Woodstock em Pombal
Ricardo Ramalho |
Ricardo Ramalho*
As serenatas tradicionais, com violões e cantores
românticos desapareciam das noites de Pombal. Eram os anos 60 e com eles novos
comportamentos sociais surgindo. A música influenciava essas mudanças. Os
ícones musicais de então, como Nelson Gonçalves e Caubi Peixoto, sucumbiam aos “revolucionários”
ritmos do rock and roll e da Jovem Guarda. Mas, a serenata, de origem medieval,
resistia embalada por outros instrumentos sonoros. A “radiola de pilhas” era
uma novidade. Prática e de fácil mobilidade, permitia termos os cantores de
sucesso sob nosso controle e
sem custos.
Assim, movidos à cachaça, bebida
acessível aos poucos recursos disponíveis e tira-gostos de frutas como
cajarana, seriguela e umbu fazíamos as serenatas “modernas”, quando o delegado
da vez consentia. Entretanto, o estilo
das músicas não combinava com as plácidas noites da cidade e, tampouco, com a
difícil transição entre a velha e a jovem guarda. Nos dias seguintes os
comentários rolavam nas rodas femininas, principalmente, estudantis. Quem estava
na serenata? Para quem era a serenata? Nasciam, então, paqueras, namoros e uma
sequência de relacionamentos amorosos que muitas vezes chegavam ao casamento.
No auge dessa efervescência musical, com o domínio dos
Beatles e o Movimento Hippie em ascensão, foi realizado o festival de Woodstock
na pequena cidade de Bethel, Estados Unidos. Cerca de 400 mil pessoas se
reuniram para ouvir música e cultuar “a paz e o amor”, lema da juventude da
época. Apesar da multidão, a falta de estrutura de apoio e o quase inexistente
aparato policial, nenhum incidente grave foi registrado, uma coerência com o
espírito do festival. Músicos e bandas de vanguarda se apresentaram e desses
shows foram produzidos discos ao vivo. Esses “longs plays” ou LPs chegaram-nos
e foram “consumidos” pela “turma”, formada, basicamente, além de mim, por
Belmiro de Zeca Peba, Zé Ronaldo de Zé Leite, Chaguinha de Gentil e Joãozim de
Joquinha.
Em uma das “farras” resolvemos fazer uma serenata. Belmiro paquerava
uma garota que, ainda, não havia lhe correspondido. Seria a oportunidade para,
quem sabe, firmar esse relacionamento. Com a radiola, sentamos em roda, nas
cercanias da casa da pretendida e tocamos o único disco que trazíamos:
Woodstock. Reproduzia sons, absolutamente, desconhecidos em Pombal, com
instrumentos eletrônicos e interpretações em inglês que poucas frases
conseguíamos entender. E Jimmy Hendrix extraia acordes da guitarra com os
dentes, Jane Joplin com sua voz marcante cantava “Piece of my heart” (Pedaço do
meu coração), Joe Cocker rouco e pungente a exclamar “with a little help from
my friends” (com uma pequena ajuda de meus amigos)... Nada muito apropriado
para uma serenata. Os ecos de Woodstock chegavam a Pombal.
P.S. ao que tudo indica a
pretendida de Belmiro não atendeu seus anseios. Provavelmente, pelas músicas da
serenata.
*Engenheiro agrônomo e
pombalense
Woodstock em Pombal
Reviewed by Clemildo Brunet
on
6/21/2014 05:38:00 AM
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