Há certos dias...
Ignácio Tavares |
Ignácio Tavares*
Palavras chaves: escrever é
saudável, mas nem sempre estamos à vontade para o exercício da escrita todo o
santo dia. É isso mesmo que estou a falar. Há dias especiais, dias normais, há
também os dias aziagos em que a máquina criativa trava e nada sai.
Vejamos: às vezes sou
tomado por lampejos de lembranças que até me parece um filme a exibir cenas de
estórias a envolver pessoas com as quais convivi ao longo da minha vida. Que
bom, hein?
Nessas ocasiões a vontade de escrever parece-me mais apropriada, por
conseguinte, mais saudável.
É claro que esse dia
excepcional não acontece de forma recorrente, por isso a maioria dos textos que
escrevi têm pouco a ver com tais lampejos. Agora, nos dias normais as coisas
transcorrem sem empecilhos, de modo que o texto é concluído em tempo hábil,
inclusive com as devidas correções.
Por outro lado, às
vezes enfrento os chamados dias cinzentos, que normalmente, me deixam
imobilizado sem a vontade de escrever por absoluta falta de assunto. É sem
dúvida um dia aziago que impiedosamente me leva a um estado de branco total.
Quando isso acontece
recolho-me ao ambiente de leitura, onde permaneço por algum tempo, sereno, taciturno,
sobretudo despojado da vontade de escrever. Ponho-me a rever alguns livros que no
passado saciou-me a sede da boa leitura. Irrequieto vasculho a diversidade de
títulos que compõem o meu acervo, patrimônio que acumulei com o passar do
tempo.
De cara vejo Hermann
Hesse estampado na capa do clássico “A arte dos ociosos”. Esta obra prima
sempre me fascinou, pois, relata a importância da ociosidade na arte da criação
literária. Sintetiza com uma afirmativa irrefutável, qual seja: a arte, nas
suas diversas formas, é obra dos ociosos.
É isso mesmo, não
obstante a admiração que tenho por Hermann, a sua obra, naquele momento não foi
capaz de mudar o branco o qual estava submetido. Ressalte-se que, bem ou mal
sou um feliz e assumido ocioso. Isso significa dizer que estou a viver um
momento bem apropriado para o exercício da criatividade, por conseguinte da
escrita, na concepção do excelso escritor.
Mesmo estando a viver
como um feliz ocioso pergunto-me: por que vez por outra os momentos de apagão
estão a me a me atormentar? O que fazer?
Simplesmente nada. Claro, só resta-me esperar que tudo passe para que as coisas
voltem a normalidade. Mas, continuo dominado pelo branco total.
Irrequieto vou pra um
lado e pra outro sem saber o que fazer. Saio, fico sentado no alpendre a ver as
borboletas a extrair o néctar do floral do jardim da casa. Ponho-me a pensar
mil e uma coisas sobre aquelas frágeis libélulas frequentadoras habituais do
nosso jardim, para ver se me afasto o maldito branco. Não acontece nada, tudo
continua como dantes.
Tem jeito não. É isso
mesmo, nesses momentos para afastar o fantasma dos dias cinzentos nada melhores
do que recorrer às anotações colhidas junto a pessoas do povo quando venho a
terrinha. Depois de observar as anotações percebo que são estórias iguais a
outras que já relatei n’outros escritos. Nada feito.
Penso em escrever um
texto sobre o momento econômico nacional. Lembro-me que há muita gente, melhor
do que eu no eixo Rio/São Paulo a fazê-lo baseado em fundamentos teóricos
deveras apropriados. Assim sendo descarto esse tema. Recorro a velha agenda
doada pela Aduf, onde relaciono os possíveis textos que podem ser escritos no
decorrer do ano. Nada a me motivar.
Por outro lado,
reconforto-me ao lembrar que sou um provinciano assumido, portanto não sou
afeito a outros temas a não ser aqueles que dizem respeito a minha terra,
quando muito a minha região, ou meu estado. Mesmo assim o branco continua.
Continuo a imaginar
novos temas para fugir do apagão de criatividade. Penso em escrever algo sobre
o momento político da minha terra. Ah, neste caso sou impulsionado pelo instinto
político/animalesco. Pra minha surpresa o branco desaparece imediatamente. Que
coisa, hein?
Não obstante a questão
política estar sempre presente nas minhas elucubrações, nada muda, posto que
prometi a mim mesmo que não mais me meteria nessas questiúnculas de somenos
importância para evitar atritos com pessoas com as quais historicamente
mantenho bom ou mesmo regular relacionamento.
Como é difícil
escrever, não é? Confesso que às vezes passo semanas sem escrever nada. Ainda
bem que tenho um estoque de textos sempre a minha disposição, que podem
preencher esse vazio criativo sem que ninguém perceba o que está a se passar
comigo.
E você meu amigo,
também enfrenta problemas dessa natureza? Pois é, se não acontece, não se
preocupe porque o seu dia vai chegar, viu? É uma questão de tempo.
Agora se acontecer,
não se preocupe porque você não é o único, assim como eu e tantos outros, que
está a experimentar apagões de criatividade. Conclusão, tudo isso faz parte do
dia a dia de quem escreve, não é?
João
Pessoa, 20 de Agosto de 2013
*Economista e
Escritor pombalense
Há certos dias...
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/20/2013 07:25:00 AM
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