando revolucionário”, Lacerda foi a bola
da vez. Não havia mais dúvida sobre o projeto de poder dos militares.
Há ingênuos que tentam minimizar a violência do golpe de 64 dizendo ter
sido uma medida extrema mas imperiosa para evitar a comunização do país. De
concreto, a sociedade brasileira foi submetida à longa noite das trevas, que,
depois de algum tempo, já não distinguia ninguém. A paranóia era tanta que
todos, até prova em contrário, passaram a ser tratados como inimigos em
potencial, até mesmo aqueles que se submeteram à lavagem doutrinária, inspirada
em modelos fascistóides. Com tantas vítimas jogadas no meio do caminho, não dá
para atribuir os abusos a equívocos dos “bolsões sinceros mas radicais”, como
foram denominados os expoentes da linha dura. É uma página que o país espera
nunca mais ter que repetir. Em seu próprio benefício!
Transcrito do Repórter PB.
O golpe. E a vaca fardada
Reviewed by Clemildo Brunet
on
3/31/2013 09:43:00 AM
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