Paris é aqui
Rinaldo Barros |
Rinaldo Barros(*)
A fase atual da jovem
Democracia brasileira exige de todos os brasileiros uma séria reflexão sobre a
nossa capacidade de sermos tolerantes com as ideias e as propostas com as quais
não concordamos.
Perigosamente, paira
na atmosfera pós-eleitoral uma brisa de intolerância que, por sua
irracionalidade e descompromisso com os valores democráticos, precisa ser
tomada a sério por todos os que têm responsabilidade com o Estado Democrático
de Direito; o qual nos assegura muitas liberdades, principalmente a Liberdade
de expressão e
manifestação.
Nietzsche, no seu
incomparável texto “Humano, demasiado humano”, como ele mesmo o designou, “um
livro para espíritos livres”, advertia-nos contra a ilusão de quem pretende
pureza e inocência ao cuidar de coisas humanas: “Se vivemos muito próximo de um
ser humano, então nos sucederá a mesma coisa quando tocamos várias vezes uma
bela gravura com os dedos nus: um dia teremos nas mãos apenas um papel sujo e
ruim, nada mais”.
O perigo encontra-se
na atitude (bem intencionada?) que leva ao absurdo essa abstração, ora enxergam
na política apenas impureza e velhacaria, ora prescrevem-lhe candura e
santidade.
A “moralização da
política” tem o pior de ambos os defeitos de julgamento: por um lado, é injusta
com a política ao descrevê-la a partir de uma perspectiva exclusivamente
pecaminosa; de outro lado, é ingênua ao prescrever-lhe uma pureza inexistente
até nos mosteiros beneditinos.
Aqui no patropi, ao
final do processo eleitoral, ao invés da discussão de ideias, planos de
governos e projetos que atendessem os graves problemas que atingem nossa
sociedade, nos três níveis de governo de nossa Federação; o que se observou
foram grupos de todas as cores políticas incentivados a responder a um anseio
difuso de administrar o debate político; estimulando - sem o admitir - a
intolerância de parte a parte.
No Brasil, como em
qualquer outro lugar, os inimigos da Democracia são todos aqueles que tratam o
seu oponente como mal a ser excluído - não importa por qual meio - do debate,
da disputa política, ou da vida. A meu ver, numa
Democracia, a única intolerância deve ser com os intolerantes; e com a
corrupção.
A Democracia,
precisamente por ser o regime da Liberdade de expressão e manifestação, por
excelência, é o regime que mais exige responsabilidade de seus cidadãos. Mais do que isso, a
Democracia exige do seu cidadão, além de participação, uma elevada quota de
tolerância, pois é nesse regime de liberdades que o cidadão tem que aceitar que
nem sempre suas ideias prevalecerão, nem sempre o seu partido sairá vitorioso e
muitas vezes suas propostas serão derrotadas.
Nada mais inaceitável para a
Democracia que a tentativa de demonizar negativamente o comportamento do outro.
Essa assertiva é válida, como diria o Papa Francisco, “urbi et orbi”. Aqui e em
Paris. Nada
justifica a barbárie cometida, em Paris. Nem as charges zombando Maomé
publicadas pela revista Charlie Hebdo, nem as missões de ocupação realizadas
pela França atualmente contra três países muçulmanos.
A
morte de civis não tem explicação racional. Mas a forma como a mídia trata o
assunto, revela preconceito social e manipulação de ideias sobre o que é o
mundo muçulmano, em todas as suas formas. Até porque a grande maioria das
vítimas do terrorismo islâmico é muçulmana.
Isso
não é publicado ou conhecido pelas pessoas comuns, que acreditam que o mundo
muçulmano, como um todo, é contra a “Europa livre e cristã”. Aliás, de acordo
com o serviço secreto dos Estados Unidos, o próximo alvo do grupo terrorista
“Estado Islâmico” será o Vaticano, o qual está em alerta máximo. Francisco
pediu que “dirigentes religiosos, políticos e intelectuais muçulmanos” condenem
qualquer interpretação fundamentalista e extremista da religião que justifique
a violência”.
É
preciso que se diga que, todos os dias, no Iraque, Líbia, Síria e Iêmen, os
mulçumanos sofrem as consequências do fundamentalismo. Ou
seja, o fanatismo cego e surdo, de qualquer credo, é que é o inimigo da
Democracia.
Destaque-se
que o Islã, nos 114 capítulos (suras) do livro sagrado, Alcorão - prega a
tolerância e o amor. A
realidade é muito mais complexa. Curiosamente, o Islamismo é a segunda maior
religião da França. Dos
850 mil habitantes de Marselha, um terço segue o Islamismo. São imigrantes
africanos, vindos principalmente dos países islâmicos, e que há pouco mais de
50 anos ainda eram colônias francesas.
Resumo
da ópera: é urgente procurar convergências, respeitar diferenças e, de tal modo
defender a Liberdade de expressão, que a universalidade faça da tolerância um
dever; a coexistência pacífica entre os povos, enfim. Em Paris, no Oriente
médio, ou aqui no patropi.
Cá
no meu canto continuo, com a única arma que tenho - a palavra - buscando a
Estrela da Manhã.
(*) Rinaldo Barros é
professor – rb@opiniaopolitica.com
Paris é aqui
Reviewed by Clemildo Brunet
on
1/21/2015 08:36:00 AM
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