A importância pretérita do algodão para o Nordeste Brasileiro
Marcela Ferreira
Lopes[2]
A utilização do algodão (Gossypium sps.)
para diversos fins foi constatada quando da descoberta do Novo Mundo pelos
Europeus, pois nativos do continente americano aproveitavam a fibra para a
fabricação de utensílios usados no cotidiano.
A rede de dormir é exemplo da herança
indígena no que tange ao uso dessa planta da família das Malváceas para a
confecção de bens que no presente participam ativamente na geração de emprego e
renda de diversos municípios nordestinos, como São Bento do Brejo do Cruz (Estado da Paraíba).
renda de diversos municípios nordestinos, como São Bento do Brejo do Cruz (Estado da Paraíba).
O algodão foi responsável pela
revitalização agrícola brasileira após a expulsão dos holandeses e a decadência
da cultura canavieira no litoral oriental nordestino, proporcionada pela
concorrência efetivada pelo açúcar batavo produzido nas Antilhas.
A industrialização pioneira que
originou-se na Inglaterra teve no setor têxtil o carro-chefe do complexo
processo surgido com o advento das máquinas, exigindo matéria-prima abundante a
fim de atender a demanda crescente, tendo em vista que vestir-se é um dos requisitos
da vida em sociedade.
O algodão mocó, provavelmente nativo do
Seridó Norte-riograndense, arbóreo, chegando a mais de dois metros de altura,
em alguns casos houve registros de plantas com mais de cinco metros, dotado de
fibras longas, adaptado às condições edafoclimáticas do semiárido, considerado
por muitos como a melhor variedade do mundo, passou a ser cultivado em todos os
Estados Nordestinos.
O
binômio gado-algodão passou a definir a importância econômica da hinterlândia
nordestina, sendo que em diversos momentos o segundo passou a superar a própria
razão da ocupação das terras interioranas.
O cultivo do algodão passou a ser feito
sobretudo em grandes latifúndios, motivado por agentes econômicos que dispunham
de condições e contatos que viabilizassem a venda do produto. Depois de algum
tempo o algodão passou a ser uma cultura infinitamente mais democrática que a
da cana-de-açúcar, tendo em vista que pessoas pobres, mas detentoras de
pequenos pedaços de terra, passaram a cultivá-lo e comercializá-lo em praças
especializadas, como Campina Grande (PB), Recife (PE) e Mossoró (RN), formando
uma elite enriquecida com o Ouro Branco do sertão. Negros alforriados que a duras
penas conquistaram pequenos lotes de terra galgaram degraus na rígida e
inflexível sociedade sertaneja agropastoril graças ao algodão.
A
introdução de descaroçadores foi de suma importância para a dinâmica econômica
da região sertaneja. Para o algodão mocó indicava-se o de rolo, enquanto para
as espécies herbáceas utilizava-se o de serra.
Campina Grande, localizada no Estado da
Paraíba, foi beneficiada economicamente, de forma espetacular, quando Cristiano
Lauritzen introduziu descaroçador de algodão e passou a aproveitar-se da
produção sertaneja que demandava a Pernambuco, cujos tropeiros que conduziam
fardos de algodão antes tinham na cidade apenas ponto de parada obrigatória. No
presente, experiências genéticas que resultaram no algodão colorido denotam a
invectividade dos pesquisadores da EMBRAPA a fim de revitalizar o produto na
economia local.
O
colonialismo inglês ocupou terras possuidoras de histórias milenares, como a
Índia e o Egito, transformando-as em imensos algodoais, bem como aproveitando
áreas geográficas próximas a fim de fomentar transações comerciais, a exemplo
das que foram efetivadas com o sul dos EUA escravocrata e monocultor, dedicado
de forma extraordinária à cultura algodoeira.
A distância separando o sul dos EUA da
Inglaterra minimizava extraordinariamente os custos com o transporte da
matéria-prima indispensável ao funcionamento de suas orgulhosas indústrias
têxteis.
A guerra de secessão que ensanguentou o
território norte-americano no início da década de sessenta do século XIX privou
os ingleses de se abastecer com o algodão produzido no sul dos EUA.
O
drama conjuntural interno vivido pelos EUA suscitou a necessidade de buscar em
áreas próximas o algodão que tanto necessitavam, fazendo com que o sertão
nordestino vivesse dias de glória. A demanda externa mostrou-se tão proeminente
que diversas áreas dedicadas ao cultivo da cana-de-açúcar passaram a cultivar o
algodão.
Os ingleses interessaram-se de tal forma pela
qualidade do algodão produzido no sertão nordestino que diversas iniciativas
foram fomentadas, a exemplo da construção de ferrovias, levadas avante pela
Great Western Company. O objetivo era minimizar a depreciação do produto,
transportado em tropas de burros.
Mesmo depois que a situação de
beligerância nos EUA tranquilizou-se, em razão da qualidade do algodão
sertanejo houve ênfase à procura externa pela excelente matéria-prima produzida
na região nordestina.
A
desaceleração da demanda externa deu ênfase ao surgimento de indústrias têxteis
de pequeno porte, cuja produção visava atender ao mercado interno. O tecido de
chita, popularizado no nordeste brasileiro, exemplifica a forma alternativa que
se exponencializou para absorver a produção algodoeira local.
A
atenção do governo também se destacou quando da instalação de diversas Estações
Experimentais, ligadas de início ao Ministério da Agricultura e depois à
EMBRAPA, sendo que a do Seridó norte-riograndense era uma das mais importantes,
tendo em vista os estudos de melhoria genética levados avante pelo agrônomo
Carlos Faria, entre outros estudiosos.
O algodão passou a ser sinônimo de
melhor qualidade de vida, principalmente no semiárido. A colheita e
comercialização do algodão eram sinônimos de melhores alentos para boa parte da
sofrida população de ermos esquecidos localizados no Nordeste Brasileiro.
As quermesses, períodos juninos e festas
de padroeiros espalhadas pelo interior do Nordeste eram mais animados quando a
população sertaneja que se dedicava à cotonicultura contava com o dinheiro
apurado com a venda do algodão. Era uma festa quando os pais chegavam em casa,
sorridentes, alegres, contando o que haviam conseguido com a venda da safra.
Exemplo da importância do algodão para a
economia regional observou-se no Estado da Paraíba no século XX, pois quando
das discórdias envolvendo o “Coronel” José Pereira Lima e o Presidente João
Pessoa, a tributação exorbitante sobre a produção sertaneja, sobretudo a
referente ao algodão, determinou um dos motivos para a deflagração da guerra de
Princesa em 1930.
O algodão esteve presente, de forma
indissociável, na vida social e econômica sertaneja, até meados da década de
oitenta do século XX, quando a praga do bicudo acabou com a importante
atividade cotonicultora e definiu uma das maiores crises enfrentadas pela
região.
[1]
José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB)
e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA/UERN).
[2]
Marcela Ferreira Lopes. Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e
Adultos com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP.
Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição
A importância pretérita do algodão para o Nordeste Brasileiro
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/28/2015 04:52:00 PM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário