CINE LUX E UM DOMINGO SEM MATINÊ
Francisco Vieira |
Francisco Vieira*
O
ser humano é o construtor da história. Desde um simples aceno ao mais nobre
gesto, em cada palmo de chão que se pisa, também nas atitudes que se toma e nos
fatos que acontecem, o homem edifica sua própria história para a posteridade,
que será enaltecida ou não, conforme sua importância.
O
tempo passa. O futuro se aproxima e
o passado se distancia. Vez por outra aflora
no peito lembranças que são saudades das inesquecíveis matinês no Cine Lux.
Foram tardes de domingo alegres e tristes, mas que preencheram minha infância e
adolescência. Reminiscências que a memória sexagenária insiste em lembrar.
No domingo se faz de tudo
ou nada. Uns decidem fazer o que não poderam na semana, já outros, resolvem
repousar ou desfrutar do laser. Em Pombal, era possível ir à missa, banhar-se
no Rio Piancó, almoçar na casa de amigos ou parentes, assistir ao futebol no
Vicente de Paula Leite e participar do passeio noturno no largo do centenário. Eram
estas as principais opções dominicais. Agradável rotina.
Décadas de 60 e 70. Período
de transição entre a infância e a adolescência. Nessa fase era impossível
resistir ao fascínio do cinema. Nada era tão importante quanto uma matinê. Era como
uma obrigação, sem a qual a semana não estaria completa. Para nós – eu e meu
irmão - representava a recompensa pelo comportamento semanal. Afinal, difícil
resistir aos filmes que nortearam minha paixão, principalmente do tipo
faroeste, aventuras de Tarzan, Zorro e as comicidades das chanchadas
brasileiras. Aí, para não perder, valia qualquer sacrifício.
Se é que a vida é um
teatro, a rua do cinema foi palco de minhas “artes”, onde compartilhei com
amigos de infância, atores coadjuvantes de minhas “peças” e melhores momentos
da época.
Era um morador privilegiado. Morar próximo ao
Cine Lux era motivo de orgulho e ostentação, sonho de muitos e privilégio de
poucos. Era dar-se ao luxo de ver os cartazes com freqüência, inteirar-se da
programação semanal e divulgá-la como um porta-voz. Era a certeza de chegar
primeiro e garantir o melhor lugar. Também poder participar com mais tempo do
troca-troca de gibis - revistas de quadrinho – de ídolos como: Rock Lane, Kit
Carson, Superman e figurinhas de álbuns de futebol que nunca se completava e
degustar um delicioso sorvete ou picolé de chocolate, como um saco de pipoca ou
pacote de amendoim.
Enfim,
chegava à hora esperada. Nada mais agradável que o blecaute avisando que o
filme começaria em minutos. Aí todos se acomodavam para curtir heróis da tela
como: Kirk Douglas, Burt Lancaster, principalmente John Wayne – o maior dos cowboys.
Entre os brasileiros tínhamos Cill Farney, Francisco Carlos e outros. Era um
deleite contagiante contemplar as divas do cinema como: Norma Bengell, Leila
Diniz, Eliane, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e outras tantas. Eram beldades capazes
de atrair a atenção de qualquer homem e enlouquecer a cabeça dos jovens com um
palmo de pernas a amostra ou um ousado decote.
Ao
fundo musical de uma sinfonia abriam-se as cortinas douradas iniciando o tão esperado
filme. Enquanto crianças inocentes voltavam à atenção para a tela, os maiores
realizavam os primeiros encontros amorosos. Era um misto de beleza, desejo e
ingenuidade, limitados por mãos entrelaçadas e tímidos beijos roubados no
escurinho do cinema. Os mais ousados, se
satisfaziam com bocas e mãos a passear pelos corpos fortalecendo os laços afetivos.
Desses encontros muitos acabaram em casamentos ou não, deixando marcas que nem
o implacável tempo conseguiu destruir.
Cada matinê era um capítulo romântico a
parte.
Cada domingo era uma festa, exceto, quando a falta de energia suspendia
a matinê. Impossível haver surpresa mais desagradável. Só mesmo quem viveu é
capaz de avaliar a grandeza das tardes de domingo em Pombal. São momentos que
atravessaram o tempo comigo permanecendo vivas na memória. Ninguém nunca vai
entender esse sentimento até que passe pela mesma situação.
A
alegria e a tristeza se conflitam ao relembrar um domingo, com ou sem matinê em
Pombal. Literalmente ainda vejo Zé Lopes na portaria auxiliado por Facundo para
evitar calote, Zoraíde ou Zaíde, computando na bilheteria os metais apurados,
enquanto Galdino, assessorado por Poxota, sem descrição, fiscalizava com
ofuscante lanterna.
Como um pesadelo, ouço o murmúrio
da platéia com a falta de energia que nem sempre voltava em tempo. Imagine uma
tarde de domingo sem cinema. Certamente a causa era o abalroamento de um carro
num poste, as chuvas fortes na região ou a canela que caiu lá pras bandas da
rua do comércio. O que fazer se o problema era em Coremas onde Zé do Bigodão e
Valério não podiam resolver.
Ante
o imprevisto esperar era a única solução. Na ânsia da espera cada um se
manifestava a seu modo. Enquanto uns reclamavam, outros como eu, apelavam para
a fé. Para não perder o filme tudo era válido, desde orações até promessas que nem
sempre eram cumpridas.
Se
possível fosse, queria reviver as tardes de domingo, menos aquelas sem matinê,
para não sofrer duas vezes. Se dependesse de mim a energia não teria faltado
nenhuma das tardes, como naquela que me privou de assistir “Pistoleiro Bossa
Nova”, comédia estrelada por Ankyto e Grande Otelo, fazendo da alegria uma
tristeza incontida. Só depois com o advento da televisão pude ver o filme. Bom
filme, porém faltava o calor e aconchego que só o Cine Lux oferecia.
A
propósito, tudo caminhava bem, até que de repente um circuito - não sei aonde –
cortou o fornecimento de energia para não mais voltar, mudando o panorama. A
tarde alegre tornou-se melancólica e revoltante. Afinal, era inaceitável não
poder comentar o filme que esperei em vão a semana inteira. Longa espera vã. Enfim,
a notícia que ninguém queria ouvir: “não haveria matinê”, disse Galdino,
matando a esperança que deu seu último suspiro em leito de morte, de onde
saímos desolados, porém munidos do ingresso. Era a certeza e garantia da próxima
matinê, com a permissão da energia, é claro. E, para aumentar a tortura, vi Pedro
Onça no dia seguinte, levar a fita para a Estação Ferroviária de onde partiria
- talvez sem volta - para um lugar qualquer. Infeliz coincidência. Mas o que
fazer se a energia foi embora sem permissão e motivo não explicado, suspendendo
a exibição da fita. Antes não tivesse picolé, o sorvete não estivesse no ponto,
faltasse o pipoqueiro, o vendedor de amendoim e algodão doce que não causaria
tamanho constrangimento. O filme era prioridade.
O Cine Lux não existe mais, salvo na
lembrança dos frequentadores. Suas cortinas se fecharam deixando para trás
imensurável papel sócio-cultural e uma história que se faz saudade e patrimônio
na memória de cada filho de Pombal.
Finalmente,
mal acostumado, cumprirei a sentença de mais UM DOMINGO SEM MATINÊ EM POMBAL.
Pombal, 10 de agosto de 2014.
*Professor e Escritor
CINE LUX E UM DOMINGO SEM MATINÊ
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/11/2014 06:40:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário