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AMIGOS DE INFÂNCIA E SUAS TRAVESSURAS

Francisco Vieira
FRANCISCO VIEIRA*

Até que se apague a última centelha de vida, vou relembrar minha turma de amigos, como eu, moleques travessos de minha infância.
A propósito, a pergunta que não pode calar: quem nunca foi peralta na vida? Eu, você, todos nós fizemos travessuras. Quando menino, quebramos vidraças, pichamos paredes, tocamos a campainha do vizinho, morcegamos trens e caminhões, atormentamos loucos, roubamos a merenda do coleguinha e outras artimanhas. Ainda mentimos pra não apanhar e
apanhamos por mentir.
Com efeito, em matéria de traquinagem, todos da turma eram experts. No grupo se destacavam Geraldo Aquiles, que saltando muros e jardins, sem temer o perigo, tornou-se o terror da vizinhança, enquanto Zé Piloto e Branco de D. Neném debulhavam um rosário de palavrões. Parece terem estudado na mesma cartilha, entretanto, Zé Piloto se destacava ao se dizer que “Monzinho”- seu pai – era o inventor do jeep, discorrendo uma vasta coletânea de palavras obscenas sem a menor reserva. Já Clemildo Brunet, Assis Caetano e Moreirinha, não menos astuciosos, surpreendiam os adultos. Meninos “levados”. Cada um a sua maneira, justificava o dito popular: menino é o capeta em forma de gente.    
E, como a justiça começa em casa, ressalto Pretinho – meu irmão – um dos mais traquinos, que nada ficava a dever aos mais capciosos. Pretinho imprimiu um jeito próprio que o fazia diferente dos demais. Além de teimoso mostrava-se também irrequieto e impulsivo. Na sua inquietude foi protagonista de inusitadas proezas e histórias hilariantes que merecem ser contadas para justificar o conceito de menino errante.
Não querendo me eximir da qualidade de menino travesso, ouso afirmar serem minhas travessuras insignificantes diante de Pretinho. Na escola, nas ruas e entre amigos, ainda hoje perdura o conceito de menino briguento e hábil atirador de pedras, qualidade que lhe fez respeitado e temido por todos. Sob qualquer ameaça se utilizava desse artifício - sua grande arma - chegando inclusive a furar a cabeça de vários colegas. Até mesmo eu, sendo irmão, maior e de mais idade, fugia de suas investidas para não ser mais uma vítima de seu tiro certeiro.
Avesso a regras e convenções, Pretinho estava sempre a desobedecer. Por ser do contra, se esquivava das missas dominicais para brincar em volta da igreja. Muito arteiro, usava estratégias para esconder sua façanha, inclusive comentando em casa a missa que não assistira. Mas, como mentira tem pernas curtas e a intuição de mãe nunca falha, a verdade veio à tona. Indagado que foi sobre o celebrante da missa, de forma inteligente afirmou ter sido Padre Andrade. Fortalecendo a falsa afirmação acrescentou ser este o motivo de tão breve celebração, quando havia sido Mons. Oriel.
 Astucioso, usava também dessa estratégia para matar aula escondido na soleira das janelas da Câmara Municipal de onde retornava após consumir a merenda. O fato somente foi descoberto por uma tia afim que contara a seus pais, custando-lhe um castigo. Insatisfeito com a denúncia articulou a vingança e num momento oportuno adentrou a casa da delatora onde revirou sua cozinha fazendo xixi no móvel.   
Pretinho era mesmo terrível. Quer acompanhado de amigos ou sozinho, adorava fazer traquinagens, algumas maldosas ou inconsequentes.  É que a criança na “santa inocência” faz coisas que até “Deus duvida”. Com ele divido a culpa de muitas façanhas, inclusive da maior entre tantas. Lembro que num certo dia adentramos a casa de um vizinho em reforma e depois de vários trotes telefônicos, para os quatro cantos do mundo, armamos um quebra canela. A propósito, trata-se de um buraco cavado ao chão, que recheado de vidro e coberto com papelão e areia serve de armadilha para quem nele pisar. Em conseqüência, um trabalhador, vítima de tão infeliz atitude teve os pés cortados e impedido de trabalhar por alguns dias. Ainda hoje carregamos nos ombros o pesado fardo da culpa e na consciência o remorso por tamanha insensatez.
Com grande capacidade inventiva, suas peripécias, revestidas de impetuosa inocência, caminhavam em várias direções. Deste modo não poupou sequer as normas católicas, quando ao se confessar com Padre Andrade e não receber dele a costumeira penitência, acabou rezando a que o vigário havia me estabelecido. Foi um fato interessante e cômico. Um misto de fé e ingenuidade.
Pretinho enfrentava a vida com indiferença. Até mesmo nas coisas mais sérias ele dava um toque de humor, embora lhe custasse severos castigos, como as três pisas que tomou num só dia o que fez nosso avô materno chamá-lo de “menino do couro grosso”. 
O tempo passou e nós crescemos, trazendo conosco lembranças da infância e o desejo de voltar àquela época. E, se possível, sem responsabilidade nem preocupação, repetir as mesmas traquinagens de outrora. É que, sendo menino, sonhamos ser adultos e ao crescer queremos ser criança outra vez. Quero sim, junto ao meu irmão, reviver a rivalidade com os meninos da rua vizinha, sentir outra vez as paixões correspondidas ou não, marcar o gol que eu nunca fiz e possuir o brinquedo que nunca tivemos. Certamente, juntos faríamos tudo outra vez. Seria impossível não prender o rabo do gato na caixa de fósforos, não matar de baladeira as galinhas da vizinha ou não destruir os ninhos de pássaros. Enfim, fazer tudo que não foi possível.  
O tempo é implacável. Ele pode comprometer a saúde, destruir a riqueza, abalar o prestígio e até tirar a vida, porém não destrói as amizades de infância. Elas são espontâneas e nasceram sem interesse Ainda nos conduz a lugares diversos, mas as lembranças permanecem e nelas os bons amigos. Tenho por todos reverência especial, pois compartilharam comigo momentos inesquecíveis, portanto são partes de minha vida. Quer seja rico ou pobre, branco ou de cor, letrado ou analfabeto, não importa, somos amigos.
Juntos no passado fomos felizes, hoje, separados, somos apenas saudade, sentimento que se faz lembrança dos AMIGOS DE INFÂNCIA E SUAS TRAVESSURAS.
Pombal, 05 de setembro de 2014
*Professor e Escritor pombalense 
AMIGOS DE INFÂNCIA E SUAS TRAVESSURAS AMIGOS DE INFÂNCIA E SUAS TRAVESSURAS Reviewed by Clemildo Brunet on 9/06/2014 06:02:00 AM Rating: 5

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